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Tarcísio Vanderlinde

Pela graça de respirar

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Qualquer expressão que for utilizada para descrever a experiência humana durante os meses de pandemia pode soar insuficiente dada a subjetividade que costuma nos mover. Apesar do horizonte esperançoso sinalizado pela ciência, paira o espectro da incerteza.

Estamos a surfar no tsunami como espectadores e potenciais vítimas. A perspectiva de quem não se contaminou, ou sequer percebeu que carregou o vírus, será sempre diferente de quem passou pela prova, ou de quem perdeu alguém do seu convívio íntimo. O mal revelou atitudes paradoxais.

Na enxurrada de decretos de eficácia duvidosa, observou-se que o vírus tirou proveito de espíritos inflamados, que, visando interesses particulares, politizaram a ocasião. Quanta jactância! Quanto escárnio! Quantas conspirações improváveis! Quantas palavras dispensáveis!

A nobreza de caráter sentiu-se fustigada, mas sobreviveu! Foram inúmeros os exemplos civilizacionais. Pessoas tombaram por se solidarizar com quem se mostrava fragilizado. Verificou-se que mesmo isolados muitos encontraram um jeito de externar um abraço fraternal. No exercício inesperado da resiliência não desperdiçaram a oportunidade de se tornar seres humanos melhores. O ser humano pode ter jeito!

Frank Laubach (1884-1970), autor de cerca de 50 livros com grande repercussão em sua época, é considerado por muitos como o maior educador dos tempos modernos. Sua biografia revela que os melhores momentos de sua vida foram marcados por uma solitária pequena montanha, atrás da choupana onde vivia na ilha de Mindanao, Sudeste asiático.

Laubach viveu boa parte de sua vida nessa “quarentena” voluntária, evidentemente situação não compatível com muitas outras atividades exercidas compulsoriamente pelas pessoas. No entanto, Laubach deixou em uma das cartas escritas ao seu pai algo que pode nos ajudar na travessia dos preciosos dias nos quais ainda nos será permitido respirar:

“Você e eu seremos em breve soprados para fora de nossos corpos. Dinheiro, prazeres, poder, posição, etc. não farão mais diferença, porque serão esquecidos em uma centena de anos, mas esse espírito que vem com a mente está em contínuo estado de entrega; esse espírito é a vida eterna”.

Concluo com a poesia de Fernando Sabino para quem, de toda experiência humana, ficarão apenas três coisas: “A certeza de que estava sempre começando; A certeza de que era preciso continuar; A certeza de que seria interrompido antes de terminar”. Das circunstâncias sugere fazer da interrupção um caminho novo; da queda um passo de dança; do medo, uma escada; do sonho, uma ponte; da procura, um encontro!”.

Que possamos ser agraciados com as misericórdias do Eterno em 2021.

 

O autor é professor sênior da Unioeste

tarcisiovanderlinde@gmail.com

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