“Naquela noite, o anjo do Senhor foi ao acampamento assírio e matou 185 mil soldados assírios. Quando os sobreviventes acordaram na manhã seguinte, encontraram cadáveres por toda parte”.
O fragmento atribuído ao profeta Isaías destaca intervenção divina num cerco mal-sucedido à cidade de Jerusalém comandado por Senaqueribe, rei da Assíria. A passagem também ocorre em 2Reis.
Não é a primeira vez, e possivelmente não será a última, que um texto bíblico motiva expedições arqueológicas, e que, ao final, pode confirmar as narrativas de livros sagrados. Por outro lado, costumam surgir questionamentos sobre a veracidade de passagens das Escrituras consideradas como extraordinárias, ou nas quais se atribui intervenção sobrenatural.
O assunto em destaque recebeu atenção recente em várias mídias especializadas, e converge com as palavras do profeta. Seguindo pistas adicionais encontradas em registros históricos, como mapas antigos e um desenho esculpido em uma parede de pedra, o arqueólogo Stephen Compton diz ter encontrado o local onde teria ocorrido há 2.700 anos o evento registrado por Isaías.
O artigo relacionado ao estudo foi publicado recentemente na revista Near Eastern Archaeology. Em suas pesquisas, Compton diz ter descoberto bases militares de 700 a.C. que correspondem ao período do cerco de Senaqueribe a Jerusalém. Acredita-se que, nesse acampamento, o exército assírio se preparava para tomar Jerusalém.
Os vestígios do suposto acampamento foram identificados com base em fotografias aéreas da área conhecida hoje como Colina da Munição, em território de Israel. O resultado da pesquisa de Compton pode auxiliar no trabalho de outros arqueólogos que se dedicam a encontrar evidências de passagens bíblicas. Os pesquisadores podem, agora, utilizar métodos parecidos com os aplicados por Compton para descobrir outros acampamentos militares e antigas cidades destruídas pelo exército assírio.
É curioso constatar que a Colina da Munição, local que se identifica com o antigo acampamento assírio, foi no século 20, um entreposto militar fortificado da Jordânia na parte Norte da Jerusalém Oriental (ocupada pela Jordânia) na encosta do Monte Scopus. Foi o local de uma das batalhas mais sangrentas da Guerra dos Seis Dias no ano de 1967.
No ano de 1930, quando os britânicos ocupavam a região, tinham construído na colina um depósito de munição que foi tomado pela Legião Árabe da Jordânia na guerra da independência de Israel, em 1948. Uma brigada de paraquedistas israelenses conquistou a colina mais tarde durante a Guerra dos Seis Dias.
Não deixa de ser trágico constatar que depois de mais de dois milênios e meio, o cenário que envolve a cidade de Jerusalém e arredores continua explosivo e sem perspectivas de pacificação, sob um ponto de vista humano. Sustentado por bilhões de dólares, permanece em pauta o anacrônico “olho por olho”.

Por Tarcísio Vanderlinde. O autor pesquisa sobre povos e culturas do Oriente Médio.
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