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Elio Migliorança

O RISCO DO OLHAR PARCIAL

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A agricultura sempre foi nossa galinha dos ovos de ouro. Responsável pelo progresso desde que os imigrantes aqui chegaram, foi também o carro-chefe que transformou o Sul do Brasil num dos mais importantes centros de produção agrícola do país. E quando esta região estava colonizada, fazendo jus ao espírito empreendedor dos seus antepassados que vieram da Europa para a América, os descendentes partiram em busca de novos horizontes, transformando outras regiões do Brasil em centros de alta produção agrícola e pecuária. Agora estamos enfrentando novos desafios e corremos alguns riscos que merecem um olhar atento e prudente para evitar consequências graves no futuro. A questão está ligada ao excesso de chuvas no Sul do Brasil e particularmente durante a safra de soja em andamento. Se olharmos esta questão de forma parcial, descolada do restante do país, teremos a falsa impressão de que o aquecimento global é conversa fiada e que, ao contrário do que dizem, não corremos o risco de escassez de água. Este é o risco do olhar parcial para uma questão tão importante. Quando se fala das consequências do aquecimento global, a questão não é somente o aumento da temperatura, mas também o desequilíbrio da natureza. É o que estamos testemunhando nestes tempos molhados, em que nossas plantações estão afogando enquanto em outras regiões do país a morte é pela falta da chuva.

Numa semana choveu mais de 320 milímetros, água que, se bem distribuída, seria suficiente para uma safra inteira. Contudo, na maior cidade do país, São Paulo, o sistema cantareira que abastece a cidade está com apenas 23,5% de sua capacidade, significando que o estado é de crise hídrica. São provas do desequilíbrio do planeta.

Outra questão importante observada com o excesso de chuvas sobre a região é a fragilidade da nossa conservação de solos. Mesmo com o solo coberto pela plantação, existem lavouras que sofreram sérios danos causados pela erosão, com parte da cobertura indo parar nas estradas ou no fundo dos rios da região. Quando nossa conservação de solos foi feita nos anos 80, ela intercalava terraços de base larga e outros de base estreita mais altos que serviam como barreiras seguras contra a erosão. Mas, ao longo do tempo, fomos modificando o projeto original e rebaixando os terraços mais altos, e agora a natureza nos pegou no contrapé: a força da água não encontrou obstáculos fortes o suficiente, e o prejuízo é grande. Convém reconstruir a conservação de solos para garantir a produção futura.

Enquanto temos água em excesso é uma questão de sabedoria não esquecer que em outras regiões ela está faltando e um dia isso pode se inverter e ela faltar por aqui. Portanto, práticas conservacionistas e de preservação do meio ambiente são questões de sobrevivência para todos nós. Não esqueçamos disso: se a produção falhar haverá crise e fome tanto no campo quanto na cidade.

Outra questão importante é cuidar com as previsões otimistas que falam em uma supersafra. Melhor não apostar nisso, assumindo compromissos antes que se faça a colheita. O excesso de umidade compromete a produtividade e lá no final o resultado obtido pode não ser suficiente para o pagamento das contas. É melhor não contar com o ovo antes que a galinha o bote.

 

* O autor é professor em Nova Santa Rosa

miglioranza@opcaonet.com.br

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