O Presente
Fátima Baroni Tonezer

Autossabotagem. Por que andamos com o freio puxado?

calendar_month 4 de setembro de 2023
6 min de leitura

Muitas pessoas que conhecemos, inclusive nós, passamos por vários episódios na vida que deixaram marcas. Algumas sofreram abusos, violência, foram testemunhas de violência, em casa ou nas guerras. E desenvolveram o que o Manual Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM-V) hoje denomina Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT).

O TEPT é um termo cunhado para explicar o que acontecia com os soldados que voltavam da segunda guerra mundial. Mas trauma não é somente aquilo que acontece durante e após as guerras. Não, envolve ou pode ser desenvolvido a partir de vários acontecimentos da vida de uma pessoa. Mas quero conversar hoje sobre outro conceito, que, às vezes, é confundido com trauma, já que anda ao lado.

A maioria de nós passou por momentos na infância que nem de longe lembra o que descrevem como fatores que predispõem ao TEPT, mas ainda assim se sentem travados. Estou falando neste momento de mágoas, ressentimentos que acumulamos e ficam, inconscientemente, nos travando, nos levando à procrastinação, à autossabotagem. É importante entender que não são eventos grandes, desses que são considerados traumáticos, como abusos e guerras. Podem ser frases ditas ao acaso que ouvimos em casa ou na escola e que agora na vida adulta, aliás, já na adolescência, aparecem, porque estamos ressentidos, magoados. E por serem considerados coisas pequenas, às vezes não damos o menor valor ou nem lembramos delas.

MÁGOA, RESSENTIMENTO, NOSSOS FREIOS INCONSCIENTES

A mágoa nasce de vários fatores, mas nem sempre de um conflito. Às vezes uma frase, um olhar, um silêncio, um afastamento… A mágoa não vai nascer somente de conflitos, brigas, violência, traição, mas de uma leitura que fazemos de um momento, de uma necessidade nossa não atendida. Vão se juntando em camadas, formando nossas crenças. E essa mágoa vai corroendo silenciosamente, e vamos normalizando essas experiências, achando que é normal a família dizer que você é teimoso, atrapalhado, que é pequeno e não consegue. E esse “conceito” vai grudando, amalgamando nas crenças que se formam sobre o “eu”.

E esses padrões de crenças disfuncionais vão estar presentes toda vez que você receber uma crítica ou um silêncio ou não vir a palavra que você esperava. As redes sociais hoje contribuem muito para o aprofundamento das crenças e o achatamento da autoestima. Você posta algo e várias pessoas comentam que foi muito bom, mas uma ou duas escrevem algo ruim e você se apega àquele comentário, porque ecoa na sua crença de que você é incapaz, menor. Conheço pessoas com muita dificuldade de receber um elogio porque não se considera bom o suficiente, capaz, que aquilo não foi nada, só a obrigação.

Muitas vezes pessoas assim não conseguem alcançar um objetivo, realizar um sonho porque ficam querendo dar satisfação para alguém que a magoou. Já acompanhei casos de pessoas muito capazes e excelentes no que faziam, mas que na hora da seleção para o emprego dos sonhos não conseguiam mostrar tudo o que sabiam. Sem perceber, a pessoa está focada na mágoa, em provar para o outro (que a magoou) que vai dar, que é bom e se sabota.

A mágoa é um sentimento humano que nos paralisa quando não temos consciência dela, e continua fazendo parte do nosso sistema de crenças. Quando não temos consciência das nossas mágoas, ficamos presos a sentimentos que nos sabotam. Podemos ter mágoas porque não fomos escutados ou vistos lá na infância, quando algum evento qualquer nos assustou, criou uma necessidade e agora adulto, quando precisamos desabafar, de um ombro amigo, e ligamos para um(a) amigo(a) e essa pessoa não atende, acreditamos que ela fez de propósito e que no fundo não merecemos nada. E às vezes a pessoa está atarefada ou passando por um problema, uma dor e não tem condições de escutar ou ajudar.

Outro exemplo que eu posso trazer aqui é o da pessoa que entrega muito, está sempre disponível, mas ninguém reconhece ou retribui. Já vi muita gente que adoeceu porque era “bonzinho”(“boazinha”), que fazia tudo para todo mundo e não tinha reconhecimento, e que apesar de dizer que não queria reconhecimento, no fundo ansiava pela validação e amor. A pessoa se sente usada e desenvolve uma mágoa.

Quando o trauma foi causado por um grande evento é fácil reconhecer e aceitar. Não que seja fácil resolver ou conviver com o trauma. Mas quando se trata de pequenos gestos, não reconhecemos a mágoa, e mesmo sentindo a injustiça, a pessoa magoada não consegue aceitar e minimiza seus feitos e não valida seus resultados e recursos.

Não importa o tamanho do evento que provocou a mágoa, grande ou tão pequeno que nem damos conta de considerar, mas que estão ali, persistindo, atrapalhando nossos sonhos. Isso porque a mágoa cria uma espécie de armadura para nos proteger, que nos enrijecem, impedindo as ações efetivas na busca do resultado.

A BUSCA PELA VALIDAÇÃO EXTERNA X EXPECTATIVAS

Outro lado dessa situação de mágoa é quando a expectativa é irreal, não corresponde às circunstâncias reais. A pessoa não aceita que aquilo aconteceu porque tinha uma expectativa diferente. Criou uma narrativa e quando não aconteceu como ela imaginou, se frustrou e ficou magoada. Logo, criar expectativas que não correspondem à realidade também podem criar mágoas. Uma mágoa que está se tornando comum em nossos dias é a “mágoa dos resultados”.

A pessoa acredita que se “fizer isso” vai “acontecer aquilo”. E não considera tempo, recursos, empenho, constância, esforço… As redes sociais impulsionam muito essa situação ao vender resultados rápidos, as chamadas “pílulas mágicas”, e contam inúmeras histórias de “sucesso” de pessoas que nunca teremos chance de verificar o depois, a sustentabilidade do feito. E quando a mágica não acontece com a rapidez e intensidade desejada, vem a decepção.

Um exemplo de falácia que acompanho muito são as dietas miraculosas, onde a pessoa não precisa fazer nada além de consumir o produto “X”. O emagrecimento vai acontecer sem mudar o estilo de vida, sem reeducação alimentar, sem exercícios físicos, sem melhorar o sono, enfim… só fazer aquilo que está sendo proposto e… “voalá”… o resultado será eterno. Emagrecimento definitivo. E quando não acontece, vem a decepção e mágoa. A crença de que para todos é fácil, só eu que não consigo. Claro que essa ingenuidade tem endereço na infância ou em algum transtorno. Em outro momento falaremos sobre isso.

Aqui o que está sendo discutido é o papel das mágoas em nossa vida e como contribuem para a autossabotagem. E que nem sempre a mágoa vem de um evento enorme. E com a mágoa vem a necessidade e a noção de perdão. E a confusão com o conceito religioso do que é perdoar. Mas esse é o assunto do próximo artigo. Fica comigo, continua me acompanhando, aqui no site e nas redes sociais do jornal e nas minhas redes. E se quiser trocar uma ideia sobre esse ou qualquer outro tema, me chame.

Até a próxima.

Fátima Sueli Baroni Tonezer é psicóloga, formada em Psicologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Sua maior paixão é estudar a psique humana. Atende na DDL – Clínica e Treinamentos – (45) 9 9917-1755

@psicofatimabaroni

 
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