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Grupos reflexivos para homens autores de violência doméstica: desafios e possibilidades

calendar_month 21 de novembro de 2024
9 min de leitura

A violência doméstica contra mulheres é um problema estrutural que permeia diversas sociedades, configurando-se como um reflexo das desigualdades de gênero. O tratamento de homens autores de violência, especialmente no contexto das políticas públicas, demanda uma abordagem que não se limite à punição, mas que busque alternativas de reeducação e mudança comportamental. Nesse sentido, os grupos reflexivos para homens autores de violência doméstica surgem como uma proposta significativa para a reconfiguração das identidades masculinas e para a prevenção da reincidência de comportamentos violentos. Este artigo aborda os desafios e as possibilidades desses grupos, com base em diferentes estudos que discutem a eficácia e as limitações dessa abordagem.

 O contexto e os objetivos dos grupos reflexivos

Os grupos reflexivos têm como objetivo promover a reflexão sobre as práticas violentas de homens em contextos domésticos, questionando as normas de masculinidade que sustentam comportamentos agressivos. Essa intervenção visa não apenas a responsabilização, mas também a transformação das atitudes dos participantes. De acordo com Girardello (2020), os programas de reeducação para homens autores de violência doméstica devem ser encarados como uma alternativa à justiça retributiva, possibilitando a ressignificação de identidades e comportamentos por meio do diálogo e da reflexão. O autor destaca a importância de modelos como a Lei 13.984/2020, que estipula a obrigatoriedade de participação em programas de reeducação para autores de violência como uma forma de reduzir a reincidência e promover a reintegração social.

Prates e Andrade (2013) também apontam que esses grupos, enquanto medida judicial, são uma alternativa ao encarceramento, que muitas vezes não contribui para a mudança efetiva dos padrões de comportamento violentos. Para os autores, os grupos reflexivos operam no contexto sócio-histórico de uma sociedade patriarcal, oferecendo um espaço onde os homens possam desconstruir as narrativas de dominação e controle sobre as mulheres. Isso implica em uma reflexão sobre as relações de poder e sobre as expectativas sociais em relação à masculinidade.

Desafios na implementação de grupos reflexivos

Apesar das potencialidades dos grupos reflexivos, diversos desafios surgem na sua implementação e eficácia. Um dos principais obstáculos está relacionado ao estigma e à resistência dos participantes. Muitos homens, ao ingressarem nos grupos, veem as atividades como uma punição ou uma medida coercitiva, o que pode dificultar a adesão genuína ao processo de reflexão e mudança. Como Toneli, Beiras e Ried (2017) afirmam, os homens autores de violência, ao participarem desses grupos, muitas vezes enfrentam dificuldades em compreender a gravidade de seus atos, ainda mais em contextos culturais onde a violência é normalizada como parte das relações de gênero. A dificuldade em reconhecer a violência como um problema próprio pode limitar o sucesso das intervenções.

Além disso, a heterogeneidade dos participantes nos grupos reflexivos representa outro desafio. Segundo Souza (2024), as características individuais dos homens, como histórico familiar, condições socioeconômicas e crenças pessoais sobre masculinidade, influenciam diretamente o processo de mudança. A diversidade de contextos dos participantes requer uma abordagem flexível, capaz de atender a diferentes necessidades e níveis de conscientização sobre a violência. Isso exige que os facilitadores dos grupos possuam uma formação específica, que vá além das estratégias convencionais de intervenção, e que incluam uma perspectiva crítica sobre as relações de gênero.

Outro desafio relevante é a continuidade das ações após a conclusão dos grupos. A efetividade dos grupos reflexivos depende não apenas da intervenção durante o processo, mas também da criação de redes de apoio e da inclusão dos participantes em processos mais amplos de reintegração social. Gay e Piber (2023) destacam que os grupos reflexivos devem ser vistos como parte de uma política pública integrada, que inclua ações de apoio psicossocial, profissionais capacitados e espaços comunitários para acompanhamento contínuo.

Possibilidades de transformação das identidades masculinas

Apesar das dificuldades, os grupos reflexivos apresentam um enorme potencial para a reconfiguração das identidades masculinas e a prevenção da reincidência em casos de violência doméstica. Quando bem estruturados, esses programas podem promover uma mudança substancial nas concepções de masculinidade, desafiando os participantes a refletirem sobre suas práticas e a assumirem a responsabilidade por seus atos. A mudança de identidade masculina é uma das principais possibilidades apontadas por Pilatti (2022), que defende que os grupos reflexivos contribuem para uma visão mais igualitária e não-violenta da masculinidade, baseando-se em princípios de respeito, empatia e parceria nas relações afetivas e familiares.

Esse processo de transformação é facilitado pela metodologia dos grupos reflexivos, que busca criar um espaço de diálogo aberto e sem julgamentos, permitindo que os participantes compartilhem suas experiências e reflitam sobre as causas e consequências da violência. Souza (2024) salienta que a troca de experiências e a escuta ativa são fundamentais para que os homens consigam compreender o impacto de suas ações nas mulheres e nas famílias, e, assim, desenvolvam um novo olhar sobre suas práticas cotidianas. Além disso, Prates e Andrade (2013) afirmam que a intervenção deve estar alinhada a uma educação crítica, que desafie a normatividade da violência e incentive modelos alternativos de masculinidade, baseados no respeito e na igualdade de gênero.

