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Paraná

A cada 17 horas, uma mulher é vítima de violência na região

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“Por quatro anos nós vivemos bem, os outros eu fui levando. Ele jogava muito, bebia muito, ia para noitada. Um dia, voltando de um evento, ele estava embriagado e, quando chegamos em casa, ele me agrediu com pancadas, socos e chutes. Se a minha filha, que na época tinha seis anos, não tivesse entrado no meio e pedido para ele parar, talvez eu não tivesse aqui para contar a história”.

O relato de Isabel*, de 42 anos, não difere de tantas outras histórias vividas por mulheres Brasil afora, vítimas da violência praticada por seus maridos, companheiros, namorados, ex-namorados, pais, irmãos e até mesmo apenas conhecidos.

“Naquela noite eu sofri muito, chorei muito, porque eu não entendia o motivo de estar sendo agredida daquele jeito. Na minha cabeça não entrava por que alguém podia ser agredida daquela forma, com tanta violência”, conta Isabel.

Fisicamente, ela foi agredida apenas uma vez pelo companheiro com o qual conviveu por 12 anos, porém verbalmente as agressões eram constantes. “Eram humilhações que ninguém via, só eu. Ele era um homem formado, culto, todo mundo dizia ‘nossa, você tem um marido tão educado, o que mais você quer da vida? Você não trabalha, só cuida da casa’. Mas ninguém sabia o que se passava por trás daquilo tudo”, menciona.

Antes de ser agredida fisicamente, Isabel já tinha pensado na possibilidade de deixar de viver com o companheiro, porém, a dependência que sentia do marido não a deixou sair de casa antes do pior acontecer. “Eu me perguntava como eu proporcionaria às minhas filhas a vida que elas viviam e até mesmo tudo que elas necessitavam, quando, na verdade, o que eu precisava dar a elas era amor e ter amor próprio. Contudo, a cabeça não ajudava, eu já era dependente dele psicologicamente e não só financeiramente”, admite. 

Quando deu um basta no relacionamento, por ter deixado não só de amar, mas por não respeitar o ex-marido pela forma com a qual a tratava, Isabel diz que sofreu muito pela questão financeira, todavia, depois de um tempo descobriu que deveria ter se separado muito tempo antes. “Eu vi que aquela dependência não era nada, era algo sem valor e que eu deveria ter me separado muitos anos antes, logo que a primeira decepção aconteceu. Nesses momentos nós vemos como somos fracas e nos deixamos apegar em pequenas coisas que parecem importantes”, observa.

Apesar do incentivo de amigas que aconselharam Isabel a denunciar o marido pela agressão, ela preferiu não levar o fato a conhecimento das autoridades policiais. “Eu nunca imaginei que ele fosse me agredir daquela forma, sem motivação alguma. Nunca na minha vida esperei passar por aquilo com o pai da minha filha”, comenta.

Mesmo após a agressão, ela e o marido permaneceram juntos por quase um ano, porém, após uma traição, Isabel decidiu se separar definitivamente. “Eu vi que não dava mais para nos mantermos como casal. Era muita humilhação, muita tristeza, muito desgosto. Eu perdi por ele o amor, a admiração e o respeito. Eu sentia também que eu não estava mais sendo digna de nada”, menciona.

Apesar de ter sofrido pela separação da família que havia construído, pouco tempo depois Isabel se deu conta que deveria ter deixado o companheiro muito tempo antes. “Eu falhei em não ter prestado queixa. Acho que eu teria mostrado para ele que eu seria uma mulher melhor do que ele pensava. Por isso digo para que as mulheres que passam pelo que eu passei não se calem, ao contrário do que eu fiz, mostrem que são mulheres e não um trapo”, frisa.

 

Estatísticas

Isabel foi agredida em 2004, ano em que a legislação para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher ainda dava passos lentos na garantia de punição com maior rigor aos agressores. Todavia, mesmo 11 anos após a aprovação da Lei Maria da Penha – principal ferramenta legislativa na questão da violência doméstica e familiar contra as mulheres -, histórias iguais as da rondonense se repetem a cada hora na região. Mais especificamente, a cada 16 horas e 54 segundos.

