Pioneiro “pilotava” jipes na Cascavel dos anos 50 e cultivava um olhar dissonante no auge do ciclo da madeira, quando a ordem era derrubar pinheiros

1948 – Um Jeep Willys importado dos Estados Unidos parte de Caxias do Sul (RS) com destino a Cascavel. Ao volante de três raios está o pioneiro Florêncio Galafassi. Foram 10 dias de viagem. Hoje os 784 quilômetros que separam as duas cidades podem ser vencidos por rodovia em 12 horas. Era o primeiro Jeep de Cascavel. Não se tratava de um “RR”, “resto de rico”, como se fala de modelos premium alemães envelhecidos. Se tratava de “resto de guerra”. O esforço de guerra dos EUA produziu 660 mil jipes enviados para combate na 2ª Guerra. Boa parte daqueles que sobreviveram aos bombadeiros, foram exportados.
1953 – Chegavam outros veículos como aquele. Um deles, em particular, embasbacava as poucas almas cascavelenses que testemunhavam o feito. O Jeep era dirigido por uma mulher, a primeira a obter CNH no município. Darlene Gomes impressionava não só pelo pioneirismo, como também pela beleza e destreza ao conduzir o veículo. Era um absurdo para a cultura misógina da época.
Ainda na primeira metade dos anos 1950 chegava de Joaçaba (SC) aquele que seria um dos primeiros taxistas de Cascavel, Nilo Ghiggi. Era o cara do Jeep, chegou a formar uma frota de táxis. “O modelo era imprescindível, pois não era possível sair da cidade sem um veículo com tração nas quatro rodas”, descreve o pioneiro Dercio Galafassi.
Era então preciso um veículo guerreiro, feito para o front de batalha para enfrentar a terra argilosa e liguenta que formava insondáveis atoleiros aqui. O arguto Pedro Nodari viu no atoleiro uma oportunidade e montou uma revenda Jeep Willys em Cascavel na década de 1960.

JIPEIRO RAIZ
O nome de Nilo veio à memória novamente no último dia 4 de julho, quando passou a nominar um condomínio horizontal na região Nordeste de Cascavel, às margens da Avenida Piquiri estendida. Ali foi o momento para entender melhor a trajetória de um homem amputado de uma perna que dirigiu como taxista milhares de quilômetros e formou um notável patrimônio a partir de seus jipes.
Para além do legado econômico do desbravador, ficou uma marca indelével: a paixão pelo verde. “Ele já era um ecologista antes mesmo dessa expressão existir”, pontua a filha de Ghiggi, Jaqueline. “Ele era apaixonado por araucárias, caneleiras, guapuruvus, bromélias e corticeiras”, destaca.
ASSINATURA VERDE
As marcas verdes deixadas por Ghiggi podem ser vistas ainda hoje em vários pontos da cidade: Um ponto está no condomínio Nilo Eco Home Clube entregue pela Dias Incorporadora, onde a manutenção da reserva de mata foi uma exigência da família.
A marca preservacionista do pioneiro também está no arvoredo na região do Parque Vitória e em uma curva curiosa que existia em um muro da rua 7 de Setembro. “Ali meu pai desviou o muro para preservar uma árvore”, conta Jaqueline. Também é possível encontrar as “pegadas verdes” de Nilo Ghiggi na casa em que morou por décadas, no início da rua Mato Grosso, ao lado do Paço das Artes. É a última reserva de mata nativa no coração de Cascavel.
A curva do Nilo, por muitos anos exposta no muro da rua 7 de Setembro para preservar uma caneleira, já não existe mais. Foi devorada pela cidade em frenética expansão. Mas tal qual o sinuoso rio de mesmo nome de extensos 6,6 mil quilômetros no Norte da África, Nilo e sua frota de jipes deixaram marcas dissonantes de uma época em que a “sinfonia” vinha da motossera e do serrote. Curiosamente, hoje, entre as áreas mais valorizados do mercado imobiliário, estão aquelas onde o verde está no cenário.
PITACO DO PITOCO
mundo dos carros de praça mudou muito desde os jeeps do Nilo. Nos anos 1970/80, os taxis foram padronizados na cor laranja. Diante da dificuldade de revenda dos usados laranjões, mudou-se a legislação e a frota ganhou a cor branca, em vigor até os dias de hoje.
Por outro lado, a mobilidade urbana mudou radicalmente com os veículos por aplicativo. Estima-se que há 3 mil motoristas dessa modalidade operando em Cascavel pela Uber, 99, In Driver, Urbano Norte, Rapido Car e Max Inn.
Se nos anos 1950 era preciso procurar o Nilo pela cidade, hoje aperta-se um botão virtual em uma tela multicolorida para receber em minutos um carro elétrico fabricado no outro lado do mundo. Já são mais de 50 BYD Dolphin Mini utilizados por motoristas de aplicativo em Cascavel.
Fontes: pioneiros Beto Pompeu, Dercio Galafassi, Luiz Volpado, Jaqueline Ghiggi e o historiador Alceu Sperança.
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Oferta de apês em Cascavel saturou?
Saiba o que a imagem de uma profusão de torres espetadas no skyline não conta sobre a oferta e demanda por apês em Cascavel

