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Elio Migliorança

VAGABUNDO

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Até o final do século passado, o francês era a língua oficial da diplomacia mundial. Considerada uma das mais bonitas do mundo pela pronuncia suave e musicada, coube a um francês provocar um terremoto no Brasil. Trata-se do senhor Jérôme Valcke, o qual, no início de março, disse que os organizadores do mundial no Brasil precisavam de um “pontapé no traseiro”, referindo-se ao atraso no cronograma das obras de preparação à Copa de 2014. Coube ao senhor Marco Aurélio Garcia, assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, introduzir a palavra vagabundo no linguajar diplomático. Foi o que ele disse quando desembarcava na Alemanha para qualificar o secretário geral da Fifa, senhor Jérôme Valcke, em reação à declaração feita por ele. Esta é uma palavra bem brasileira, com a qual nos acostumamos ao longo do tempo, mas apenas no linguajar popular, ou então na gíria das gangues para classificar aqueles que não se enquadram no esquema da bandidagem. Segundo o Aurélio, vagabundo é uma palavra derivada do latim “vagabundus” e significa “errante, nômade, que não trabalha ou não gosta de trabalhar, vadio, reles, ordinário, inferior, de má qualidade”. Antes de desqualificar o autor da sugestão, seria mais inteligente refletir sobre o que foi dito e sobre o real estágio do cronograma de obras para a Copa do Mundo. Vamos além das obras nos estádios. A nossa infraestrutura é insuficiente para atender à demanda interna e o que precisa ser feito necessita de recursos, escassos por aqui e muito tempo para sua execução.
O que tem sido mostrado através de relatórios indica exatamente o que o senhor Valcke teve a coragem de manifestar publicamente. Certamente ele sabe de coisas que nós brasileiros não sabemos, isto é, o que foi prometido pelos nossos representantes para conseguir que o Brasil fosse escolhido para organizar esta Copa do Mundo.
Outra palavra utilizada pelo assessor presidencial foi de que o senhor Valcke é um boquirroto. Segundo o dicionário, “aquele que fala muito, que é indiscreto, incapaz de guardar segredo, boca-rota”. Não fica bem para um representante de um país utilizar uma expressão desta natureza, justamente porque a reação irada da diplomacia brasileira faz-nos desconfiar de que ele colocou o dedo na ferida. Fiquei pensando na sugestão do senhor Valcke e achei que, por estarmos num ano eleitoral, podíamos fazer a experiência colocando a sugestão em prática. Estar bem atendo às promessas dos candidatos nas próximas eleições para prefeito e vereadores e, a partir da posse dos eleitos, para cada promessa não cumprida, o eleitor terá o direito de dar um “chute no traseiro”. Depois de certo número de chutes, será dado um “chutão”, na direção da porta da saída.
É bom que o senhor Valcke seja informado de que ele mexeu com uma área bem sensível para a cultura popular de quem vive nesta terra onde tem palmeiras, praias e onde canta o sabiá. Mas ele pode ter certeza que, pela reação raivosa do nosso representante, o resultado será sentido nos próximos meses. As obras vão acelerar. O chute nem precisou ser dado, o aviso já provocou o efeito desejado. Teremos pão e circo, mas o preço será de um caviar de primeira qualidade.

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