O Presente
Osnei Alves

A busca da felicidade

calendar_month 15 de abril de 2025
8 min de leitura

“Se tentar se apegar à sua vida, a perderá. Mas, se abrir mão de sua vida por minha causa, a encontrará” Mateus 16:25-26

O bem comum supõe que os seres humanos foram criados a fim de alcançar o bem. Existem para isso. Bem pertence à ordem do que é apetecível, desejável a fim de realizar o ser humano. Atualiza nele a abertura para a felicidade desejada. Como ser comunitário, tal realização pessoal, individual harmoniza-se com a dos outros, fazendo o bem da comunidade, portanto um bem comum.

A busca do bem próprio não se faz à custa do bem dos outros, mas em comunhão, participação, harmonia com eles. Esta se revela a natureza mesma do bem comum. Não paira como algo abstrato em oposição ou separação do bem do indivíduo, mas, antes, em profunda sintonia, como a conjugação ordenada e harmônica dos bens individuais.

Dessa perspectiva, os bens materiais, que a tecnologia e a sociedade da produção disponibilizam, servem à melhor realização de cada indivíduo e sua convivialidade com os outros na comunidade e na sociedade. A lucidez consiste em considerar as coisas materiais por tal ângulo.

A lucidez conduz-nos a atitude religiosa positiva diante das coisas materiais. Daí se parte. Em seguida, o olhar circula pelo mundo das pessoas, das relações sociais, da economia. E que vê? Os bens concentram-se nas mãos de poucos. Os pobres carecem das coisas necessárias. A leitura positiva diante dos bens aponta para o caminho da distribuição, da ampliação dos beneficiados na linha da discriminação positiva em favor dos pobres. O lado negativo manifesta-se no prurido consumista, na produção desperdiçada de tanta coisa.

Tudo se encontra aberto diante de nós. Tudo já vem traçado de antemão. Extremos sedutores, embora equivocados. O ser humano julga-se criador integralmente da própria história, do futuro. O mundo das coisas e dos humanos não passa de argamassa na mão do artesão. Plasma a imagem que deseja.

A vida humana desmente-lhe continuamente a pretensão. Surgem incertezas a cada momento, nas menores coisas. Vai ao aeroporto. Algo banal. A que horas o voo programado se efetuará? No Brasil de hoje, não se prevê facilmente. E sentimo-nos impotentes diante das intempéries da natureza, da ganância das companhias aéreas, da incompetência tecnológica dos aeroportos. Tudo isso nos escapa. Como ter a pretensão de dominar o futuro se conjuntura tão pequena nos foge do controle?

A lucidez traz-nos para o meio. Entre tudo dominar e a tudo submeter-nos, cabe-nos aprender a viver. Preparamos os espíritos para enfrentar as incertezas, os problemas da vida incontroláveis, as questões aleatórias na dupla atitude de serenidade e de confiança. Além das incertezas da natureza e da imprevisibilidade da liberdade humana, situa-se o horizonte maior do ato criador e salvador de Deus. Nenhuma filosofia nem ciência nos garantem o futuro. Só a fé e a confiança num Deus Amor.

Jesus elucidou de modo singelo tal atitude. “Não vos preocupeis pela vossa vida, com o que comereis, nem pelo vosso corpo, com o que vestireis […]. Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam, não ajuntam em celeiros, e vosso Pai Celeste as alimenta! Não valeis vós muito mais do que elas?” “Observai os lírios do campo, como crescem, não se afadigam nem fiam, afianço, o próprio Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como um deles! Se Deus assim veste a erva dos campos, que hoje existe e amanhã será deitada ao fogo, não fará ele muito mais por vós, gente de fé insuficiente!” (Mt 6,25-26; 28-30).

A lucidez aponta-nos para o caminho da previdência e da confiança na providência. Nem tanta previdência que nos neurotize, nem tanta providência que nos aliene. A história, a grande mestra da vida, ensina-nos lentamente o equilíbrio entre o que conseguimos de antemão prever e o que, em última instância, esperamos do Ser maior que nos ama e nos orienta para si. São Paulo resume bem: “Aliás, nós sabemos que tudo concorre para o bem dos que amam a Deus, que são chamados segundo o seu desígnio” (Rm 8,28). E estes são todos os seres humanos.

A atitude de confiança livra-nos de cair em outros extremos. Existe uma objetividade na história que nos antecede e se nos impõe. Descarta os subjetivismos ilusórios. O mundo não se nos configura unicamente segundo os desejos (subjetivismo), mas goza de realidade concreta e dada. No entanto, não se nos impõe inexoravelmente (objetivismo). Antes se nos dá como tarefa a ser realizada.

