As leituras desta liturgia nos colocam diante de uma questão central: ser discípulo de Jesus não é uma necessidade automática, mas uma escolha livre e radical. O Evangelho nos apresenta Jesus cercado por uma grande multidão. Ao contrário do que talvez esperaríamos, Ele não se deixa seduzir pelos números nem pelo entusiasmo superficial. Pelo contrário, coloca diante de todos as condições exigentes do discipulado: amar mais a Ele do que aos vínculos mais sagrados da vida — família, bens e até a própria existência.
A palavra de Jesus soa dura e até escandalosa: “Se alguém não me ama mais que a seu pai, mãe, esposa, filhos, irmãos e irmãs, e até a própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,26). Não se trata, porém, de rejeitar as relações familiares ou afetivas, mas de se libertar dos apegos que escravizam e podem ser causa de obstáculo no serviço a Deus. O Mestre não pede que neguemos o amor aos nossos, mas que aprendamos a amar a todos, inclusive a nós mesmos, a partir da liberdade que nasce do Evangelho.
O verdadeiro inimigo a ser combatido, lembra Jesus, não está fora, mas dentro de nós: o “eu” marcado pelo medo, pela autodefesa, pelo desejo constante de segurança. É a este “eu” que somos convidados a renunciar, carregando a cruz de cada dia — a realidade concreta, com suas alegrias e sofrimentos — como caminho de fidelidade.
Aqui está a grande diferença entre ser apenas uma pessoa “boa” e ser cristão. O homem bom evita o mal, mas o discípulo busca o amor maior, aquele que transforma a vida em dom e faz transparecer as obras do próprio Deus. Foi assim que Paulo exortou Filêmon a acolher Onésimo não mais como escravo, mas como irmão. A fé não aboliu a escravidão social de imediato, mas a relativizou com o critério da caridade, revelando que o bem só tem valor quando nasce da liberdade e do amor voluntário.
Assim também acontece conosco. Ser cristão não é imposição, mas graça que enche de beleza a vida. O Senhor não nos força; Ele nos chama a uma liberdade madura, que não se prende a garantias humanas, mas se fundamenta na esperança e na confiança em Deus.
Jesus acentua a gravidade da renúncia e afirma que o verdadeiro discípulo, antes de tomar uma decisão tão séria, deve saber “calcular” e verificar se tem condições para abraçar um caminho tão exigente. O construtor de uma torre, primeiro calcula os gastos, para ver se tem condições de construir. O rei, antes de sair para a guerra, senta primeiro e examina bem se pode enfrentar o inimigo. Assim deve fazer o discípulo de Jesus: prever os obstáculos e afastar-se do que pode se atrapalhar sua escolha e confiar em Deus: “Quem poderá ser salvo?” (Mt 19, 26). Jesus disse: “Para os homens isso é impossível, para Deus tudo é possível” (Mt 19, 26).
O discípulo, portanto, é aquele que aprende a discernir seus desejos, a purificar seus afetos e a viver a radicalidade do amor. Isso implica calcular, como na parábola da torre, se temos condições de nos lançar na obra do Reino; ou, como na parábola do rei, se estamos prontos para a luta decisiva contra nosso egoísmo.
Seguir Jesus é escolher a liberdade: liberdade diante de si mesmo, dos próprios medos e dos apegos mais profundos. É acolher a cruz não como peso inútil, mas como mistério de vida que nos abre ao amor trinitário.
Que a liturgia deste domingo nos ajude a compreender que ser discípulo não significa renunciar às relações, mas purificá-las e elevá-las à medida do Evangelho. Só assim poderemos viver o amor maior e nos tornar
Por Dom João Carlos Seneme. Ele é bispo da Diocese de Toledo
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