O Presente
Tarcísio Vanderlinde

Está difícil

calendar_month 25 de julho de 2025
3 min de leitura

“Naquela época não havia rei em Israel; cada um fazia o que lhe parecia certo”. A citação sintetiza fase vivida pelo povo de Israel durante aproximadamente 350 anos, que se encerrou por volta de 1050 a. C.  Foi um longo período de carência de governança. A narrativa chama atenção para os repetidos desvios de Israel e da triste decadência nacional, um dos períodos mais lamentáveis da história daquele povo.

Pouco se sabe sobre o autor da narrativa que conta essa história. O Talmude judaico informa ser Samuel o escritor, contudo é provável que profetas como Gade e Natã tenham também colaborado na editoração do material. Após conflitos intermitentes de aproximadamente 200 anos com os filisteus, a governança voltou a ficar mais ou menos sob controle no reinado de Davi. No entanto, se olharmos para aquele cenário no tempo presente, a situação parece não ter mudado muito.

Com semelhanças e/ou diferenças, as circunstâncias históricas vividas naquele território há cerca de 3.000 mil anos, permite metáforas sobre nosso inquieto tempo. Neste caso, a situação temporal não se restringe mais à escala regional do Oriente Médio. A obscura escala tem hoje alcance global. É uma “surpresa” a cada dia. Qualquer projeção política, social ou econômica sobre cenários em qualquer extensão, pode se esvaziar rapidamente na proporção da frequência dos tsunamis de “informações” que nos assediam. É um desafio separar o verdadeiro do falso. No fim, acabamos sendo induzidos a acreditar naquilo que queremos acreditar.

No contexto, vive-se um período complexo de clima eleitoral permanente em nossa nação. Qualquer aceno amistoso, por exemplo, corre o risco de ser interpretado com desconfiança: “Tá me olhando por que?” A fera anda solta! Nesse ambiente costuma-se ficar refém de fakes, baixarias, juízos apressados e ranger de dentes. Há quem se divirta com isso infelizmente. Vive-se a fase imperial das redes antissociais. No ambiente familiar, muitos se aquietam para não dividir ainda mais a família ou perder amigos. Quiçá pudéssemos atravessar o vale da esquizofrenia e entrarmos num tempo mais saudável, mas está difícil.

Afora o incontornável sermão do monte proferido por Jesus, um instrumental atenuante para situações como estas, poucas palavras são capazes de revelar maior senso de humanidade do que aquelas proferidas há quase um século por Carlitos, o palhaço mais conhecido do século XX:

“Desejamos viver para a felicidade do próximo, não para o seu infortúnio. Porque havemos de odiar – desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades. O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens… levantou no mundo as muralhas do ódio… e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria”.

O fragmento integra a cena do “Último discurso” no filme “O grande ditador” estrelado por Charles Chaplin em 1940. De acordo com o discurso, o caminho para superar a penúria parece de fato simples. Acaba, porém, sendo obstaculizado pela soberba: atributo humano considerado indesejável, normalmente mais perceptível nos outros. Sendo assim, ficamos por ora marcando passo sem previsões alvissareiras. É complexo lidar com a soberba.

(Imagem: Cena do “último discurso”: acessável em revistaforum.com.br)

Por Tarcísio Vanderlinde. O autor pesquisa sobre povos e culturas do Oriente Médio.

tarcisiovanderlinde@gmail.com

@tarcisio_vanderlinde2023

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