“Você batizaria sua filha com o nome Jararaca, Sucuri ou Cascavel?”, questionava o periodista que visitou a redação do Pitoco. E se mudar o nome da cidade para “Capivara do Oeste”?

mascote da cidade: capi ou cobra?
Não foram poucos os bichos a desafiar o protagonismo da cobra em Cascavel. Nos anos 1990, conforme relataram as primeiras edições do Pitoco, ventilou-se a hipótese do Lago Municipal abrigar uma espécie de “monstro do lago Ness”, bicho que foi fotografado na Escócia e cuja identidade permanece um mistério secular.
Aqui, pessoas relatavam ter notado um bicho muito estranho a marolar as águas do nosso lago. Descartado o “monstro”, surgiram outros animais: na falta de uma definição melhor, em tempos que não havia câmeras de alta definição nos celulares, surgiu aqui o lendário “chupa-cabras”.
Também na região do Lago Municipal, que parece atrair feras, passeou ali a fabulosa onça que ganhou espaço em telejornais do Brasil. Mas nenhum desses bichos, reais ou imaginários, assumiu o protagonismo da capivara. Ela é a real ameaça a cobra para a condição de mascote e símbolo de Cascavel.
A “Capi” já era popular quando a turma do Paço, na pessoa do atual secretário de comunicação, Mozart Picoli, estabeleceu a roedora como protagonista no esforço para tirar o noticiário gerado na Prefeitura daquele formalismo massante, espécie de diário oficial embalado e perfumado em release.
CAPI OU COBRA?
Capi é sucesso nas redes sociais, virou pastel na feirinha e se hoje encomendar uma pesquisa entre os sapiens cascavelenses, provavelmente ela seria eleita mascote oficial do município, em detrimento da serpente. A cobra, animal peçonhento, rastejante, temido, é estigmatizada até na Bíblia. Não é um bicho examente fofo, embora, diferente do humano, ataca somente para se defender.
CASCABEL?
A edição do Pitoco de agosto de 2004, trazia um jornalista colombiano falante em pronunciado portunhol na campanha para mudar o nome da cidade. Ele sugeria trocar para “Cascabel”, ou qualquer outro nome que não mais remeta para a serpente.
“Você batizaria sua filha com o nome Jararaca, Sucuri ou Cascavel?”, questionava Álvaro de La Roche, o “periodista” da Colômbia que visitou a redação do Pitoco duas décadas atrás com o objetivo de rifar a cobra do nome da cidade.
“AMIGÁVEIS E FOFAS”
Houve esforços para produzir cascavéis mais populares. A turma do FC Cascavel desenhou uma versão assustadora, na pegada agressiva das torcidas organizadas, mostrando todo o veneno que o time poderia injetar nos adversários. Agora, em outubro, a turma da Prefeitura desenhou outra cobrinha para divulgar uma corrida de rua.
Mas nenhuma delas consegue monopolizar mais olhares e atrair mais fotógrafos que a capivara gigante de bambu reintroduzida agora no Calçadão como “enfeite de Natal”. Qual o mistério do carisma da capi? A pergunta foi remetida para inteligêcia artificial. E a resposta foi esta:
“As capivaras fazem sucesso com as crianças principalmente por sua aparência dócil, comportamento calmo e zen, além de serem animais com forte apelo visual e cultural no Brasil. Elas são vistas como amigáveis e fofas, o que as torna personagens populares em produtos e mídias sociais, como memes, brinquedos e livros”.
PITACO DO PITOCO
Com todos esses atributos, como a serpente poderá superar o maior roedor do planeta em popularidade? Seria de acatar parcialmente a sugestão do jornalista colombiano e mudar o nome da cidade para “Capivara do Oeste”?
Indiferentes à controvérsia, elas continuam passeando em varas pelo Lago Municipal, deixando redondas lembranças pela pista de caminhada…
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O ovo da serpente
Uma cobra cascavel pendurada em um galho de timbaúva pode explicar o batismo da Capital do Oeste


