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Dom João Carlos Seneme

Destruí este templo e em três dias eu o levantarei

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A ligação entre as tábuas da lei da primeira leitura e a purificação do templo do evangelho de João é muito forte. Ela interpela diretamente os fiéis sobre a percepção de Deus. Os mandamentos e o templo são dois pilares do edifício religioso formado pela tradição hebraico-cristã. Se não tomamos cuidado, eles podem se tornar verdadeiros obstáculos para o encontro com Deus por causa do coração humano. Por isso é importante sempre refletir sobre o verdadeiro sentido e função dos templos religiosos para não perder sua identidade de ser caminho para o encontro com Deus.

Hoje o evangelho de João coloca Jesus no templo de Jerusalém; momento em que ele realiza um dos gestos mais desconcertantes de sua vida: com um chicote ele expulsa do recinto sagrado os animais; derruba a mesa dos cambistas, derramando por terra suas moedas, e grita: “Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio”. Qual seria o significado deste relato que aparece em todos os evangelhos?

Em um primeiro momento nos deparamos com a humanidade de Jesus que se rebela quando vê a casa de Deus, do seu pai, ser usada como mercadoria, perdendo sua característica de lugar de oração, de encontro com Deus, de acolhida aos irmãos.

Depois vemos o Filho de Deus revelando sua missão. “O zelo pela sua casa me consumirá” (Sl 69). Esta é a meta na vida de Jesus: o zelo/amor pelo Pai. Ele viveu e morreu para realizar o projeto de amor do Pai, “foi obediente até a morte e morte de cruz”.

O templo é a casa do Pai, é um lugar de encontro com Deus e não pode se tornar um lugar onde se compra a própria segurança e garantia da vida eterna. O gesto de Jesus é profético e nos faz recordar as palavras de Jeremias que gritava nas escadas do templo: “Não confieis em palavras mentirosas dizendo: “Este é o templo do Senhor”. Porque, se realmente melhorardes os vossos caminhos e as vossas obras, se realmente praticardes o direito de cada um com o seu próximo, se não oprimirdes os estrangeiros, o órfão e a viúva, então eu vos farei habitar neste lugar (Jer 4, 4-7).

No diálogo entre Jesus e os judeus que lhe pedem explicações pelo gesto, Jesus responde identificando o templo com o seu corpo: “Destruí este templo e em três dias eu o levantarei”: o corpo glorioso do crucificado se torna um lugar de encontro universal entre Deus e a humanidade inteira. A função que não era realizada pelo templo de pedra, agora é realizada pelo corpo de Jesus crucificado. Isto significa que os verdadeiros adoradores de Deus não são os guardiães do templo material, os sumos sacerdotes ou os escribas, mas todos aqueles que adoram Deus em “espírito e verdade”, aqueles que se entregam à morte movidos pelo amor, ou aqueles que sendo cegos, desde o nascimento, ensinam aos sapientes que existe uma outra verdade, uma outra sapiência.

No evangelho, João diz que não. Essa construção não é importante. O mais importante é o que vai acontecer sobre o altar: o corpo glorioso do Senhor. O mais importante é quando nos reunimos como Igreja; naquele momento somos o povo de Deus reunido em seu nome para celebrar o corpo glorioso do Senhor. A igreja material é meio, e ela até pode cair. Pode ser numa cabaninha miserável numa tribo da África. Ali estará o celebrante, com a eucaristia, em todo o seu esplendor. Quando saímos da celebração, carregamos o templo dentro de nós e somos desafiados a levar esta realidade a todos: o culto que Deus aprecia é uma vida vivida na escuta das suas propostas e traduzida em gestos concretos de serviço aos mais pobres.

 

O autor é bispo da Diocese de Toledo

revistacristorei@diocesetoledo.org

 

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