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Tarcísio Vanderlinde

Às vezes rude, mas firme até o fim

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A celebração dos 500 anos da Reforma Protestante trouxe à tona farto material informativo. Com textos e vídeos adequados a um tempo em que não se tem mais paciência para escutar e ler, as informações cumpriram o objetivo de possibilitar visibilidade ao evento. Contudo, as mensagens nem sempre foram suficientes para entender os motivos que despertaram a angústia e o inconformismo em um monge preocupado sobretudo com a salvação de sua alma.

Por outro lado, um passeio pela cyber teia permite ao curioso constatar a existência de grupos religiosos queainda não tomaram conhecimento sobre o que se tem falado de Lutero, principalmente a partir do Concílio Ecumênico Vaticano II, ocorrido nos longínquos anos de1960. Para esses grupos, Lutero é ainda visto como herege e avesso às questões sociais.

Em audiência com representantes evangélicos da Finlândia ocorrida no início deste ano, ao evocar uma celebração conjunta anterior com evangélicos em Lund (Suécia) em 2016, o papa Francisco declarou: “A intenção de Martinho Lutero, há 500 anos, era renovar a Igreja, não dividi-la”.Admite-se não ser uma declaração qualquer. Tolere-se, todavia, quem de boa-fé tem opinião diversa.

Assim como nós, Lutero foi servo de seu tempo. Contudo, ele era capaz de fazer uma autocrítica que poucos ainda hoje teriam coragem de fazer. Sabe-se disso, pelo hábito que Lutero tinha em escrever. Quando percebeu, por exemplo, que os que simpatizavam com sua causa passaram a ser chamados de “luteranos”, ele se opôs com veemência: “Peço que meu nome seja calado e que ninguém se chame luterano, senão cristão. Que é Lutero? Pois se a doutrina não é minha! Eu também não fui crucificado por ninguém”. Além disso, é bastante conhecida a expressão em que se considera um “pobre e fedorento saco de vermes”.

Apesar dos equívocos de Lutero admitidos pelos próprios estudiosos luteranos, a causa de Lutero emergiu de uma preocupação pessoal com sua existência e acabou trazendo benefícios para toda a cristandade. Com algumas questões sociais e teológicas ele teve limites em lidar, mas ninguém poderá dizer que seu empenho em traduzir e popularizar os escritos bíblicos foi pouca coisa.

O resultado da tradução associado à distribuição do texto é avaliado pelo historiador Martin Dreher como sendo “uma importante penetração de um meio de comunicação de massa no tecido social de então. Havia agora a possibilidade de ler, ouvir, debater, interpretar, fazer deduções. A Bíblia tornou-se próxima. Não era apenas uma doutrina que ensinava como herdar o céu. Tornou-se slogan, instrumento para exigências de transformação social”.

Uma das críticas que se costuma fazer a Lutero – talvez a menor – é em relação ao tom irreverente que aparece em muitos de seus textos. E sobre isto o historiador Justo Gonzalez observa: “Lutero aparece como um homem por vezes rude, mas também erudito, cujo impacto se deveu a dar à sua erudição uma conotação e aplicação populares. Era indubitavelmente sincero até a paixão e frequentemente vulgar nas suas expressões. Sua fé era profunda e nada lhe importava tanto, como ela. Quando se convencia de que Deus queria que tomasse certo caminho,o seguia até as últimas consequências e não como alguém que, pondo a mão no arado, olha para trás”.

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