Na véspera de Cascavel completar 74 anos de emancipação, pede-se uma visita aos escaninhos da história para entender como a cobra foi parar no nome da cidade.
O professor e historiador Vander Piaia não tem dúvida sobre os fatos que geraram o batismo. Ele não quis perguntar quem nasceu primeiro: se foi o ovo ou a serpente. Piaia foi a fonte possível de ser alcançada.
Helberto Edwino Schwarz já era um octagenário na primeira década do presente século quando conversou com o historiador a respeito. Ele foi o segundo prefeito da cidade, ainda nos anos 1950. “O ex-prefeito era uma fonte respeitável do ponto de vista acadêmico e histórico, não só porque gozava de excelente memória e era um cidadão esclarecido, mas também porque estava absolutamente lúcido quando concedeu o depoimento”, enfatiza Piaia.
O historiador acrescenta outro fator para credenciar a fonte: Schwarz manteve contato e ouviu relatos das pessoas que viveram em Cascavel nas primeiras décadas do século passado, gente, portanto, que estava mais próxim dos fatos.
A ORIGEM
Piaia sustenta, com base nos relatos do ex-prefeito, que na primeira década do século passado alguém matou uma cascavel robusta e a pendurou num galho de timbaúva. O local exato ninguém saberá precisar, mas a região sim: às margens de nascentes daquele que mais tarde seria batizado como Rio Cascavel, na Porção Sul do município.
Quem “pendurou” a cobra? Obrageiros, trabalhadores que colhiam erva mate aqui? Caboclos? Piaia sustenta que era um costume caboclo matar serpentes e pendurá-las para depois aproveitar o couro. “Fato é que a cobra ficou pendurada na timbaúva um tempo, e no entorno se formou um lugarejo com três ou quatro casebres onde era possível proteger os poucos viajantes das intempéries e oferecer uma pousada rústica com água fresca das fontes. Logo o lugar ficou conhecido como pouso da cascavel, e daí derivou para o nome da cidade”, explica Piaia.
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Ele bancou a cancela
Íngreme montanha para renovar concessões após pistas políticas interditadas pariu um Ratinho bombado por investimentos de R$ 60 bilhões

Antes ainda de apurar todos os votos da eleição de 2018 já se sabia que Carlos Massa Ratinho Junior seria o governador mais jovem da história do Paraná. Aos 37 anos ele quebrava uma sequência que vinha de décadas revezando sobrenomes como Richa, Dias e Requião.
Não era à base de queijo o prato servido nos primeiros dias de Palácio Iguaçu. Ratinho teria que roer abacaxis. O mais cascudo e espinhoso deles era o pedágio. Concessão de rodovias era algo tão impopular no Paraná, que o jovem governador foi aconselhado a simplesmente descontinuar o sistema assim que os contratos expirassem.
Ratinho recusou o atalho na estrada. E bancou o negócio. Disse que licitaria novamente. E foi além: ampliou a área concedida, o que implica em mais praças de pedágio, inclusive em lugares onde as pessoas nunca tinham visto cancelas, como no Sudoeste do Paraná.
Arrojado sim, político suicida não. Quando o assunto fervilhava, nas ante-vésperas das eleições de 2022, Ratinho pisou no freio. Abriu as cancelas, deixou o tempo e o vento passar, mas sempre sustentando que os leilões viriam.
Reeleito no primeiro turno aos 42 anos de idade com quase 70% dos votos contra o envelhecido Requião (do “abaixa ou acaba”), Ratinho mandou pisar no acelerador e os primeiros leilões fizeram tremer a tábua a marteladas na Bolsa de Valores de São Paulo.
“CASCA DE OVO”
Ratinho envolveu-se pessoalmente na exposição do negócio para potenciais investidores, buscando a competição entre consórcios e empresas com o objetivo de derrubar tarifas. Nem sempre deu certo. No lote 6, justamente o que mais afeta o Oeste e Sudoeste do Paraná, apenas uma empresa apresentou lance, com um desconto “casca de ovo” de 0,08%.
Onde houve competição, como no lote 1, localizado ao Leste do estado, a tarifa por quilômetro ficou 79% mais em conta que no lote 6. A discrepância foi apontada em nota emitida pela Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep).
“O lote 6, que abrange regiões como Oeste e Sudoeste, enfrentam tarifas até 79% mais altas do que o lote 1, o que compromete a competitividade, o desenvolvimento regional equilibrado e a atração de novos investimentos. Uma preocupação que se agrava, ainda, pelo fato de os contratos estabelecerem um degrau tarifário que vai aumentar em até 40% os valores cobrados quando forem concluídas as duplicações previstas”, manifestou a Fiep.
“Missão cumprida”
A conclusão dos leilões de concessões rodoviárias no Paraná ocorreu no último dia 30 de outubro, com o Lote 5 arrematado pela empresa Reune Rodovias Holding II S/A, do Grupo Pátria. Os seis lotes paranaenses somam 3,3 mil quilômetros de estradas estaduais e federais com investimentos previstos de mais de R$ 60 bilhões em obras e operação.
“A conclusão dos leilões das concessões rodoviárias do Paraná encerram um ciclo e uma chaga no Estado, que tinha o pedágio mais caro do País, sem a contrapartida das obras”, destacou o governador Ratinho Junior durante o leilão realizado na Bolsa de Valores (B3).
“A conclusão desse processo traz uma diferença gigantesca de ganho, de escala de segurança para as rodovias e também no bolso dos paranaenses. Para nós, é um motivo de missão cumprida, depois de tanto tempo trabalhando para tirar do papel esses seis lotes”, afirmou o governador.
R$ 7 BILHÕES/ANO
Ratinho Junior destacou que ao longo de 24 anos de contrato das antigas concessões, os investimentos não chegaram a R$ 7 bilhões. Esse é o montante que deve ser aportado por ano pelas novas concessionárias com o novo pacote, que prevê 1,8 mil quilômetros de duplicações, contornos rodoviários e uma série de melhorias em rodovias que atravessam o Estado.
“Passamos 24 anos sofrendo com o pedágio mais caro do Brasil, sem obras e com muitos escândalos de corrupção e demagogia política. Resolvemos dar um basta nisso”, salientou o governador.
PITACO DO PITOCO
Ratinho Junior poderia ter lavado as mãos e transferido o ônus da renovação das concessões para o DNIT, do ministro lulista Renan Filho.
Mas percebeu que também havia um potencial bônus. Então decidiu enfrentar a gritaria.
Obteve R$ 60 bi em investimentos contratados, e se de fato os contratos forem cumpridos, elevam o Paraná para a condição de rivalizar com São Paulo no ranking das melhores rodovias do Brasil.
Resumindo: a montanha íngrime e acidentada do pedágio poderá parir um Ratinho bombado, apto a credenciar-se para vôos políticos ainda mais elevados.
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Impacto na região Oeste
O lote 5 contempla 433 quilômetros de estradas nas regiões Oeste e Noroeste do Estado, conectando Maringá, Campo Mourão, Cascavel e Guaíra. Ele deve receber R$ 6,7 bilhões em obras e melhorias e R$ 5,2 bilhões em despesas operacionais ao longo de 30 anos de contrato.
Os impactos no entorno de Cascavel são robustos. Prevêm a duplicação de mais de 170 quilômetros da rodovia 369 entre Cascavel e Campo Mourão, com obras concentradas nos primeiros nove anos de concessão.Na outra ponta, o contrato prevê duplicar o trecho entre Marechal Rondon e Guaíra, provendo pistas duplas em todo o trecho entre Cascavel e a ponte Airton Senna, sobre o rio Paraná. Haverá obras também na 467, perímetro urbano de Cascavel, com vias marginais, ciclovias e viadutos como no entroncamento da avenida Guaíra com a rodovia.

