O “Mito” em xeque
Bolsonaro fala muito bem para os seus seguidores, os seus apaixonados eleitores de carteirinha.
O presidente não corre risco de perder o apoio desses eleitores, nem que o governo fracasse, tamanha é sua identidade com os seguidores.
Só que a eleição é feita de eleitores apaixonados e os que votam para não votar no candidato adversário, que no caso de 2018 representaram percentual elevado.
O candidato adversário era do PT e a vice era do PCdoB.
Enquanto o presidente se comunica bem com seus seguidores, se comunica muito mal com os demais. Não que tenha que se comunicar bem, mas quando o governo está diante de dificuldades a palavra do presidente pesa, e pesa muito.
Neste momento que o governo passa por dificuldades, quando o presidente fala, piora muito a situação do governo.
Em todas as direções Bolsonaro provoca crises, insatisfações ou desconforto.
Com dois anos de governo, muitas coisas boas aconteceram e muitas deixaram de acontecer por falta de comprometimento do próprio governo, como a prisão em segunda instância e a reforma eleitoral que prometia acabar com as reeleições do Executivo, para citar apenas dois exemplos.
Podemos culpar a pandemia, sim. A pandemia gerou dificuldades adicionais, especialmente com o Congresso.
Mas com certeza não foram maiores que as provocadas pelas falas e ingerências do próprio presidente.
Agora entramos no período mais crítico, o pós-pandemia, se é que já podemos anunciar esse período, por causa do atraso na produção de vacinas.
Sim, esse é outro fator que o próprio presidente acabou se envolvendo de forma equivocada.
Teve até um momento com grande apoio quando defendeu que não havia necessidade de fechar o comércio.
Mas depois veio a vacina e com ela uma sequência de equívocos.
E o presidente, se não foi culpado pela maioria das questões, acabou por si só e pela sua postura assumindo posições controversas que lhe renderam imensas críticas.
O episódio mais marcante foi o avião que não pode buscar as vacinas na Índia, pois a Índia não permitiu que o presidente do Brasil usasse a viagem para fazer propaganda.
Não para os bolsonaristas, mas para os brasileiros não apaixonados por esquerda ou direita aquilo foi um vexame.
Agora vêm as consequências econômicas.
O fim da pandemia vai também acabar com o auxílio emergencial, que durante meses elevou os índices de aprovação do governo em regiões que ele tinha pouca penetração, como o Nordeste.
Com inflação em alta, especialmente no setor alimentício, salários defasados e perspectivas de pouco crescimento, o marketing do presidente seria a única arma a seu favor, se fosse bem direcionado.
Caso contrário, poderá ter enormes dificuldades para buscar a reeleição.
Se Bolsonaro não for reeleito, será o primeiro presidente do Brasil a não conseguir – até Dilma Rousseff se reelegeu -, desde que a reeleição foi instituída no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso.
O “Mito” que encantou os brasileiros em 2018 e que sente as dificuldades políticas do momento tenta se recompor através dos novos dirigentes do Congresso, onde está comprometido e aposta tudo nos deputados do Centrão.
Se der certo, Bolsonaro pode encontrar um caminho mais livre para a reeleição; se der errado, encontrará ainda mais obstáculos.
Arno Kunzler é jornalista e diretor do Jornal O Presente e da Editora Amigos
arno@opresente.com.br