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Tarcísio Vanderlinde

No lucro

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“Vivi tão pouco”. Não deu tempo para pensar em outra coisa enquanto despencava os 15 metros até o fundo daquele poço. Sobrevivi milagrosamente, e com isso obtive como tantos outros a graça de celebrar um segundo aniversário ao longo destes últimos 50 anos.

Naquele início de verão do ano de 1967, na vitalidade inconsequente de um adolescente de 14 anos, ajudava meu pai a limpar o poço que fornecia água potável para a família. Já havia descido algumas vezes pelos degraus das escadas laterais que os fazedores de poço escavavam no buraco à medida que iam afundando até chegar na “veia”. 

Como os degraus foram se tornando escorregadios pelos respingos da água que era retirada, acabei me descuidando e não percebendo o momento em que eles perderam a aderência e deixaram de ser seguros. O escorregão e a queda foram inevitáveis. Havia uma lâmina de água de uns 30 centímetros que pouco serviu para atenuar o impacto. Na sequência da batida, meu pai gritou meu nome lá de cima. Ouvi e respondi. Surpreendentemente estava vivo. Não tinha sido minha hora.

Meu pai foi buscar ajuda. Jogaram uma corda com um balde. Consegui me erguer com dificuldade apoiado no pé que sofreu menos com o impacto. E assim, com um pé dentro do balde, meu pai e os vizinhos me puxaram para fora.

Foi demorado aquele resgate, mas os que puxavam sabiam o que estavam fazendo. O vizinho que terminou o serviço viu as marcas que com os dedos das mãos eu fui fazendo nas laterais do poço nos átimos da queda. Ele me disse depois que aquilo teria freado a queda e possivelmente salvado minha vida. Porém, ter tido meu pai por perto naquele dia fez toda a diferença. Alguns meses mancando com auxílio de uma muleta improvisada, tudo voltou ao normal.

A vida poderia ter sido muito breve para mim, mas ganhei do Eterno uma nova chance. Não posso prever quanto tempo ainda me resta, mas certamente estou no lucro. Tenho motivos de sobra para agradecer cada dia vivido após aquela queda inesperada.

De modo geral, mesmo entre os que atingem idade considerável, se ouve dizer que a vida é breve, um suspiro. E de fato assim parece. O que fazer então diante desta constatação? Aprendi com Sêneca a responder a indagação: “A vida pode até ser breve, mas o que a prolonga é a arte do seu uso, […] ela é suficiente extensa para quem dela sabe dispor de modo adequado”.

Para Sêneca, seria uma atitude néscia deixar para pensar na mortalidade e atender bons conselhos apenas em idade avançada, pois sempre existiria o risco de se viver sem atingir a idade desejada: “Quanto de néscio nesse esquecimento de nossa mortalidade, ao deferir para os cinquenta ou sessenta anos os bons conselhos e querer situar o começo da vida onde poucos logram chegar”.

Por outro lado, viver também seria muito diferente do que envelhecer ou durar bastante, sendo que existiria uma grande diferença entre o que chama de “balançar” ou “navegar”: “Pensas, por ventura, que navega muito aquele de quem uma violenta tempestade assalta o barco, deixando-o à deriva, para um lado e para outro, ao sabor de ventanias enfurecidas? Ele não navega muito. Só balançou bastante”.

Vivamos então!

 

tarcisiovanderlinde@gmail.com

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