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Bullying: um assunto que precisa ser levado a sério

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O debate sobre bullying entre crianças e adolescentes voltou à tona após o ataque a tiros em uma escola de Goiânia, em Goiás. De forma trágica, a situação foi registrada no dia mundial de combate ao problema – 20 de outubro. Tudo começou quando um adolescente de 14 anos abriu fogo em sala de aula para se vingar de um colega de 13 que o ofendia, deixando dois mortos e quatro feridos.

Não apenas este caso isolado, mas o bullying como um todo deve ser interpretado como um grave problema, uma vez que a violência física ou psicológica, intencional e repetitiva (quase sempre de forma velada), é capaz de fragilizar um jovem a ponto de levá-lo a extremos contra si próprio ou contra terceiros. Problema mundial, o bullying e suas consequências causam dor e angústia e acontecem em uma relação desigual de poder, podendo deixar sequelas psicológicas na pessoa atingida.

Estudos apontam que no Brasil pelo menos um em cada dez estudantes é vítima frequente de bullying nas escolas, no entanto o número de vítimas esporádicas é ainda maior. Essas pessoas são vítimas de agressões físicas ou psicológicas, bem como alvos de piadas e boatos maldosos, excluídos de maneira proposital pelos colegas, deixando de ser convidados para festas ou reuniões. O dado integra o terceiro volume do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) 2015, dedicado ao bem-estar dos estudantes.

E se engana quem pensa que isso é coisa de menino. As meninas são tão agressivas quanto eles, porém com uma diferença: chegam a ser mais sutis e cruéis nos atos de violência.

Humilhações

As feridas geradas pelo bullying são tantas que para superar a crise, muitas vezes, são necessários vários anos, num permanente exercício de força de vontade e determinação. Foi assim com um rondonense que sofreu bullying cerca de sete anos atrás. Com o apoio da família e acompanhamento psicológico, o adolescente conseguiu virar a página.

“Tudo começou porque eu estava obeso, então os colegas falavam e faziam muitas coisas sem pensar. Eu me sentia muito ofendido e acabava me retraindo por ter vergonha. Aquilo foi me distanciando das outras crianças porque acontecia diariamente, foi piorando tanto até que chegou no ponto em que eu me isolei por vergonha de ser humilhado pelas outras crianças”, contou o rondonense à reportagem de O Presente.

Certo dia os colegas se reuniram, ficaram em volta dele, o derrubaram e humilharam falando: ‘gordo baleia, saco de areia’. “Algo assim é terrível ainda hoje, não só pelo psicológico, mas pelo modo como eu era visto pelos colegas”, relata. O bullying continuou mesmo depois de o estudante ser transferido de uma escola municipal para uma privada. “Sempre que possível o pessoal fazia alguma piada maldosa a meu respeito por eu ser gordinho ou então os colegas paravam uma conversa para falar sobre isso ou deixavam um bilhete na minha mesa”, relembra.

Para completar o drama, havia uma inversão e quase sempre quem acabava punido era ele. “Os colegas vinham até mim, me chutavam e corriam, e eu ia atrás para resolver a situação. Quando me aproximava e tinha duas, três vezes o tamanho dos outros, dava a impressão que eu atacava, então era sempre eu quem ganhava as advertências. Dificilmente os provocadores sofriam alguma punição”, lamenta.

Conforme o tempo passou, o estudante comenta que em dado momento notou que alguns responsáveis pelas escolas sabiam que ele era vítima de agressão moral. “Eu aprendi a me virar sozinho, até procurar me envolver novamente com as pessoas, pois a principal consequência que o bullying jogou em mim foi uma vergonha de me expressar, justamente para não ser humilhado. Hoje eu forço a minha mente a trabalhar diferente, a pensar que a minha aparência não importa, mas, sim, a pessoa que sou”, diz.

As coisas foram melhorando de três anos para cá, a partir de quando o jovem reforçou tal pensamento mediante ajuda psicológica. “Passei a me dedicar aos estudos. Tenho notas muito boas, facilidade no aprendizado e parei de pensar nos outros, porque eu desejava na verdade simplesmente agradar os outros, quando deveria pensar em me sentir bem. Assim fui superando. O único lugar onde nunca sofri bullying foi em um grupo fora da escola, no qual todo mundo sempre me aceitou e apoiou e no qual tenho verdadeiros amigos. Quem sofre bullying deve avisar primeiro os seus pais, porque eles percebem o sofrimento mas não sabem do que se trata. O outro passo é falar com os responsáveis pela escola ou grupo onde ocorre e procurar apoio com psicóloga se a situação não for resolvida. Se você for com os seus pais à escola e deixar isso claro à direção, ela vai levar o assunto a sério”, enaltece.

Agressão física

Outro caso de bullying aconteceu em uma escola estadual rondonense, envolvendo um menino que na época tinha 11 anos, hoje com 15. De acordo com a mãe dele, seu filho regularmente voltava para casa chorando porque as crianças não queriam ser amigas dele. “Muitas vezes estava machucado, além do mais os trabalhos feitos em casa não chegavam até os professores porque os outros alunos sumiam com as tarefas. Todo dia era a mesma reclamação, daí eu ia na escola e as crianças diziam que isso acontecia. Uma vez eu entrei na sala de aula e a turma relatou que isso realmente ocorria. A escola deve fazer o trabalho de conscientização, de chamar a família, de encaminhar para o Conselho Tutelar. No nosso caso, mesmo com as tentativas a situação não era resolvida”, menciona.

