Desde que a produção intensiva de aves teve seu início, ainda na década de sessenta, os empresários e os técnicos do setor têm convivido com a avaliação, geralmente de leigos, de que estas aves, para serem produzidas, necessitam da adição de hormônios em suas dietas. Na realidade, quando se trata de manifestações individuais e de pessoas de pouca representatividade pública, as consequências são irrelevantes. Entretanto, muitas considerações têm sido feitas por médicos, nutricionistas e representantes de entidades que se preocupam com o bem-estar da sociedade e que repercutem mais significativamente. Esta constatação é absurda e, em algumas circunstâncias, tem comprometido o setor, que fica obrigado a justificar-se, quando na verdade não há qualquer razão para tal, uma vez que a avicultura brasileira e mundial não usa deste expediente para ter o desempenho de suas aves favorecido.
Este fantástico progresso no desempenho das aves não está sustentado na perspectiva milagrosa de que um determinado produto (hormônio), quando adicionado à alimentação dos animais, pode promover um rápido crescimento. Este progresso está baseado, fundamentalmente, em pesquisa nas áreas de genética, nutrição, sanidade e no entendimento das relações destes conhecimentos através de boas práticas de manejo na produção destes animais. As aves são os animais domésticos que têm um dos maiores grupos de pesquisadores trabalhando para melhor conhecê-las e melhor produzi-las. Inclusive, é significativo o número de informações que têm sido obtidas destes estudos e que são aplicadas na produção de outros animais domésticos e para melhorar a saúde dos seres humanos. Já no final da década de setenta, os pesquisadores, a partir dos dados de desempenho observados no passado próximo, podiam prever que os frangos, a cada ano, precisariam um dia a menos para atingir o mesmo peso obtido no ano anterior. Esta estimativa vem se confirmando e tudo indica que, pelo menos por mais alguns anos, estes valores continuarão sendo observados. Mais uma vez insisto no questionamento de que todo este avanço tecnológico não pode estar baseado na maior ou menor quantidade de hormônio que as aves possam receber diariamente. Ou que elas dependem da adição de hormônios para expressar seus potenciais genéticos.
Tentando justificar o absurdo, inicialmente gostaria de sustentar minha argumentação pelo lado legal do uso de hormônios ou de substâncias citadas como quimicamente semelhantes aos hormônios. No Brasil, o emprego destas substâncias em aves é formalmente proibido desde 2004 (Instrução Normativa 17, de 18.06.2004). Desta forma, não há possibilidade de livre comércio destas substâncias em nosso País. Sendo assim, o primeiro impasse que a indústria avícola teria que superar seria o contrabando contínuo e sistemático de produtos que tivessem hormônios em suas composições. Pelo tamanho da indústria avícola brasileira e pelo volume de ração produzido para frangos de corte no Brasil (37 milhões de toneladas de ração, em 2024), este comércio seria impossível de ser mantido sem que ocorresse qualquer denuncia clara, objetiva e não as simples especulações levianas do emprego sistemático delas.
Claro que alguém mais interessado em levar a discussão adiante poderia afirmar que nem toda a indústria avícola poderia se valer deste expediente. Isto seria outro absurdo pois a maioria das empresas avícolas brasileiras tem seus resultados de produção avaliados e comparados formal ou informalmente. Como poderia uma determinada empresa se satisfazer com piores resultados sistemáticos sem tentar identificar o que as demais estariam fazendo para ter melhores desempenhos de seus frangos? O grau de relacionamento dos técnicos e empresários da avicultura brasileira, através de órgãos de classe e de sociedades científicas, é tão intenso que este “segredo de Estado” seria impossível de ser mantido pelas empresas conhecedoras desta tecnologia indevida.
Porém, ainda no campo da especulação, seria impossível desconhecer o benefício dos hormônios pois a literatura técnica disponível é universal e de livre acesso a qualquer técnico que tenha curiosidade ou interesse em consultá-la. E aqui está o ponto mais importante. A maioria das informações disponível na literatura internacional indica resultados controversos de qualquer hormônio no benefício do desempenho dos frangos de corte. No passado foram estudadas drogas beta-adrenérgicas, também chamadas de substâncias semelhantes aos hormônios, na alimentação dos animais domésticos. Teoricamente, elas permitem a redução da concentração de gordura a aumentam a concentração de proteína nas carcaças de frangos de corte e de outros animais domésticos. Entretanto, os resultados têm demonstrado que em frangos de corte os benefícios são extremamente controversos onde, na maioria das vezes, elas não promovem qualquer benefício, quando usadas da forma recomendada. Insisto em dizer que este tipo de informação não é privado. Encontra-se divulgado na literatura científica internacional e, por consequência, disponível a qualquer indivíduo que esteja interessado em ter informação sobre o assunto. Um outro fator complicador dentro deste tema é de que além dos resultados serem tremendamente contraditórios, os níveis de inclusão para positivamente responderem fariam com que seus custos de aplicação ficassem inviáveis. Mais uma vez, mesmo que a indústria avícola fosse, na sua totalidade, inescrupulosa e que, coletivamente, não tivesse qualquer sensibilidade com o bem-estar do ser humano, ela não aproveitaria esta alternativa pois, comprovadamente, os resultados são contraditórios e o uso seria impraticável sob o ponto de vista econômico. Outro fato extremamente relevante é que os hormônios do crescimento são proteínas e, como tal, não poderiam ser adicionados às dietas pois seriam digeridos como qualquer outra proteína. Então, os hormônios teriam que ser injetados. Devemos lembrar que em 2024 o Brasil produziu mais de 7 bilhões de frangos, o que seria impraticável, mesmo que fosse possível empregar uma única dose por animal, no seu período de vida.
