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Zika diminui, mas só 1/3 das crianças têm assistência completa

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Houve 61% de redução no nº de casos, mas há mais de 3 mil crianças com microcefalia no Brasil e apenas 856 recebem tratamento completo no SUS (Foto: Divulgação/Associação Abraço a Microcefalia)

Neste ano, houve redução de 61% dos casos de Zika no país em relação ao ano passado – são 5.941 casos prováveis para 15.214 em 2017. No entanto, apenas um terço das crianças com microcefalia associada à doença recebem assistência médica completa pela rede pública.

Atualmente, há 3.194 crianças com microcefalia associada à Zika no Brasil, segundo o Ministério da Saúde. Entre elas, 856 recebem os três serviços disponíveis pelo SUS: puericultura, estimulação precoce e atenção especializada, de acordo com o Monitoramento integrado de alterações no crescimento e desenvolvimento relacionadas à infecção pelo vírus Zika e outras etiologias infecciosas do Ministério da Saúde.

Ainda segundo o monitoramento, 62,2% das crianças estão recebendo cuidados em puericultura, 36,4% estimulação precoce e 64,9% serviço de atenção especializada.

“Quase dois terços dessas crianças não estão recebendo tratamento adequado. Há dificuldade para o acesso a medicamentos e muita burocracia para obtenção de transporte e de benefícios de prestação continuada. E, quanto mais as crianças são adequadamente estimuladas, melhor respondem”, afirma o pesquisador Gustavo da Matta, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), e coordenador da Rede Zika Ciências Sociais.

Contatado pelo R7, o Ministério da Saúde afirmou, por meio de nota, que os dados são enviados pelo gestor local. “Essas informações são monitoradas regularmente junto às Secretarias Estaduais de Saúde. No entanto, é importante destacar que esses dados informados podem não identificar, exatamente, o quantitativo real de atendimento visto que, em alguns casos, os municípios não informam corretamente aos Estados e estes não conseguem manter a informação atualizada junto ao Ministério da Saúde”.

Para dar assistência às crianças, o Ministério ainda informou que a pasta tem ofertado “não só assessoria técnica, mas também recursos financeiros”. “O Ministério da Saúde repassou R$ 11,8 milhões aos Estados e municípios, com o objetivo de fortalecer os serviços de avaliação, diagnóstico e acompanhamento dos casos confirmados e em investigação neste momento. Foram destinados cerca de R$ 2,2 mil de recursos para cada criança investigada”.

A maioria dos casos notificados de microcefalia no Brasil concentra-se na região Nordeste (59,7%). Em seguida estão o Sudeste (24,5%) e o Centro-Oeste (7,3%). Os cinco Estados com maior número de casos notificados são Pernambuco (16,7%), Bahia (16,1%), São Paulo (9,4%), Paraíba (7,1%) e Rio de Janeiro (7,1%), segundo o monitoramento.

Para Joana Passos, mãe de uma criança com microcefalia e fundadora-presidente da Abraço a Microcefalia, em Salvador, na Bahia, a burocracia e a falta de continuidade dos tratamentos são as principais dificuldades enfrentadas pelas famílias que têm que lidar com a doença.

Criada em 2016 após o surto da Zika no país em 2015, que afetou principalmente o Nordeste, a Abraço a Microcefalia atende a 240 crianças. Por meio de doações e parcerias, a associação oferece tratamentos, como fisioterapia e terapia ocupacional, e acessórios essenciais, como órteses para crianças que têm, em sua maioria, entre 1 ano e meio e 2 anos.

“Como é algo novo e a demanda é muito grande, muitas famílias não conseguem tratamento pelo SUS. Enfrentam muitas dificuldades na rede pública, além de filas de espera. Enquanto isso, temos que correr contra o tempo e fazer a gente mesmo”, explica.

Joana afirma que seria necessário um centro especializado que concentrasse em um único lugar equipe multidisciplinar capacitada para tratar casos de microcefalia. “Ficamos andando de cima para baixo o dia inteiro com nossos filhos. Cada lugar oferece um atendimento diferente”, conta.

