Em tempos normais, sem essa inexplicável e agressiva polarização política no Brasil, a viagem do presidente Bolsonaro à Rússia seria tratada de forma bem diferente.
Não fosse Bolsonaro um severo e persistente combatente do comunismo, e sendo a Rússia o país que mais protege regimes comunistas no mundo, a viagem poderia ser tratada por todos e unicamente como de interesse do comércio e das relações bilaterais dos dois países.
Não fossem os ataques ao PT e à esquerda brasileira, exatamente por ser esse partido considerado amigo dos regimes totalitários de esquerda no mundo.
Lula e Dilma na presidência não eram só amigos de Nicolás Maduro e Evo Morales, eram aliados políticos.
Normal seria então que Lula fosse ungido pelo regime que mantém Vladimir Putin no poder há quase 20 anos e que é acusado de proteger o comunismo ao redor do planeta.
Tanto que a viagem causou muitas críticas e perplexidade em todos os players que militam na esquerda brasileira e deve ter causado enorme surpresa entre muitos anticomunistas aliados de Bolsonaro.
Bolsonaro foi inteligente, ou negligente, ao visitar a Rússia num momento de tensão internacional e num ano eleitoral?
Para os bolsonaristas, Bolsonaro deu um tapa de luva na esquerda, se apropriando de uma narrativa até então favorável a Lula, ou então tirando da oposição o discurso de que ele não se relaciona com países importantes comercialmente, mas não alinhados politicamente.
Para a esquerda brasileira, Bolsonaro tenta corrigir os erros que cometeu com suas investidas contra regimes e governos, por questões puramente políticas, como fez recentemente contra o governo chinês, nosso principal parceiro comercial.
Não faltaram acusações de que Bolsonaro foi à Rússia para descobrir novos métodos para fazer política.
Para o governo do presidente Bolsonaro, a viagem teve importância histórica e com grandes avanços nas relações entre os dois países, especialmente na questão do agronegócio.
Numa análise fria e fora das paixões políticas, viagens de um presidente da República aos países que são importantes comercialmente deveriam ser realizadas de forma frequente, independente de quem são seus governantes, se são de esquerda ou direita, exceto aqueles que não cumprem tratados internacionais.
É difícil um país conquistar respeito e importância mundial.
O Brasil conquistou a duras penas, investindo em tecnologias de ponta e aprimorando seus processos produtivos.
Fomos rejeitados durante séculos como país produtor, seja de alimentos primários ou manufaturados, e ainda somos completamente inexpressivos na questão tecnológica.
Mas hoje o presidente do Brasil, seja ele quem for, tem acesso e presença garantida nas principais mesas de debates e tomada de decisões, seja sobre comércio ou política mundial.
Aproveitar esse espaço e marcar presença inteligente e estratégica em qualquer lugar do planeta é dever de nossos governantes.
Vender produtos brasileiros fora do Brasil ou cultivar boas relações de quem fornece equipamentos e insumos de última geração gera renda para os brasileiros e melhora nossa balança comercial.
Parece que a polarização política interna, neste momento, impede que sejamos vistos como um país promissor no exterior.
Que um dia possamos nos livrar dessa pequenez e galgar mais alguns degraus em direção ao reconhecimento e respeito internacional.
Infelizmente temos uma forte vocação para destruir o que foi construído, desfazer o que já foi feito, ignorar o que precisamos fazer.
Arno Kunzler é jornalista e fundador do Jornal O Presente e da Editora Amigos
