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Tarcísio Vanderlinde

Sendas de luz em tempos de obscuridades

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Tenho lido teses que utilizaram textos bíblicos como objeto de investigação. Numa delas, cujo objetivo foi construir uma análise semiótica dos livros do Antigo Testamento, a autora se rende ao que chama de “sentidos ocultos” presentes nos textos. Ao concluir sua crítica observa: “O discurso que se manifesta nos livros do Antigo Testamento está cheio de sentidos ocultos, que nos fascinam e nos escapam, não permitindo nunca uma apreensão definitiva”. Em tempos de obscuridades, os textos antigos costumam indicar sendas de luz.  

Acabei de “viajar” mais uma vez pelo Eclesiastes. Desta vez pela Nova Versão Internacional (NVI) e dos excertos arqueológicos que carrega. Eclesiastes integra os textos sapienciais da Bíblia junto aos livros de Jó, Provérbios, Salmos, Cântico dos Cânticos, Sabedoria e Eclesiástico. Os dois últimos não são considerados canônicos por algumas vertentes do cristianismo.

As referências arqueológicas que tive acesso referenciam com isenção os escritos que não são unanimemente aceitos como sapienciais e ressaltam a importância dos mesmos para os estudiosos da Bíblia. No caso do Eclesiastes, a arqueologia vai além ao perceber a influência de textos sapienciais mais antigos conhecidos no Egito e na Babilônia. Supõe-se que o autor do Eclesiastes, que se acredita ter sido o rei Salomão, tenha feito uso de literatura sapiencial dos grandes centros do mundo antigo.

O texto do Eclesiastes é muito instigante. Aparentando um pessimismo exagerado, é possível perceber que a força do novo deslumbrava a todos, menos o autor da obra. O mundo continuava cheio de injustiças, a tomada do poder político não garantia mudança, a riqueza e a razão filosófica continuavam enganosas e ao final, ricos e pobres, sábios e ignorantes, humildes e arrogantes, partiam todos para um mesmo lugar.

Às vezes não se tem muita clareza da época em que determinado texto bíblico foi escrito. Contudo, os estudos demonstram que fragmentos da Epopeia de Gilgamés, texto conhecido no antigo império babilônico e datado de 2000 a.C., encontram-se presentes no Eclesiastes. A questão é: onde eles se aproximam e onde se diferenciam?

Eclesiastes e a Epopeia de Gilgamés discorrem sobre a mesma questão humana: como é possível viver quando a vida não faz sentido? A despeito da ligação literária entre elas, as duas obras pertencem a mundos teologicamente diferentes. A Epopeia convoca os leitores a desfrutar a vida, mas não apresenta nenhuma fonte de esperança duradoura. Em Eclesiastes, os enigmas e os aborrecimentos da vida são temperados pela esperança que subsiste quando o indivíduo se lembra de Deus e o teme:

“Em meio a tantos sonhos absurdos e conversas inúteis, tenha temor de Deus” ou: “O ímpio pode cometer uma centena de crimes e, apesar disso, ter vida longa, mas sei muito bem que as coisas serão melhores para os que temem a Deus, para os que mostram respeito diante dele”. E por fim: “Agora que já se ouviu tudo, aqui está a conclusão: tema a Deus e obedeça aos seus mandamentos, porque isso é essencial para o homem”.

A respeito do Eclesiastes, Machado de Assis, conhecido nome da literatura brasileira, já havia observado: “Bem diz o Eclesiastes: algumas vezes tem o homem domínio sobre outro homem para desgraça sua. O melhor de tudo, acrescento eu, é possuir-se a gente a si mesmo”.      

 

Professor na Unioeste

tarcisiovanderlinde@gmail.com

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