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Elio Migliorança

O que talvez não pensamos

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Enquanto lutávamos contra a Covid-19 e, mais recentemente, contra a dengue, outra guerra explodiu de forma violenta a partir de 24 de fevereiro último, da Rússia contra a Ucrânia. Nossa região sofre consequências diretas desta estupidez humana. Foi assustador ouvir pessoas ligadas ao agronegócio torcendo para que a Ucrânia seja logo dominada, não importa a que preço e com quais consequências, para que os fertilizantes possam chegar, para o petróleo não subir e para que as carnes que produzimos continuem a ser exportadas.

O que talvez não pensamos, e nem aqueles que assim se manifestaram se deram conta, é o inferno ao qual milhões foram lançados da noite para o dia quando a guerra foi declarada. Há pessoas perdendo a paz, perdendo a vida, abandonando suas casas, suas propriedades, as lavouras prontas para a colheita sendo deixadas para trás, para fugir das armas e dos tanques de guerra. Há crianças sendo acordadas no meio da noite, vestidas às pressas quando isso é possível, e chorando assustadas, arrastadas para fora de suas casas, sem entender o que está acontecendo, e com fome e sede fugindo rumo ao desconhecido.

Há crianças nascidas nos bunkers, mulheres dando à luz na beira da estrada, mães vendo os corpos de seus filhos dilacerados pelas bombas, mulheres vendo seus maridos e filhos mortos nas frentes de batalha.

Há um constante bombardeio destruindo o que foi construído com suor e sangue de muitas gerações.

Quem são os comandantes que com frieza e crueldade determinaram o início da guerra e a morte de milhares de seres humanos que também possuem sonhos, família, pai, mãe e filhos, assim como todos nós possuímos?

Quem são os senhores desta guerra?

São também seres humanos que tiveram pai e mãe, será que já sofreram, choraram ou riram nesta vida?

Possuem eles um coração a bater no peito ou apenas uma engrenagem mortífera que distribui destruição e morte por onde passa?

Como é possível, em pleno século XXI, assistirmos estas cenas que nos remetem aos tristes anos de confrontos da idade média?

Enquanto a ciência dedica todos os seus esforços para encontrar meios de combate eficiente às doenças a fim de prolongar a vida, temos armas mortíferas destruindo pessoas saudáveis, matando inocentes e destruindo o que foi construído em milhares de anos.

Enquanto o mundo procura meios para produzir cada vez mais, em espaços cada vez menores, para alimentar aqueles que ainda passam fome, a produção de um país está sendo criminosamente destruída.

Ao invés de destruir vidas matando inocentes, talvez o mais racional fosse reunir num campo fechado todos os chefões interessados e responsáveis pela guerra, e que eles lutassem entre si, cabendo ao vencedor desta luta o direito de estabelecer as condições para a paz, sem que os inocentes tivessem que pagar o preço que estão pagando.

Sei que aqui de longe não posso interferir no resultado da guerra, mas ficar torcendo pela solução imediata ao custo da vida de tantos, só porque pode faltar o fertilizante, subir o preço dos produtos e prejudicar a venda de carnes, revela uma falta de humanidade e de sentimento que nos remete a uma pergunta: que tipo de ser humano eu sou? Quanto vale, para mim, a vida dos outros?

Nunca tivemos tanta necessidade de ouvir de novo o “amai-vos uns aos outros”.

 

O autor é empresário rural, professor aposentado e ex-prefeito de Nova Santa Rosa

miglioranza@opcaonet.com.br

 

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