Não é preciso empinar um drone sobre os céus de Cascavel, como fez para a fotografia ao lado o repórter cinematográfico Manoel Teixeira, para perceber como a verticalização da cidade avançou.
O volume de obras é tamanho, que em alguns momentos a enorme frota das concreteiras de Cascavel não dá conta de atender todo mundo. Mas há um gap, uma lacuna a ser preenchida em algo que o senso comum pode enxergar como saturado.
Quem põe um olhar capaz de atravessar os paredões dos edifícios para enxergá-los por dentro são os especialistas em mercado imobiliário Hemerson Reis e Eduardo Serralheiro, o Passarinho. Segundo eles, produziu-se um intervalo, um delay entre oferta e demanda em setores bem específicos em 2025, com repercussões no próximo ano.
“Com base nas entregas que estão sendo feitas neste ano, o cliente que vislumbra um apartamento de três quartos novo de até R$ 1 milhão total ou parcialmente financiado, terá algumas dificuldades”, explica Hemerson.
É que a entrega de edifícios residenciais com esse perfil está escasso. Para o segundo semestre deste ano, a Saraiva de Rezende entrega o Francisco Renz, no centro, para um público de bolsos mais profundos, apês acima de R$ 1,5 milhão. As demais entregas, conforme se observa no portal das construtoras, estão concentradas de 2027 para frente, com muitas delas programadas para o final da década. E não há solução simples para o gap. Não se constrói um prédio de apartamentos do dia para a noite, nem mesmo a fábrica de prédios do Chico Simeão foi capaz desse milagre até agora. “Edifícios lançados neste ano, de até 50 pavimentos, podem consumir entre 5 e 7 anos para ser entregues”, reforça Passarinho.
Algumas das torres programadas para entrega a curto ou média prazo estão vendidas, não irão ofertar unidades novas para um público que também é nichado. “ Cascavel recebe de 6 a 8 mil novos moradores por ano. Há segmentos de potenciais clientes do mercado imobiliário que não podem ser atendidos imediatamente”, afirma o especialista.
Hemerson alerta para outro fator a corrobar a escassez nesse perfil específico, do apê novo “acessível”: a taxa Selic. “A oferta de crédito está bastante restrita. Para financiar R$ 650 mil, precisa provar ganhos acima de R$ 20 mil mensais, já que o sistema financeiro restringe o comprometimento salarial a 30% dos ganhos”, diz.
Hemerson aponta oportunidades no mercado de locação, mas vê um entrave no segmento. “É da cultura de muitos cascavelenses ofertar seus imóveis sem mobiliá-los. Há muita procura por imóvel pronto para morar, e hoje o mercado não atende essa demanda plenamente”, disse.
PAINEL IMOBILIÁRIO
Embora pareça contraditório enxergar tantas obras e tanta publicidade de imóveis em Cascavel e perceber que há segmentos da demanda não atendidos, o debate está aberto ao contraditório.
E um espaço privilegiado para entender as complexidades desse mercado bilionário, desafiante e recheado de oportunidades, está no Painel Imobiliário que acontece no próximo dia 22.
“O Painel trará um estudo inédito, um raio x do mercado com as tendências, lacunas, ofertas e demandas, um balisador imprescindível para entender em que momento estamos e para onde o vento sopra”, afirma Eduardo Passarinho.
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Como eles chegaram até aqui sem celular?
Como esses indígenas isolados chegaram até aqui sem postar uma selfie ou acompanhar no Insta a influencer digital “embalada a vácuo” na academia?

Com estimados 750 indivíduos, o povo Mashco Piro é o maior grupo indígena isolado do mundo e habita a floresta amazônica em uma região de fronteira entre o Acre e o Peru. Imagens raríssimas do grupo, após uma década sem nenhum registro, foram obtidas em julho do ano passado pela ONG Survival International. A imagem, replicada aqui, mostra indígenas às margens do rio de Las Piedras, no Peru, a cerca de 180 km do Acre.
O grupo vive de cultivo e caça, em total isolamento, há séculos, sem nenhum contato com a dita “civilização”. É como voltar milhares de anos, pois é naquele ponto da linha do tempo que eles estão. Difícil entender qual seria a reação deles se fossem apresentados às tecnologias desenvolvidas ao longo dos séculos.
Pontos de interrogação podem conter ironia: como o povo Mascho Piro chegou até aqui sem apoio de um vereador? Sem um deputado? Sem um ministro do Supremo para arbitrar conflitos? Sem um Mito ou um pai dos pobres para amar ou odiar? Como esses indígenas sobreviram sem receber aquela mensagem diária do tiozão do zap orientando em quem votar a qualquer custo ou em quem não votar em hipótese nenhuma? Sem um pastor para apontar caminhos ao paraíso?
Como puderam seguir adiante sem ouvir o horóscopo do dia? Sem o comentário da Miriam Leitão no JN? Sem a pregação do Silas Malafaia no comício da Avenida Paulista os milagres do Valdemiro Santiago? Como esses indígenas isolados chegaram até aqui sem postar selfie ou acompanhar no Insta a rotina da influencer digital “embalada a vácuo” na academia?
Incrível terem passado esse tempo todo sem o cunhado pedir dinheiro emprestado. Talvez aqui esteja a explicação para uma sociedade hermética tão longeva, o dinheiro. Ou a ausência dele.
Difícil mesmo imaginar a vida sem um boleto pra pagar. Não sabemos se os Mascho Piro adestram animais. Mas conhecemos bem aquela frase extraída da sabedoria popular: “O cachorro é o melhor amigo do homem porque não conhece o dinheiro”.
Longa vida aos povos “selvagens” isolados. Talvez a “selvageria” deles seja mais digna que a “civilidade” do sapiens contemporâneo, pois eles não precisam conviver com a contradição insanável do homem moderno em sua dependência química das novas tecnologias, como o celular conectado que aproxima os distantes e distancia os próximos.
Por Jairo Eduardo. Ele é jornalista, editor do Pitoco e assina essa coluna semanalmente no Jornal O Presente

