Não são poucas teses acadêmicas que se utilizaram de textos bíblicos como fontes ou objetos de investigação. Numa delas, cujo objetivo foi construir uma análise semiótica dos livros do Antigo Testamento, a autora se rende ao que chama de “sentidos ocultos” presentes nos textos. Em conclusão, observa: “O discurso que se manifesta nos livros do Antigo Testamento está cheio de sentidos ocultos, que nos fascinam e nos escapam, não permitindo nunca uma apreensão definitiva”.
Em incertos dias, a leitura de textos antigos descortinam sendas de luz. É o que revela por exemplo o livro do Eclesiastes. Eclesiastes integra os textos sapienciais da Bíblia junto aos livros de Jó, Provérbios, Salmos, Cântico dos Cânticos, Sabedoria e Eclesiástico. Os dois últimos considerados não canônicos por algumas vertentes do cristianismo, mas repletos de ensinamentos.
O texto do Eclesiastes é instigante. Aparentando um pessimismo exagerado, é possível perceber que a força do novo deslumbrava a todos, menos o autor da obra. O mundo continuava cheio de injustiças, a tomada do poder político não garantia mudança, a riqueza e a razão filosófica continuavam enganosas e, ao final, ricos e pobres, sábios e ignorantes, humildes e arrogantes, partiam todos para um mesmo lugar.
Às vezes não se tem muita clareza da época em que determinado texto bíblico foi escrito. Contudo, os estudos demonstram que fragmentos da Epopeia de Gilgamés, texto conhecido no antigo império babilônico, e datado de 2000 a.C., encontram-se presentes no Eclesiastes. A questão é: onde eles se aproximam e onde se diferenciam?
Eclesiastes e a Epopeia de Gilgamés discorrem sobre a mesma questão humana: como é possível viver quando a vida aparentemente não faz muito sentido? A despeito da ligação literária entre elas, as duas obras pertencem a mundos com cosmovisão diferentes. A Epopeia convoca os leitores a desfrutar a vida, mas não apresenta nenhuma fonte de esperança duradoura. Em Eclesiastes, os enigmas e os aborrecimentos da vida são temperados pela esperança que subsiste quando o indivíduo se lembra de Deus e o teme:
“Em meio a tantos sonhos absurdos e conversas inúteis, tenha temor de Deus”, ou: “O ímpio pode cometer uma centena de crimes e, apesar disso, ter vida longa, mas sei muito bem que as coisas serão melhores para os que temem a Deus, para os que mostram respeito diante dele”. E por fim: “Agora que já se ouviu tudo, aqui está a conclusão: tema a Deus e obedeça aos seus mandamentos, pois esse é o dever de todos. Deus nos julgará por todos os nossos atos, incluindo o que fazemos em segredo”.

Por Tarcísio Vanderlinde. O autor pesquisa sobre povos e culturas do Oriente Médio.
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