A União de Mães de Anjo, em Recife, Pernambuco, Estado mais afetado pela zika, enfrenta experiência similar. “É muito comum a criança fazer um tratamento de 20 minutos em uma instituição e 20 minutos em outra, recebendo estimulações desordenadas. O pouco que a criança ganha, acaba perdendo”, afirma Germana Soares, presidente da associação, que tem 409 famílias cadastradas.

Vanessa Pereira, uma das sete administradoras da Amam Anjos de Minas, em Belo Horizonte, Minas Gerais, também formada por mães de filhos com microcefalia em decorrência da Zika, afirma que as crianças mais prejudicadas são as que moram em cidades do interior, onde o tratamento não tem alcance. Segundo ela, a demanda é maior que a oferta tanto para exames e cirurgias quanto para conseguir vaga em terapias avançadas, como hidroterapia e equoterapia.

 

Uma nova epidemia de Zika é esperada

A incidência da Zika está diminuindo no país, embora haja 2.435 casos confirmados, sendo 338 deles em gestantes, segundo o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, de 7 de agosto.

Este ano, foram registradas 2 mortes, uma em Alagoas e outro na Paraíba. O Sudeste apresenta o maior número de casos prováveis: 2.251. Já o Nordeste notificou 1.490, o Centro-Oeste, 1.398, a Norte, 769, e a Sul, 33.

Estima-se que uma nova epidemia de Zika ocorra no país em dois ou três anos, segundo o pesquisador. “O Zika é um vírus novo no Brasil. Começou a circular em 2013. Então, não temos histórico de acompanhamento como a dengue, monitorada há mais de 30 anos, que é cíclica e sabemos que a cada 3 anos teremos um surto. Mas estudos epidemiológicos apontam a possibilidade de uma nova epidemia de Zika em dois ou três anos, por volta de 2020, seguindo um pouco o modelo da dengue. Mas não sabemos qual será sua extensão”, afirma.

“Estudos epidemiológicos apontam a possibilidade de uma nova epidemia de Zika em dois ou três anos”, Gustavo da Matta, coordenador da Rede Zika Ciências Sociais.
Para o pesquisador, o desenvolvimento de um diagnóstico capaz de mostrar se uma pessoa já teve a doença – atualmente o diagnóstico só é possível na fase aguda da zika -, que a Fiocruz está desenvolvendo, será fundamental para avançar no conhecimento da doença.

“Será que vamos ter novos casos de microcefalia? Quais outras regiões, além do Nordeste, serão atingidas? Para responder a questões como essas, primeiramente é preciso ter um bom teste diagnóstico. Ainda não sabemos se uma pessoa que teve a doença poderá contraí-la novamente”, afirma.

Matta ressalta que a zika apresenta um componente que a distingue da dengue e da chikungunya, e que agrava sua proliferação, que é a transmissão via sexual. “É importante incluirmos a zika como DST. Mulheres em idade fértil ou grávidas devem usar preservativo porque já foi comprovada que a doença é transmitida pelo sêmen. Inclusive outras pesquisas estão sendo feitas para identificar o vírus em outras secreções, como saliva, ainda sem comprovação”, diz.

O pesquisador ressalta que o controle da zika, assim como de outras doenças transmitidas pelo Aedes Aegypti, pode ser alcançado por meio de melhorias na infraestrutura.

“O problema dessas doenças é que há uma presença importante do vetor no Brasil devido à ausência de saneamento, presença da pobreza e falta de planejamento urbano. Políticas de controle do vetor e políticas estruturais, que permitem uma vida mais adequada à população, irão evitar não só a zika, dengue e chikungunya, mas também outras doenças derivadas das péssimas condições de vida no país”, afirma.

Parte das verbas destinadas à pesquisa da Zika no Brasil acaba sendo indiretamente utilizada para assistência às crianças com microcefalia. “Os recursos de pesquisas disponibilizados para a Zika viabilizam, por exemplo, a contração de fisioterapeutas, neuropediatras, porque ao mesmo tempo que eles fazem pesquisa prestam assistência a essas famílias. Então, é possível encorpar essas equipes. No momento, temos recursos de pesquisa que vão até março do ano que vem, apenas. Quando esses recursos se extinguirem, haverá muita dificuldade de dar sustentabilidade a essas equipes”, afirma.

 

Com R7 Notícias 

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