Áudios vazados de reunião em Cascavel expõem relações nada republicanas entre lideranças religiosas e candidatos

Dom Mauro Aparecido dos Santos, vítima da Covid-19, não era nenhuma unanimidade no rebanho que liderava, principalmente depois do recrudescimento fanatizante da polarização política. Mas tinha uma qualidade que até seus detratores reconheciam: a autenticidade.
Certa ocasião, em uma capela da porção Norte de Cascavel, ele disse com todas as palavras: “Aqui na igreja a gente não expulsa demônios. E por uma razão muito simples: aqui na igreja demônios não entram”.
Ele fazia alusão as barulhentas sessões de “descapetamento” promovidas com alarido por algumas denominações protestantes. Ouvidos estavam moucos para os alertas do arcebispo.
E o “demônio” da contaminação política encontrou templos de portas escancaradas.
Na semana que passou saltou de zap em zap o áudio de uma “pregação” política do novo presidente da Assembleia de Deus – lotado no templo sede da denominação em Cascavel, Clemerson Silva.
Ele está à frente de uma denominação centenária, que congrega milhares de ovelhinhas por aqui, rebanho disputadíssimo em ano eleitoral.
Silva disse, em reunião com pastores e obreiros, que a igreja tem candidatos em Cascavel. E quem não seguir as orientações será desligado. “Não é imposição, é questão de lealdade”, afirmou.
ESCUTA CLANDESTINA
Certamente o líder político, ou melhor, religioso, não imaginava que poderia haver um “Judas” entre seus comandados, capaz de gravar um evento fechado, de onde não deveria sair um “pio” dado que não pega bem nem mesmo para a mais mansa das ovelhinhas ver templos transformados em comitês eleitorais.
Embora demonizar a política seja um erro, já que historicamente são dadas duas opções para sanar impasses entre quem disputa o poder (ou resolve pela política ou pela barbárie), inegável que a misturança de fé com urna torna o púlpito belicoso.
Além de revelar uma dissidência política capaz de contagiar a irmandade da igreja e afetar a coesão do grupo de forma irreversível, pode haver também complicações com a Justiça Eleitoral e até mesmo na seara trabalhista.
Afinal, o “apelo por lealdade” do pastor pode configurar assédio eleitoral, já que ele está impondo uma decisão política para subordinados, uma relação que vai para além do aspecto religioso, e abarca também vínculos trabalhistas.
A MULHER DE CÉSAR
Na regra geral, nunca se sabe como políticos conquistam o apoio de determinados líderes religiosos. Se foi pela fé inabalável e absoluta lealdade aos pressupostos sagrados daquela denominação, ou se foi por argumento$ mundano$.
Também há incerteza na entrega, caso a transação tenha sido na linha “porteira fechada”. Afinal, todas as ovelhinhas dirão amém e digitarão os números “abençoados” na urna eletrônica?
Não há, nos áudios vazados aqui, evidências que líderes evangélicos tenham trocado apoio por benefícios pessoais. Mas vale lembrar – lastimando o caráter misógino da oração – a frase do imperador romano Júlio César, cunhada 63 anos antes de Cristo: “A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.
De toda a forma, a política partidária e eleitoral sobe ao altar para dividir. E para tirar proveito da fé. Nunca faltarão “cristãos novos” e recém convertidos para obter votos, mandato e dinheiro e trazer de volta a saga dos vendilhões, passagem mencionada no livro sagrado dos cristãs. No fim das contas, em alguns casos, templo é dinheiro. Só dinheiro…
PITACO DO PITOCO
– Civilizações medievais como a do Irã misturaram política e religião, resultando em um estado teocrático sanguinário, dito “conservador”. Lá se prende e se mata mulheres pelo simples fato de não usarem um lenço no cabelo. Há outros grupos na mesma misturança explosiva: Hezbollah, Estado Islâmico, Al-Qaeda, Talibã, Boko Haram, Hamas…
– Cabe aos fiéis entender qual deve ser a relação da política e dos políticos com as igrejas que frequentam. E quais são as bases de entendimento entre a liderança religiosa e o candidato. Afinal, o diabo mora nos detalhe$…
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Moda do “church”
Opevel estima em mais de 400 o número de templos em Cascavel; importação da fé faz igreja virar “church”
Estima-se que entre 25 e 30% dos cascavelenses sejam evangélicos. O recorte vem de uma pesquisa nacional elaborada pelo Instituto DataFolha, já que os números oficiais do Censo 2022 do IBGE para esse quesito ainda não foram divulgados.
A atualização mostra que em pouco mais de duas décadas, o rebanho evangélico quase dobrou de tamanho aqui. No Censo do ano 2000, 77,6% dos cascavelenses se declararam católicos e 16,7% evangélicos.
Segundo o presidente da Ordem dos Pastores de Cascavel (Opevel), Gilvano Souza, já há mais de 400 templos no município. Alguns deles captam ovelhinhas pelas redes sociais, como a Wake Up Church, no bairro Cancelli. No perfil da denominação no Instagram, há mais de 12 mil seguidores.
“Agora é moda usar o nome church. Nas capitais é muito comum, aqui está começando”, diz o pastor Alcione Gomes. Segundo ele, igrejas como a WakeUp surgiram nos EUA adaptando a linguagem para um público mais jovem, com uso intensivo das redes sociais, louvor e paredes pretas para potencializar captação de fotos e vídeos.
Por Jairo Eduardo. Ele é jornalista, editor do Pitoco e assina essa coluna semanalmente no Jornal O Presente