“Pedágio patriótico”

Entre as 42 praças de pedágio das novas concessões, a que gerou mais ruído está no Oeste do Paraná, mais precisamente entre Cascavel e Toledo.
A praça – ou alternativamente o pedágio eletrônico – foi alvo de iradas manifestações. Em uma delas, o então presidente da Câmara de Cascavel, Alécio Espínola, acorrentouse em protesto.
Alternativas menos dramáticas também foram usadas. Comitivas de políticos adentraram o Palácio do Planalto e visitaram também o então presidente Jair Bolsonaro, na esperança de “demolir” a praça de Sede Alvorada.
Diante do fracasso das tratativas junto ao “Mito”, a turma da esquerda apelidou a futura cancela entre Cascavel e Toledo de “pedágio patriótico”.
Tratativas prosseguiram no governo Lula, mas o ministro Renan Filho (Transportes), extremamente pragmático, barrou todas.
A turma de Brasília, sejam eles canhotos ou destros, quer se livrar das rodovias. Se pudessem, leiloariam todas para a iniciativa privada.
Instado a se pronunciar sobre o episódio, o prefeito de Cascavel, Renato Silva, disse ao Pitoco que não estudou a fundo o balanço final das concessões, mas que “o governador Ratinho Junior nos representa à altura e se ele concordou, está tudo certo”.
Em tempo: o desconto de 23,8% com o qual o Fundo Pátria arrematou o lote 5, estabelece uma tarifa estimada em R$ 10,32 na “cancela patriótica”. Sem choro nem vela…
Por Jairo Eduardo. Ele é jornalista, editor do Pitoco e assina essa coluna semanalmente no Jornal O Presente
pitoco@pitoco.com.br