Não tem sentido também entregar-nos a ascetismo depreciador, presos na fatalidade dos infortúnios, por maiores que sejam. Há sempre espaço para a alegria, a festa, o prazer. Por outro, jogar-nos no hedonismo totalmente, além da absurda mentira existencial, priva-nos de entender o lado da dor, da privação.

A modernidade prolonga sempre para mais o que já existe. Permanece viva a audácia de cientistas que buscam desesperadamente uma teoria quântica da gravidade, uma teoria única que explique tudo, desde as lagartixas até as supernovas. Fala-se da teoria das cordas, que pensa esquema harmônico único a incorporar ambas as teorias (relatividade geral e mecânica quântica). Que falem os matemáticos e cientistas de tal possibilidade. Interessa-nos ir fundo no coração humano e descobrir aí o sonho do domínio da totalidade.

Preocupa-nos no afã de totalidade a fácil ilação entre o todo e o poder. E o poder a serviço do todo termina por privilegiar aqueles que no todo se fazem e se fizeram poderosos. Não se defende, em última análise, a totalidade das pessoas em espírito realmente democrático. Nesse caso, as massas populares receberiam atenção especial. Pelo contrário, alijam-nas e privilegiam-se os que visivelmente representam, isto é, os que tornam presentes ao todo, os poderosos. Característica forte dos totalitarismos.

Que caminhos nos traça a lucidez? Retém do anseio por totalidade a experiência de que fomos criados para a comunhão com todo o cosmos e para além dele. Nenhuma particularidade satisfaz-nos plenamente. Nenhuma paisagem sacia-nos a geografia interior do mapa-múndi. A lucidez mantém-nos acordado o sonho com a totalidade, com o contínuo caminhar, com o peregrinar para a cidade permanente.

Até o início da modernidade, pensava-se mais facilmente a totalidade. A modernidade, ao valorizar o papel do sujeito que interpreta a partir de tantas situações culturais e humanas diferentes, rompeu com a “bela unidade” de pensar. Quanto mais o sujeito interfere na interpretação do pensamento, tanto mais este se fragmenta por causa das diferentes condições do sujeito. A consciência histórica pluralizou a leitura da realidade que até então gozava da estabilidade e da unificação das essências permanentes.

A sociologia do conhecimento avança a dimensão crítica, ao desocultar as condições sociais que interferem na elaboração das verdades, da compreensão da realidade. Relativiza todo totalitarismo, qualquer pretensão de totalidade, já que aponta para o particular da situação sociocultural.

A fragmentação e a relativização correm o risco oposto. As pessoas perdem qualquer referência e ficam entregues à própria subjetividade e aos pedaços transitórios de verdade, sem nenhuma segurança e orientação. O caminho lúcido passa pelos dois extremos. Abandona a estrada segura da totalidade pavimentada por certezas inquebrantáveis e não entra pelos cascalhos da fragmentação. Encontra por debaixo das pedras soltas um caminho que vem de longe e anuncia continuar. E não se engana diante dos pavimentos homogêneos da pista das verdades absolutas. Sabe-os compostos de minúsculos fragmentos, escondidos no piche liso e aparentemente sem fissura.

Jogo difícil, embora necessário. Nada se nos apresenta tão fragmentado que não carregue algo de perene, e nada se mostra tão absoluto e total que não esconda toques de relatividade e feixes de partículas.

A experiência humana retrata tensão semelhante quando a razão em sua pretensão universal e total depara com reações emocionais parciais e estilhaçadas. A razão estende o campo dos juízos frios e englobantes. Nada lhe escapa. E termina feliz por ter esgotado o objeto com a força de sua luz penetrante. Esquece, porém, que o ser humano não termina na razão. Vive e curte, comove-se e sofre, emociona-se e maravilha-se. E a experiência colore-se com a singularidade subjetiva. Traz o universal da razão para dentro do pequeno âmbito do coração.

Quem consegue articular bem as duas dimensões? O sábio. Nisso ele difere do acadêmico, do filósofo das especulações. O sábio seduz pela força da inteligência, da razão serena que se envolve com a dimensão do coração, do cuidado, da atenção para as outras faces da realidade e das pessoas. Nada e ninguém se reduz ao puro racional, a um universal. Perderia a originalidade e a singularidade, esvaziar-se-ia da riqueza da afetividade.

Quem é Osnei Francisco Alves


  • Osnei Francisco Alves é especialista na área de gestão, estratégia empresarial, marketing, comunicação, tecnologia, educação, entre outras. Escritor de livros e artigos científicos. Atualmente, gerente executivo do Senac em Marechal Cândido Rondon.
    consultorosnei@gmail.com
 
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