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A igualdade formal e a igualdade material: a Lei Maria da Penha em juízo

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A igualdade formal está prevista na Constituição Federal de 1988, a lei mais importante do país, como sendo “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (Art. 5º, caput). Essa é a igualdade formal e serve para evitar a criação de privilégios entre grupos de pessoas. Entretanto, é sabido que na realidade as pessoas nem sempre estão nas mesmas condições de direitos. Por isso, é importante aprender o significado da igualdade material ou isonomia que significa: tratar igualmente aqueles que são iguais e desigualmente aqueles que são desiguais na medida das suas desigualdades. Isso autoriza, por exemplo, que o Estado adote tratamentos diferenciados para diferentes grupos da sociedade.

As questões de gênero, notadamente as relações e diferenças entre homens e mulheres na sociedade brasileira estão no centro dos acontecimentos que levaram ao surgimento da Lei 11.340 de 2006, a conhecida Lei Maria da Penha. O presente artigo busca expor, brevemente, a razão pela qual essa Lei existe e qual a sua função na proteção das mulheres.

Uma das mais frequentes dúvidas do público nas atividades externas realizadas pelo NUMAPE/MCR é ‘se existe uma lei para proteger as mulheres que são vítimas, por qual razão não existe uma lei para proteger os homens que são vítimas?’. Afinal, se “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” (Art. 5º, I, da Constituição) por qual motivo eles precisam ser tratados de forma diferente?

Para compreender essa questão é preciso retornar a aspectos históricos e culturais da nossa sociedade em que a figura das mulheres muitas vezes foi tratada de forma muito inferior aos homens ficando restrita aos comandos do pai e após o casamento passava aos comandos do marido, restringindo-se a sua atuação feminina, em geral, a cuidar do lar e dos filhos e as situações de violência doméstica eram praticamente ignoradas pela sociedade que no passado dizia na triste expressão “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”.

Felizmente, o tempo passou e as mulheres conquistaram melhores possibilidades com o reconhecimento de direitos que proporcionaram a sua autonomia e melhores condições. Entretanto, a estrutura social machista ainda limita a plena igualdade entre homens mulheres. Basta ver os dados alarmantes de mulheres agredidas e mortas por seus companheiros ou ex-companheiros, muitas vezes dentro de suas próprias casas. Conforme dados do Atlas da Violência entre os anos de 2007 e 2017, 619 mil pessoas no Brasil foram vítimas de homicídios dos quais 39,2% dos assassinatos femininos foram praticados em domicílio, diferentemente dos 15,9% de masculinos sendo que a maioria dos homens (68,2%) morreram em ruas ou estradas.

Observe-se que mesmo com todos os debates e articulações sociais, principalmente femininos, a Lei Maria da Penha só surgiu no Brasil no ano de 2006, por conta de uma condenação internacional que obrigou o Estado brasileiro a dar uma resposta com a criação de mecanismos de combate e punição adequados aos casos de violência doméstica e familiar contra mulheres, como ocorreu com a senhora. Maria da Penha.

Atualmente com seus mais de 15 anos, a Lei Maria da Penha precisou nos seus anos iniciais ser compreendida pelos Juízes e Tribunais brasileiros, prova disso foram os julgamentos do Supremo Tribunal Federal sobre a correta interpretação de dispositivos da Lei. Em 2012, na ADC 19, o Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou a validade da Lei diante da Constituição e negou a interpretação de que a norma discriminava os homens, além disso afirmou a validade da Lei quando impediu que os casos de violência doméstica fossem tratados como “infrações penais de menor potencial ofensivo”, pois não seria adequado que o Estado desse uma punição mais leve a um problema tão grave que é a violência contra as mulheres. Na mesma oportunidade, no julgamento da ADI n° 4.424, o STF afastou uma interpretação do inciso I do Art. 12 e do Art. 16, todos da Lei Maria da Penha para afirmar que nas lesões corporais resultantes de violência doméstica contra a mulher, a respectiva ação penal é pública incondicionada, ou seja, para que o processo contra o agressor tenha início não há necessidade de representação ou vontade da vítima, pouco importando a extensão da lesão corporal.

Note-se que a luta pela igualdade material por homens e mulheres ainda é permeada por muitos desafios seja pela violação do direito à vida, a dignidade ou a integridade física dentro dos seus próprios lares ou mesmo pela cultura de menosprezo a mulher que ainda está enraizada em muitos espaços da sociedade. Sobre este último ponto, vale destacar a recente fala da Ministra Cármen Lúcia, do STF, quando afirmou que mesmo sendo Juíza da mais alta Corte do país ainda sofre com episódios de discriminação em razão do seu gênero “eu estou usando o verbo que eu quero: é um sofrimento alguém te olhar como se você fosse menos, porque eu sou o que eu sou. Eu sou mulher, adoro ser mulher. Não tem sentido que eu não possa ser tratada realmente em condições de igualdade”, declarou.

Alfim, conclui-se que existem muitos desafios para alcançar a plenitude da igualdade entre homens e mulheres e são, de todo, justificadas as medidas jurídicas e trabalhos educativos voltados para esse fim como por exemplo a Lei Maria da Penha e projetos como o Núcleo Maria da Penha – NUMAPE que são ações concretas do Estado que servem não para criar distinções ou privilégios das mulheres em relação aos homens, ao contrário buscam contribuir na construção de uma igualdade de fato entre ambos como já previsto, formalmente, na Constituição da República.

 

Autores:

Professora doutora Adriana do Val Alves Taveira – coordenadora do Núcleo Maria da Penha (Numape)

 

Munyr Hammoud – advogado do Núcleo Maria da Penha (Numape)

 

Lucas Costa Varela Barca – advogado do Núcleo Maria da Penha (Numape)

 

Marlon Santos – acadêmico de Direito na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste)

 

QUEM SOMOS

O Numape é um projeto de extensão da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de Marechal Cândido Rondon. Faz parte da Superintendência Geral da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti), do Governo do Estado do Paraná.

O Numape promove o acolhimento jurídico de forma gratuita e sigilosa, assegurando a tutela de seus direitos e a desvinculação do agressor para mulheres em situação de violência doméstica dos municípios de Marechal Cândido Rondon, Quatro Pontes, Pato Bragado, Entre Rios do Oeste, Nova Santa Rosa e Mercedes.

Em pouco mais de dois anos de atuação, o Numape realizou centenas de atendimentos jurídicos. O atendimento é realizado com uma escuta atenciosa e qualificada e todas as orientações cabíveis para cada caso são repassadas, sempre preservando a autonomia de decisão da mulher para dar seguimento nas fases processuais, que se desdobram geralmente em medidas protetivas de urgência, divórcio, dissolução de união estável, pensão e guarda dos/as filhos/as, entre outras ações. Além disso, promoveu dezenas de ações socioeducativas na comunidade em geral, alcançando inúmeras pessoas de diferentes faixas etárias e grupos sociais.

Entre em contato para saber mais sobre o serviço. O atendimento pode ser realizado pelo telefone celular e WhatsApp: (45) 99841-0892. Nos encontre também nas redes sociais. Estamos aqui por você. Até a próxima coluna!

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