O Presente
Tarcísio Vanderlinde

Como uma luva

calendar_month 3 de fevereiro de 2023
3 min de leitura

Excertos sobre traduções presentes na “Bíblia de Jerusalém” nos informam que o livro Eclesiástico – diferente do Eclesiastes – faz parte da Bíblia grega, mas não figura no cânon judaico. Contudo, é um dos livros bíblicos, denominados deuterocanônicos, admitidos no âmbito do cristianismo.

Jerônimo, um dos tradutores da Bíblia, conheceu o texto do Eclesiástico no original e os rabinos o citaram. Fragmentos do escrito foram encontrados nas cavernas de Qumran, no deserto da Judeia junto a outros textos bíblicos.

Segundo a paleografia, o texto já era utilizado em comunidades cristãs primitivas. O autor conhecido como Ben Sirac possivelmente tenha redigido o livro em Alexandria, entre 180 e 175 a. C..

Martinho Lutero refletiu sobre os livros deuterocanônicos, os quais outros teólogos consideravam ser livros com pouca autenticidade. Apesar de não considerá-los inspirados, o reformador não deixou de recomendar a leitura dos mesmos, pois via neles muitos ensinamentos práticos para a vida.

O texto de Sirac revela um autor atento ao cotidiano de sua época. Tirou dali lições que promoviam boa educação e uma vida equilibrada aos seus leitores. Ao se debruçar sobre o texto, o leitor do século XXI se surpreenderá com sugestões que ultrapassaram mais de dois milênios e estão hoje presentes nos compêndios jurídicos ou na linguagem popular.

O Estatuto do Idoso, por exemplo, pode ser sentido no Eclesiástico, nas recomendações sugeridas aos filhos sobre o cuidado com seus pais: “Filho, cuida de teu pai na velhice, não o desgostes em vida. Mesmo se a sua inteligência falhar, sê complacente com ele, não o menosprezes, tu que estás em pleno vigor”.

A força do ditado popular de que “o peixe morre pela boca” aparece num fragmento assim parafraseado: “Sê pronto para escutar, mas lento para dizer a resposta. Se sabes algo responde a teu próximo; se não, põe a tua mão sobre a boca. Honra e confusão acompanham o loquaz (falador) e a língua do homem é a sua ruína”. Outra paráfrase do provérbio aparece no texto canônico de autoria de Tiago. Para Tiago, a língua sem controle é capaz de provocar grandes incêndios. 

Além disso, o livro de Sirac é rico em lembretes sobre o cultivo da amizade: “Um amigo fiel é um poderoso refúgio, aquele que o descobriu, descobriu um tesouro”.

As recomendações também alertam sobre as amizades de conveniência. Uma das citações, por exemplo, cabe como uma luva no mundo sustentado pelas inquietas redes sociais do século XXI: “Sejam numerosas as tuas relações, mas os teus conselheiros, um entre mil”.

Uma das Cavernas de Qumran, onde foram encontrados fragmentos do livro Eclesiástico (Foto do autor)

Por Tarcísio Vanderlinde. Ele é professor sênior da Unioeste

tarcisiovanderlinde@gmail.com

 
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