Outro aspecto importante e que não pode ser ignorado é que um número significativo de empresas avícolas brasileiras exporta frangos de corte para mais de 160 países. A propósito, nosso País é o maior exportador mundial de frangos, superando exportadores tradicionais como os Estados Unidos da América e França. Como a indústria brasileira poderia correr mais este risco de ter seu produto condenado pela presença de alguma substância que viesse a comprometer a qualidade do produto exportado? Aliás, a cautela da indústria brasileira é muito grande e várias substâncias, além de hormônios, não aceitas internacionalmente, não são usadas mesmo nas dietas de frangos que são consumidos no Brasil, para evitar qualquer risco de contaminação cruzada e que poderia comprometer nossas relações comerciais com outros países.
Então, a pergunta que fica é por que as aves produzidas pela indústria avícola brasileira são tão precoces e tão diferentes daquelas produzidas de forma extensiva, ou em fundo de quintal (galinhas caipiras)? Claro que as primeiras razões já foram abordadas e estão sustentadas por pesquisas voltadas ao aprendizado dos fundamentos básicos do desenvolvimento desta espécie e com a aplicação prática destes conhecimentos ao nível de granja. Os frangos de corte produzidos pela indústria avícola, embora da mesma espécie daqueles produzidos extensivamente, são oriundos de linhagens comerciais, que vem sendo geneticamente desenvolvidas ao longo dos anos, exatamente para serem mais precoces e produzirem carcaças de melhor qualidade. Dentro deste contexto, uma indagação frequente é aquela de porque as carcaças dos frangos de corte, produzidos pela indústria avícola, são muitas vezes menos amarelas, mais pálidas, e têm carcaças menos consistente do que aquela das aves produzidas no fundo de quintal. A resposta para isto é muito simples – mais uma vez nada tem a ver com o emprego de hormônios. A pigmentação amarela dos frangos tem sido menos intensa pelo uso de alimentos que dispõem de menos pigmentos naturais em suas composições e, quando disponíveis, terminam sendo absorvidos pelas aves, como aqueles que têm no milho, alfafa e nos pastos, em geral. Entretanto, fazer um frango mais pigmentado é muito fácil. Porém, a coloração amarela em nada altera a qualidade nutricional da carcaça. Esta característica é puramente estética e há países, como o México, que preferem carcaças mais pigmentadas que aquelas produzidas no Brasil e em alguns países europeus. Cabe ressaltar que o Japão e a Comunidade Européia, no momento, são os mercados importadores mais exigentes e procuram frangos com carcaças pouco pigmentadas. Assim, pigmentar as carcaças custa caro, não promove qualquer benefício na sua qualidade e não está relacionado com o tipo de linhagem genética que foi empregada. Se as galinhas caipiras fossem produzidas sem alimentos ricos nestes pigmentos também teriam suas carcaças menos pigmentadas, menos amarelas. É importante que seja dito que a cor amarela das carcaças de frangos não deve ser considerada como sinônimo de saúde do animal abatido.
A gordura também é um problema bastante discutido e os geneticistas e os nutricionistas têm trabalhado para reduzir a sua concentração nas carcaças. Os avanços têm sido marcantes. Porém, a diferença da gordura das galinhas caipiras e dos frangos de corte de linhagens comerciais está baseada em dois aspectos. As galinhas caipiras são abatidas mais velhas e a relação de água:gordura na carcaça é menor e os pigmentos se fixam nesta gordura. Assim, a gordura destas aves é mais amarela e mais firme. Já os frangos de corte, de linhagens comerciais, são abatidos mais precocemente, onde a relação água:gordura na carcaça é maior e, pelas dietas terem poucos pigmentos a aparência da gordura é menos amarelada. Assim, todas estas diferenças de composição das gorduras das aves oriundas de diferentes linhagens são devidas as suas diferenças genéticas, período de criação e tipo de alimentação empregada. Mais uma vez deve ser dito que estas características não são alteradas pelo uso ou não de hormônios nas dietas.
Portanto, é importante ressaltar que toda e qualquer acusação individual ou coletiva com relação a qualidade das carcaças de frangos de corte deve ser reavaliada, pois tem sido feita de forma leviana e, geralmente, sem fundamento. Confundir hormônio com nutrientes como vitaminas, minerais, amino ácidos etc. tem sido muito comum. Estas ondas podem prejudicar um setor dos mais desenvolvidos em nosso País e que tem gerado emprego, alimento e riqueza e que não pode ficar com a imagem de que está sendo produzido, de forma irresponsável, como alimento para os brasileiros e os indivíduos de outros países.
Com assessoria
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