A última assembleia geral da ONU revelou um cenário global desesperador. Está difícil apontar saídas para as crises conjunturais que afetam o planeta. Ouviu-se, inclusive, retórica anacrônica de que a ONU precisaria ser reinventada. O problema é que parece que ninguém sabe dizer como fazer isso com a confiabilidade requerida.
Com apelos por conscientização, em decorrência das mudanças climáticas, e pelo fim de duas grandes guerras em curso no mundo (há mais de 50 outros conflitos menores), o discurso de Antônio Guterres, secretário geral da ONU, revelou impotência diante do caos. Caos que estranhamente vamos nos acostumando. Comprometemos a qualidade de vida no planeta, e não conseguimos viver sem conflitos. Paz, só se obtiver alguma vantagem em troca.
Nesse impasse, um sentimento de tristeza toma conta de pessoas, que em brechas pacíficas tiveram o privilégio de pôr o pé na Terra Santa, ambiente milenar hoje marcado por conflitos sem perspectivas de solução entre os territórios de Israel e Palestina.
A mutante geografia da Terra Santa é marcada por memórias que se mesclam e reforçam o imaginário de judeus, muçulmanos e cristãos. Jesus, que é citado no Alcorão, aproveitou a geografia do lugar para ensinar através de parábolas e alegorias. Montes e vales que formam o cenário bíblico foram locais onde se compartilharam experiências e ensinos que atravessaram milênios e chegaram até nós através dos escritos bíblicos.
Do monte Sinai, no Egito, ao monte Hermon, na inconsolidada fronteira Norte do atual Estado de Israel (agora em tensão extrema com o Hezbollah), o relevo formado por montes e vales, planaltos e planícies, contam histórias que nos ajudam a superar dificuldades do dia a dia e nos estimulam a uma convivência pacífica durante nossa jornada com final impreciso na Terra. Em nenhuma outra literatura se encontrarão metáforas tão fortemente construídas a partir da geografia do lugar, e que tiveram um alcance mundial tão impactante como aquelas que se encontram na Bíblia.
Procedente de Eilat, extremo Sul de Israel, ao final da tarde do dia 20 de maio de 2014, avistamos pela primeira vez a cidade do grande Rei. Nosso guia nos levou a um lugar elevado nas adjacências da cidade para que pudéssemos ter uma visão panorâmica de Jerusalém. Ali, enquanto observávamos a cidade, participamos de uma cerimônia judaica de boas-vindas.
Distribuiu-se uma taça com uma porção de vinho aos visitantes. A seguir, o guia recitou uma oração em hebraico solicitando que repetíssemos as palavras: “Baruch atah Adonai eloheinu, melekh ha‘olam, shehecheyanu v’kimanu v’higianu lazman Hazeh” (Bendito sejas, Adonai, nosso Deus, Rei do Universo, que nos mantivestes vivos, preservaste-nos e nos fizeste chegar a este momento).
No último shabat de setembro de 2024, um míssil balístico dos houthis, capaz de voar oito quilômetros por segundo, foi interceptado sobre os céus de Jerusalém, poucos instantes antes de atingir o alvo. Na terça-feira (1.10.24) choveram desses mísseis procedentes do Irã. Lá em baixo; muçulmanos, judeus e cristãos de confissões diversas. Também os que se identificam como palestinos, árabes, libaneses, drusos, armênios, iranianos, russos, brasileiros, além de outras nacionalidades. Ainda por ali, agnósticos sinceros, hipócritas, oportunistas, traidores, culpados, inocentes, convertidos, pecadores, arrependidos. Difícil fazer operações cirúrgicas de guerra!
O judeu Yeshua Hamashia, mais conhecido entre os cristãos por Jesus Cristo, esteve certa ocasião com seus discípulos em terras do Líbano. Ali acabou tendo um encontro inesperado com uma mulher que lhe implorou insistentemente para que expulsasse um espírito maligno que atormentava sua filha. Anteriormente, ele havia discursado para uma multidão à beira mar na Galileia: “Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus”.

Por Tarcísio Vanderlinde. O autor pesquisa sobre povos e culturas do Oriente Médio.
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