Conclusão

Os grupos reflexivos para homens autores de violência doméstica representam uma estratégia importante para a reeducação desses indivíduos, visando a transformação das suas atitudes e a prevenção da reincidência de violência. No entanto, sua implementação enfrenta desafios significativos, como a resistência dos participantes, a diversidade de contextos e a necessidade de continuidade das ações. Para que esses grupos sejam eficazes, é fundamental que sejam acompanhados de uma formação adequada para os facilitadores, que possuam uma perspectiva crítica sobre as relações de gênero e que integrem as intervenções a uma rede de apoio mais ampla. A possibilidade de reconfiguração das identidades masculinas a partir desses grupos, no entanto, abre um caminho promissor para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, onde a violência contra a mulher seja combatida de maneira eficaz e sustentável.

Ademais, neste final do mês de novembro e início de dezembro, ocorre também a campanha “21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres”, que trata-se de uma mobilização global que ocorre anualmente, com o objetivo de sensibilizar a sociedade sobre a violência de gênero e promover ações para combatê-la. Durante 21 dias, diversas atividades são realizadas, como palestras, debates, protestos e ações de apoio às vítimas, com foco na reflexão sobre a desigualdade estrutural que perpetua essas violências. A campanha também busca fortalecer as redes de apoio e promover políticas públicas que garantam a proteção e a autonomia das mulheres. A campanha, que ocorre de 20 de novembro (Dia Nacional da Consciência Negra) até 10 de dezembro (Dia Internacional dos Direitos Humanos), é uma oportunidade para a sociedade se unir e agir contra a violência, buscando um futuro mais seguro e igualitário para todas as mulheres.

Sendo assim, considerando a importância e as potencialidades deste modelo de intervenção apresentado neste artigo, que objetiva a conscientização desses homens para, consequentemente, buscar a redução dos índices de violência doméstica, e juntamente com a campanha “21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres”, nós do Núcleo Maria da Penha (NUMAPE) convidamos toda à comunidade para prestigiar o evento gratuito “Roda de Conversa – Desafios e Perspectivas: A integração psicológica e jurídica nos grupos reflexivos para homens agressores”. Contaremos com a presença de dois especialistas que discutirão as estratégias e os desafios enfrentados nos grupos reflexivos.

Data: 26/11/2024 (terça-feira)

Horário: 09:30

Local: Tribunal do Júri da Unioeste Campus Marechal

Link para inscrição:

https://www.even3.com.br/desafios-e-perspectivas-a-integracao-psicologica-e-juridica-nos-grupos-512143/

Esperamos a presença de todos/as para enriquecer essa conversa e fortalecer as práticas.

Referências

GAY, Maria Eduarda Cipolat; PIBER, Ma. Lizete Dieguez. Efetividade de Grupos Reflexivos com Homens Autores de Violência Contra Mulheres na Reconfiguração das Identidades Masculinas. 2023.

GIRARDELLO, Gabriel de Andrade. Reeducar X Punir: Programas de Reeducação para Homens Autores de Violência Doméstica como Alternativa à Justiça Retributiva, à Luz da Lei 13.984/2020. 2020.

PILATTI, Nathália de Campos. Grupos Reflexivos de Gênero para Homens Autores de Violência: Medida Indispensável à Redução e Prevenção da Reincidência nos Crimes Envolvendo Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. 2022.

PRATES, Paula Licursi; ANDRADE, Leandro Feitosa. Grupos Reflexivos como Medida Judicial para Homens Autores de Violência Contra a Mulher: O Contexto Sócio-Histórico. 2013.

SOUZA, Rejane Michele Silva. Características das Intervenções dos Grupos Reflexivos para Autores de Violência Doméstica e Familiar. 2024.

TONELI, Maria Juracy F.; BEIRAS, Adriano; RIED, Juliana. Homens autores de violência contra mulheres: políticas públicas, desafios e intervenções possíveis na América Latina e Portugal. 2017.

Autoria:

Psicólogo Carlos Eduardo Steffens Nabinger, CRP 08/42405

QUEM SOMOS

O Numape é um projeto de extensão da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de Marechal Cândido Rondon. Faz parte da Superintendência Geral da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti), do Governo do Estado do Paraná.

O Numape promove o acolhimento jurídico de forma gratuita e sigilosa, assegurando a tutela de seus direitos e a desvinculação do agressor para mulheres em situação de violência doméstica dos municípios de Marechal Cândido Rondon, Quatro Pontes, Pato Bragado, Entre Rios do Oeste, Nova Santa Rosa e Mercedes.

Em atuação desde 2019, o Numape realizou centenas de atendimentos jurídicos. O atendimento é realizado com uma escuta atenciosa e qualificada e todas as orientações cabíveis para cada caso são repassadas, sempre preservando a autonomia de decisão da mulher para dar seguimento nas fases processuais, que se desdobram geralmente em medidas protetivas de urgência, divórcio, dissolução de união estável, pensão e guarda dos/as filhos/as, entre outras ações. Além disso, promoveu dezenas de ações socioeducativas na comunidade em geral, alcançando inúmeras pessoas de diferentes faixas etárias e grupos sociais.

Entre em contato para saber mais sobre o serviço. O atendimento pode ser realizado pelo telefone celular e WhatsApp: (45) 99841-0892. Nos encontre também nas redes sociais. Estamos aqui por você. Até a próxima coluna!

 
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