Com base em um levantamento das ocorrências de 15 de setembro a 16 de outubro registradas na abrangência da 2ª Companhia do 19º Batalhão de Polícia Militar – que abarca 23 municípios da região Oeste – nesses 31 dias, 44 casos envolvendo lesão corporal, violência doméstica e tentativa de homicídio contra mulheres foram registrados. Até setembro deste ano já foram registradas 157 queixas de lesão corporal no âmbito da Lei Maria Penha na 47ª Delegacia de Polícia de Marechal Cândido Rondon. No ano passado, foram 205. Muitos desses casos, porém, nem chegarão a conhecimento da Justiça, já que a maioria das mulheres agredidas, mesmo registrando o acontecimento junto à Delegacia de Polícia Civil, retira a queixa poucos dias depois. “A maioria não leva o caso para frente. Muitas registram na delegacia a agressão e no dia seguinte já voltam com a intenção de retirar a queixa, mas em alguns casos, como de lesão corporal, não é possível retirar, porque é uma ação penal pública incondicionada. Já outros, como ameaça ou injúria, têm a possibilidade”, expõe a responsável pelo registro de ocorrências da Lei Maria da Penha na 47ª Delegacia de Polícia (DP) de Marechal Cândido Rondon, Mariane Krause.

De acordo com ela, quase todos os dias há registros de violência contra mulheres na DP e normalmente são pessoas que já possuem um histórico de agressão. “A maioria relata casos de ciúme e em muitas ocorrências os agressores estão embriagados”, revela.

As vítimas apresentam desde hematomas ocasionados por tapas, socos, pontapés, até fraturas. Outras, em casos mais graves e em menor número, chegam muito machucadas por conta de agressões mais fortes. “Já houve casos em que a mulher estava totalmente desfigurada, com o rosto desmanchado e ela não queria dar andamento ao caso. Neste tipo de situação que a Maria da Penha atua a favor da mulher que depende economicamente e até psicologicamente do companheiro, quando, mesmo agredida, não quer que ele seja preso”, ressalta o delegado Diego Valim.

A maioria dos casos que chegam até a 47ª DP são de relacionamentos amorosos, mas, em menor número, também aparecem casos de agressões familiares, como pais que agridem filhas. “A faixa etária das mulheres agredidas é bastante ampla, desde muito novas, aos 20 anos, até 50, 60 anos”, cita. “São desde relacionamentos novos até aqueles estabelecidos há mais tempo, com muitos anos de casamento”, complementa o delegado. 

Mariane explica que a motivação das vítimas que estão passando pelas agressões tanto físicas quanto verbais ou psicológicas há muitos anos para decidir, naquele momento, prestar a queixa está na exaustão, no cansaço em ver a situação se repetir diariamente. “Mas na maioria das vezes não é a mulher por si só que vem até nós. É um filho que incentiva, algum amigo, algum familiar que dá o apoio para a mulher vir prestar a queixa”, destaca. “Para não vir antes, elas relatam o medo do marido ser preso, do que ele pode fazer depois de ser denunciado e a própria dependência econômica”, aponta.

O próprio medo da mudança, comenta Valim, também é um dos motivos pelos quais as mulheres continuam sofrendo caladas por anos. “Todo o conflito que se estabelece depois que o processo é iniciado, do agressor ser preso e a mulher que viveu dez, 15 anos aquela vida, ter medo da mudança, do que pode acontecer dali para frente”, salienta. 

 

Medidas protetivas

Na semana passada, o Senado aprovou, em votação simbólica, o projeto que altera a Lei Maria da Penha para permitir ao delegado de polícia conceder medidas protetivas de urgência a mulheres que sofreram violência doméstica e a seus dependentes. O PLC 7/2016 segue agora para sanção presidencial.

Pela legislação atual, essa é uma prerrogativa exclusiva dos juízes e, na visão de Valim, o benefício da mudança dá-se justamente para os casos graves de violência contra a mulher, permitindo que o delegado decida, de imediato, conceder a medida protetiva à vítima, entendendo a necessidade. “Seria mais rápido do que recorrer ao Poder Judiciário”, enfatiza.

Por outro lado, o delegado rondonense enaltece a importância de a medida ser utilizada estritamente para casos de urgência, quando a mulher e seus dependentes correm risco iminente, a fim de evitar que as medidas protetivas tornem-se uma ferramenta banalizada. “As mulheres muitas das vezes vêm no calor da discussão, procuram a delegacia logo que ocorreu o fato, mas três quatro dias depois elas voltam para retirar a queixa e não querem dar andamento ao procedimento. Neste ‘calor do momento’ elas solicitam a medida protetiva, a prisão do agressor, e frente a essa mudança na legislação, nesses casos ficaria banalizado, não traria certa importância a medida porque restringiria os direitos do autor. A concessão da medida teria que ser para casos concretos, bem analisados e não em um caso de pronto, quando a vítima chega querendo tudo”, pondera.

 

* O nome foi alterado para preservar a identidade da fonte

Confira a matéria completa na edição impressa desta terça-feira (17).

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