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Tarcísio Vanderlinde

Impacto em tempo líquido

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“Tempo líquido” é uma expressão transversal na obra do sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017). A fluidez requerida pelo mercado e pelas relações humanas em geral aparece discutida em momentos diferentes de sua obra. “Estranhos à nossa porta”, seu último texto publicado no Brasil, retrata o dilema da diáspora populacional hoje no mundo, fenômeno apenas comparável à mobilidade populacional ocorrida durante a 2ª Guerra Mundial. O pensamento de Bauman é lembrado em meio ao impacto mundial provocado pelo coronavírus.

Os textos de Bauman lembram uma frase bastante conhecida do escritor Marshall Berman: “Tudo que é sólido desmancha no ar”. Mas Bauman vai além ao identificar de forma irônica as contradições que pairam na sociedade que alguns chamam pós-moderna, e que ele denomina de modernidade líquida. Ao mesmo tempo em que a sociedade de forma organizada/desorganizada procura construir algo sólido em meio a uma situação caótica, ela mesma produz mecanismos de destruição sobre aquilo que acabou de construir.

Em meio às metamorfoses contemporâneas Bauman aponta a fragilização dos laços humanos num mundo onde as pessoas se esquivam. De acordo com o escritor, na era líquida, ou dos relacionamentos frouxos, a causa e a política de uma humanidade compartilhada enfrentam a mais decisiva de todas as fases que já atravessaram em sua longa história.

Os sintomas do tempo líquido podem ser observados global e localmente. As manifestações se mostram de forma esquizofrênica. A lista de insanidades é longa. Ela pode ser qualificada com a contribuição crítica e a experiência pessoal de cada uma.

No tempo líquido costuma-se ter dificuldade em acreditar no que os políticos dizem. A crise do corona tem evidenciado isso. A não-verdade virou expressão respeitada do tempo atual. Ela nos leva para o palco da pós-verdade, e tudo parece de acordo. Foi sintomático por estes dias a expressão de um político que revela a confusão onde nos metemos. Segundo ele, gestores estão certos e errados ao mesmo tempo. E agora?

O problema é que gestores costumam ser pressionados a possibilitar ambiente favorável à voraz economia que gera carências e excessos, e que a todos aprisiona.

No mundo líquido da pós-verdade e dos relacionamentos frouxos a informação fake suplanta o conhecimento. Evidenciam-se racionalidades em conflito, cinismos refinados, incoerências totais. Vive-se a plenitude das fronteiras mutantes e embaçadas. No tempo líquido, mais do que nunca, nos resta pedir socorro ao Eterno. Coisa que num gesto de humildade muitos gestores também estão fazendo.

 

O autor é professor sênior da Unioeste

tarcisiovanderlinde@gmail.com

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