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Tarcísio Vanderlinde

Mórbida alma

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Embora, às vezes, custemos a admitir, a maioria de nós costuma ter pendências com a verdade. Dependendo da posição social ou política que o indivíduo carrega, dizer a verdade ou faltar com ela pode ter consequências. Ao serem flagrados fazendo algo errado, pessoas bem-intencionadas pedem desculpas e tentam não repetir as mesmas faltas. Outras ficam furiosas e apelam para expedientes judiciais no intuito de comprovar que o que fizeram não configura ilícito. Por outro lado, a Justiça costuma, às vezes, premiar pessoas em condições complicadas com a finalidade de extrair a verdade. Nem sempre se obtém o êxito desejado.

O sociólogo Zygmunt Bauman (1925-2017) observava que no mundo da política, por exemplo, a mentira costuma estar em evidência e poucas sobrancelhas parecem dispostas a se erguer ao saber que outro político foi apanhado em mentira. “As rotinas de mentir, negar a mentira e depois desdizê-la só agregam valor ao entretenimento dos políticos, virtude nada desprezível num mundo obcecado e viciado por entretenimento”.

Acrescente-se que no mundo político o pedido de desculpas por ações indevidas é raro.

Agostinho de Hipona (354-430), considerado um dos pais da Igreja, já havia descoberto que a verdade costuma incomodar pelo aspecto paradoxal que carrega: apreciamos quando nos ilumina, mas incomodamo-nos quando somos descobertos na nossa falta de verdade. Em suas “confissões”, Agostinho, um pecador angustiado por diversas situações que não conseguia compreender, procura entender a verdade a partir de algumas indagações:

“Por que é que a verdade gera o ódio? Por que é que os homens têm como inimigo aquele que prega a verdade, se amam a vida feliz, que não é mais que a alegria vinda da verdade?”.

E tenta responder:

“Talvez por amarem de tal modo a verdade que todos os que amam outra coisa querem que o que amam seja a verdade. Como não querem ser enganados, não se querem convencer de que estão no erro. Assim odeiam a verdade, por causa daquilo que amam em vez da verdade. Amam-na quando os ilumina e odeiam-na quando os repreende. Não querendo ser enganados e desejando enganar, amam-na quando ela se manifesta e odeiam-na quando os descobre. Porém, a verdade castigá-los-á, denunciando todos os que quiserem ser manifestados por ela. Mas nem por isso ela se lhes há de mostrar. É assim, é assim, é assim também a alma humana: cega, lânguida, torpe e indecente, procura ocultar-se e não quer que nada lhe seja oculto”.

 

O autor é professor sênior da Unioeste

tarcisiovanderlinde@gmail.com

 

 

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