O Evangelho deste domingo nos provoca com uma parábola desconcertante: um administrador desonesto que, surpreendentemente, recebe o elogio do patrão por sua astúcia (Lc 16,8). À primeira vista, parece estranho que Jesus utilize um personagem de conduta questionável para transmitir uma lição espiritual. No entanto, como em outras parábolas, o centro da mensagem não está no comportamento do administrador em si, mas na figura do patrão — aquele que confia, observa, julga e, ao mesmo tempo, revela uma inesperada generosidade.
O patrão, rico em bens e em generosidade, enxerga além da desonestidade do administrador: percebe nele a capacidade de ousar, de agir com criatividade diante da crise. Só um senhor verdadeiramente “rico em misericórdia” (Ef 2,4) pode admirar, não a fraude, mas a sagacidade de quem não se deixa paralisar pelo fracasso. Essa riqueza de coração reflete a própria generosidade de Deus, que prefere um servo criativo, ainda que imperfeito, a um burocrata medroso e estéril nas coisas do Reino.
Jesus não nos convida a agir com desonestidade, mas a aprender com a determinação dos “filhos deste mundo”. Se eles se empenham tanto para assegurar seus interesses passageiros, quanto mais nós, filhos da luz, devemos investir nossos dons com ousadia no que é eterno! O Senhor nos pede determinação, coragem e criatividade espiritual para viver uma fé que não se acomoda, mas arrisca pelo Evangelho.
O profeta Amós recorda: o verdadeiro discernimento está na atitude diante dos pobres e humildes (Am 8,4). Jesus confirma: “Fazei amigos com o dinheiro da injustiça, para que, quando este faltar, eles vos recebam nas moradas eternas” (Lc 16,9). Isso significa usar os bens — limitados e frágeis — como instrumentos de comunhão, solidariedade e amizade. Aquilo que poderia se tornar idolatria deve se transformar em oportunidade de partilha.
O Senhor insiste: quem é fiel no pouco será fiel também no muito (Lc 16,10). O pouco é a vida cotidiana, os dons simples, o tempo, os recursos, os gestos discretos de cuidado. O muito é a vida eterna, a plenitude da comunhão com Deus. O uso que fazemos dos bens terrenos revela a quem servimos: se ao Deus da vida e do amor, ou ao ídolo do egoísmo e da acumulação.
A Palavra de Deus nos ensina que até mesmo o fracasso pode ser ocasião de graça, se respondido com humildade e criatividade. Nada está fora do alcance de Deus: cada situação, por mais difícil, pode se tornar espaço de conversão e caminho de santidade. O importante é viver como administradores fiéis, conscientes de que tudo nos foi confiado e tudo deve ser colocado a serviço.
Ser administrador do Reino é viver com ousadia, criatividade e fidelidade. É transformar o pouco em muito, o transitório em eterno, os bens materiais em vínculos de amor. Não basta ter as mãos erguidas em oração (1Tm 2,8); é preciso também ter as mãos que partilham, que ajudam, que constroem amizade. O Senhor nos pede que sejamos não meros funcionários das coisas de Deus, mas amigos criativos, administradores da graça, que sabem arriscar pelo Evangelho.
Por Dom João Carlos Seneme. Ele é bispo da Diocese de Toledo
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