A mãe lembra que um dia o menino chegou da escola machucado em virtude de uma agressão. Foi então que ela procurou meios legais como forma de apelar para a resolução do caso. Ela salienta que fez isso apenas depois de esgotadas todas as possibilidades de diálogo. “Como o bullying continuou acontecendo, transferi o meu filho para outra instituição. Depois desses fatos e com as novas políticas da valorização e de trabalho em cima do bullying, acredito que as escolas tenham preparo melhor para trabalhar com esse tema, assim como o Conselho Tutelar e o Ministério Público, que devem ter uma visão diferenciada para atuar na escola”, pontua.

Segundo ela, seu filho sofria cada vez mais, tendo que passar por tratamento psicológico. Hoje a situação está completamente superada, tanto que ele retornou à instituição onde os fatos foram registrados. “Os colegas que praticaram o bullying não estão mais nessa escola, tanto que meu filho se sentiu à vontade para voltar. Nem sempre o bullying ocorre por ser gordo, pobre ou outro motivo, porque meu filho não era assim. O caso é que os colegas caçoavam e viviam falando mal dele”, conta a mãe.

Processo aos pares

A psicóloga Carina Frank destaca que a caracterização do bullying se dá pela agressão verbal, física e pelo cyberbullying, que ocorre através das redes sociais. “O que caracteriza é um processo aos pares, pois não há muita diferença entre tamanho, haja vista que acontece com perfis na sala de aula, com crianças da mesma idade ou pessoas no ambiente de trabalho. Não tem possibilidade de dizer que uma criança pratica bullying contra o professor, porque daí seria uma briga. Existe a lei 13.185 do ano de 2015, onde são colocadas as caracterizações. Aquela agressão repetitiva passa a ser bullying a partir da terceira vez que as pessoas se unem para falar do outro, para machucar ou agredir”, explica.

A especialista alerta que entre o bullying tem a vítima, o agressor e o espectador, uma vez que a maioria das pessoas está em volta sabendo, se unindo e prejudicando a vítima. “Entre os meninos acontece mais agressão física no futebol, enquanto com as meninas é bem mais complicado e delicado porque a ameaça realmente é bem velada, existe a fofoca, o fato de se unirem num grupo e excluírem a vítima. A própria exclusão é mais dolorida, algo do tipo: ‘ela é gorda ou usa óculos, então vamos deixá-la fora e unir quem é mais forte’. No caso das meninas leva mais tempo para observar”, menciona.

Carina diz que o ideal é as escolas investirem na formação de professores para isso, tanto que uma instituição privada de Marechal Cândido Rondon criou um ambiente onde as crianças se sentem mais seguras em procurar ajuda. “Praticamente todo dia a gente atende cerca de três ou quatro situações. Além disso, no meu consultório atendo alunos de escolas públicas, de maneira que se observa uma diferença gritante porque ainda há pouca preocupação”, alerta. Além do mais, de cada dez casos, seis são de bullying, sendo que a maior parte tem boa resolução.

Idade

De acordo com a psicóloga, tais atos começam a partir dos sete anos, momento no qual meninos e meninas se descobrem e surgem as conquistas. “A partir daí a gente começa a ver um processo mais complicado que se torna grave na adolescência se não for bem trabalhado. Nesse processo toda criança ou adolescente que é a vítima acaba se tornando o agressor porque vai ser o bode expiatório, ou seja, quem pratica o bullying o faz escondido, daí a vítima fica com raiva e reage ao que está sendo feito com ela. Aos olhos dos professores e adultos a vítima muitas vezes passa a ser a agressora, e a forma de reagir geralmente é ser agressiva; a outra forma é se fechar totalmente. É aí que entra o papel dos adultos. A professora deve estar atenta a isso, conhecer o comportamento dos alunos e fazer algo”, expõe, apresentando indícios de que a escola pode não ser o ambiente ideal quando as crianças choram demais para ir à escola, sentem medo dos colegas, não querem participar das atividades extras. “Raramente diz aos pais o que acontece, porque vai se mostrar inferior, então normalmente quem vai realizar o papel decisivo é a professora”, enfatiza.

A vítima relata sentir um medo profundo e vergonha, e esses são os pontos mais drásticos. “O que mais se destaca é esse medo e consequentemente a baixa autoestima porque os agressores buscam todos os pontos negativos e a criança adere a isso. Além do mais, o índice de agressividade é bem alto por parte das vítimas de bullying, por isso o possível caso do menino em Goiânia foi tão polêmico, e nenhuma escola vai admitir. A família não assumiu porque muitas vezes os pais não percebem, são os últimos a saber”, ressalta, completando: “Onde ocorrem casos extremos por parte das vítimas a tendência dos pais é utilizar uma patologia, pois nesse caso os pais não assumem a culpa”.

Confira a matéria completa na edição impressa desta sexta-feira (17).

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