O Presente
Tarcísio Vanderlinde

Ghostwriters de Deus

calendar_month 18 de outubro de 2024
3 min de leitura

Não sem polêmicas, tem chamado atenção livro publicado pela historiadora Candida Moss, professora de teologia da universidade de Birmingham, Reino Unido. Trata-se do texto que em tradução livre se intitula “Ghostwriters de Deus: Cristãos Escravizados e a Criação da Bíblia”.

A expressão “Ghostwriters” se popularizou a exemplo de outras tantas palavras do inglês sem carecer de tradução. Literalmente significa “escritor fantasma”, pessoa qualificada que empresta ou vende serviços de escritor sem aparecer como autor do texto. Muitos políticos costumam assinar textos escritos por Ghostwriters.

O livro escrito por Moss levanta um assunto que não é de todo desconhecido, mas que pode surpreender quem não se importa muito com a origem dos textos bíblicos. A tese da autora, é que durante o Império Romano, pessoas escravizadas teriam tido um papel importante, porém pouco reconhecido na criação e disseminação do texto que hoje é reconhecido como o Novo Testamento da Bíblia.

Em entrevista recente publicada pela BBC News Brasil, a historiadora afirma que pessoas escravizadas auxiliaram os discípulos de Jesus a redigir textos bíblicos e a espalhar a mensagem das Boas Novas pelo Império Romano. À época, não havia mais de dez por cento de pessoas alfabetizadas, algo que evidentemente incluía os primeiros cristãos. Por outro lado, problemas de artrite e de visão dificultavam o exercício da leitura e da escrita mesmo entre os alfabetizados. 

A historiadora explica as circunstâncias em que o trabalho da escrita acabava caindo em mãos de pessoas escravizadas. Compor e criar textos era um trabalho cansativo que os membros da elite não queriam fazer, e que a maior parte da população não tinha como fazer. Assim, a tarefa cabia geralmente a pessoas escravizadas que eram alfabetizadas desde jovens para desempenhar a função de secretários, escribas, leitores e mensageiros.

No contexto, o fato de alguém ser identificado como autor de um texto, não significava que tinha escrito com suas próprias mãos. Comumente a obra era ditada para pessoas escravizadas ou, em alguns casos, que haviam sido libertas mas, que não eram totalmente livres.

A historiadora observa que a influência dessa prática pode ser identificada, por exemplo, nas cartas do apóstolo Paulo, onde ele se utiliza de auxiliares para escrever. No último capítulo da Carta aos Romanos (NVT), por exemplo, o assessor de Paulo escreve: “Eu, Tércio, que escrevo esta carta para Paulo, também envio minhas saudações no Senhor”. Neste caso, Tércio não foi genuinamente um ghostwriter, seu testemunho, contudo, serviu para fortalecer a tese de Moss.

“O escriba”. Óleo  de George Cattermole (1800-1868). Acessável em: pt.wahooart.com

Por Tarcísio Vanderlinde. O autor pesquisa sobre povos e culturas do Oriente Médio.

tarcisiovanderlinde@gmail.com

@tarcisio_vanderlinde2023

 
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