Astrolábio, sextante e bússola são instrumentos de localização e navegação que antecederam o revolucionário Sistema de Posicionamento Global, o popularíssimo GPS, e alguns outros sistemas que daí derivaram.
Descobriu-se, entretanto, que o GPS, apesar de sua credibilidade, pode nos levar às vezes por caminhos não desejados. Diante disso, o eventual uso de algum instrumento de localização ancestral não pode ser totalmente descartado. Existem muitas fragilidades no âmbito da mega transição tecnológica que nos aprisionou.
A identificação de um exemplar dos tataravôs do GPS, o astrolábio, e o que se descobriu gravado nele, traz oportunas informações do passado. Trata-se de uma peça que remonta ao século XI d. C. e exibe inscrições em árabe, hebraico e em idioma ocidental.
O instrumento servia para calcular o tempo, medir a altura e posição dos astros no céu em relação ao horizonte e permitir uma navegação mais segura. Foi amplamente utilizado pelos praticantes das três grandes religiões monoteístas desde tempos antigos, ou seja: muçulmanos, judeus e cristãos.
No mundo tumultuado do GPS, marcado por eventos climáticos extremos e por desencontros étnicos, políticos e religiosos, a identificação de uma dessas peças por pesquisadora da Universidade de Cambridge (Reino Unido), num museu da cidade de Verona (Itália), parece trazer instigantes mensagens para os dias atuais.
Padrões árabes identificados na peça apontam para a região de Andaluzia (Espanha), durante o século XI. Naquele período a área era governada pelos muçulmanos. As linhas de orações muçulmanas gravadas na relíquia de metal serviam para auxiliar o usuário original a observar os horários das orações diárias, bem como a direção em que as orações deveriam ser proferidas.
Outra inscrição em árabe aponta a latitude de Toledo (Espanha), sugerindo a possibilidade de fabricação do astrolábio naquela localidade, período em que a cidade era habitada por significativas comunidades de muçulmanos, judeus e cristãos. Inclui ainda nomes que podem ser de origem judaica escritos em árabe, o que sugere que o astrolábio possa ter circulado em algum momento entre a comunidade judaica de língua árabe na Espanha.
De acordo com a revista científica Nuncius, a análise do objeto indica ter havido uma “troca inter-religiosa”. As inscrições revelam que o instrumento foi utilizado em viagens pelo Norte da África, retornando posteriormente para a comunidade judaica europeia. Os numerais ocidentais que aparecem no objeto permitem acreditar que o aparelho tenha passado por mãos da comunidade cristã de Verona.
Conforme a pesquisadora, fica evidente que o astrolábio testemunha contatos pacíficos entre árabes, judeus e europeus no período medieval e início da modernidade. As inscrições, enfim, identificadas no objeto jogam luzes para o inquieto mundo do início do século XXI.

Por Tarcísio Vanderlinde. O autor pesquisa sobre povos e culturas do Oriente Médio.
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