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Tarcísio Vanderlinde

Um peregrino perigoso

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Foi de uma conversa trivial com um amigo de viagem que, ao descer pela trilha do Sinai, tomei conhecimento de um fato incomum. Muito bem preparado, inclusive na companhia de um professor de hebraico, o imperador D. Pedro II, no ano de 1876, fez também sua peregrinação à Terra Santa. 

Seu diário foi recuperado pelo historiador argentino Reuven Faingold, doutor em História Judaica pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Com um pouco de sorte e paciência é possível encontrar pela internet fotos e referências jornalísticas relacionadas à passagem do monarca brasileiro pela Terra Santa. 

Ao introduzir o leitor nos manuscritos originais de D. Pedro, Faingold destaca aspectos interessantes relacionados à peregrinação do imperador, e inclui um rico acervo de informações que possibilitam uma reconstrução imaginária do território percorrido ao fim do século XIX.

O diário revela um imperador sensível que orava e se emocionava estimulado pelos lugares onde passava. Aparecem em seu texto registros minuciosos de espécimes vegetais, aves e animais que ia encontrando pelo caminho. Nos arredores de Belém, recolheu flores do campo que se acredita que na antiguidade pertencia a Boaz. Boaz casou com Rute e dessa união nasceu Obede, que seria avô do rei Davi. O livro de Rute detalha a história, e era o texto preferido de D. Pedro.   

Na cidade de Nazaré, D. Pedro encontrou pessoas falando português e espanhol. Eram descendentes de judeus expulsos da Península Ibérica durante o século XV. Ali contratou um frei franciscano que o conduziu a muitos lugares que anteriormente havia planejado. 
Em qualquer época que se visita a Terra Santa, ter um bom guia é essencial para não se sentir frustrado, principalmente se o peregrino não quiser ir lá só para fazer turismo. Frei Liévin de Hamme foi um dos melhores condutores de peregrinos pela Terra Santa à época de D. Pedro. 

Sua viagem pela geografia bíblica começou por Beirute (Líbano), onde com a comitiva dirigiu-se a Damasco (Síria). De lá foi à Galileia transpondo o Hermon e as Colinas de Golan. Seguiu em direção Sul até o mar Morto. A exemplo de outros peregrinos, Jerusalém foi seu objetivo principal, onde, inclusive, mandou celebrar missa pela passagem dos seus 51 anos de vida. Seu navio, “Áquila Imperial”, o aguardava no porto de Jope (ao lado de Jope no século XX surgiria a cidade de Tel Aviv), onde, ao fim da peregrinação, prosseguiu viagem ao Egito.

Se para muitos dos que o receberam se pareceu como um exótico imperador de um lugar quase desconhecido do mundo tropical, para outros acabou sendo reconhecido e saudado em lugares inesperados como o portão de Damasco em Jerusalém e em Jericó nas proximidades do mar Morto.

Ao visitar Jerusalém, D. Pedro anotaria que do Monte das Oliveiras avistara o mar Morto e que depois visitara o lugar do antigo templo judeu onde teria visto judeus rezando voltados para o muro: “Tomando em direção à porta estercorária, fui por ela ao interior da cidade, até a muralha que forma parte da Mesquita de Omar, sobre o Monte Moriah, no lugar do antigo templo. Estava a rua repleta de judeus que rezavam voltados para a muralha”.   

D. Pedro realizou sua jornada pela Terra Santa entre lendas, tradições e vestígios arqueológicos, testemunhos dos tempos bíblicos que ainda podem ser observados pelos peregrinos da atualidade.  

 

Professor na Unioeste

tarcisiovanderlinde@gmail.com

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