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“O Brasil chegou na COP26 com indicadores péssimos do ponto de vista ambiental”, afirma pesquisadora do Imazon

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Reprodução/Flickr Ministério do Meio Ambiente

Desmatamento, mudanças climáticas, desastres naturais e aumento da temperatura da Terra foram alguns dos temas discutidos por líderes mundiais durante a COP26 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021), que aconteceu entre os dias 1 e 12 de novembro na cidade de Glasgow, na Escócia.

A conferência é uma das mais importantes do mundo na questão climática e busca mitigar por meio de acordo mundiais possíveis catástrofes ambientais, além de reduzir a emissão de gases do efeito estufa. A convenção reuniu cerca de 200 países para rever compromissos firmados no Acordo de Paris e discutir novas agendas para proteção ambiental.

A participação do Brasil na COP26 pode ser considerada tímida. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não participou da conferência. No dia da abertura, enviou apenas um vídeo no qual afirmou que “o Brasil é parte da solução para superar esse desafio global. Os resultados alcançados por nosso país até 2020 demonstram que podemos ser ainda mais ambiciosos”.

Ele estava na Itália, onde visitou o município de Anguillara Vêneta após participar da cúpula do G20, em Roma. O chefe do Executivo recebeu um certificado de cidadania honorária.

O Brasil foi representado na COP pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite. Cerca de dez governadores também estiveram presentes para contrapor a imagem negacionista ambiental do governo federal, são eles: Camilo Santana (CE); Carlos Moisés (SC); Eduardo Leite (RS); Hélder Barbalho (PA); João Doria (SP); Mauro Mendes (MT); Paulo Câmara (PE); Renato Casagrande (ES); Romeu Zema (MG); Wellington Dias (PI).

Ao site da TV Cultura, a pesquisadora Brenda Brito, do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), falou sobre as ações propostas pelo governo brasileiro e o futuro do meio ambiente no país.

A pesquisadora ressalta que o Brasil perdeu a capacidade de liderança ambiental nos últimos anos, durante o governo de Jair Bolsonaro. O número de desmatamento e queimadas aumentaram consideravelmente. O Fundo Amazônia, que recebia doações estrangeiras para proteção da floresta, teve o recurso bloqueado no primeiro ano do mandato do chefe do Executivo, por conta da destruição acelerada da Amazônia.

A Alemanha e a Noruega interromperam as doações enquanto o país não apresentava redução no desmatamento.

“O Brasil chegou na COP com indicadores péssimos do ponto de vista ambiental e com a ausência do presidente no momento em que era uma retomada da Conferência do Clima. A COP é uma reunião com vários líderes mundiais e se fazia necessária ter uma liderança do Brasil, caso quisesse mostrar uma agenda de retomada de liderança ambiental, de negociações. Mas não vimos isso na COP”, diz Brenda.

A principal promessa apresentada pelo Brasil na conferência foi sobre a redução da emissão dos gases do efeito estufa. O governo afirmou que reduzirá em 50% as emissões dos gases associados até 2030 e a neutralização das emissões de carbono até 2050.

Apesar de parecer positivo, a pesquisadora explica que medida pode ser vista como uma “pedalada ambiental”, uma vez que é a mesma promessa firmada durante o Acordo de Paris, em 2015.

Em 2020, o governo realizou uma atualização do compromisso que previa uma redução dos 43% até 2030, no entanto, a base de cálculo aumentou. Com isso, o percentual de redução teria que ter subido, uma vez que a regra de cálculo também foi alterada, segundo entendimento da pesquisadora.

“Precisaria ter aumentado o percentual. Algumas análises que foram feitas mostram que no máximo isso vai equiparar ao compromisso de 2015. Agora ele estaria consertando o compromisso de 2015, não é um novo compromisso, e mesmo que seja uma equiparação, isso não é ambição e vai contra o Acordo de Paris. Eu não posso chegar e mostrar progresso de uma coisa que já fiz antes, isso está contra as regras que foram definidas pelos próprios países”, ressalta.

Com a meta definida, os valores ficam da seguinte forma:

2015: 2,1 bilhões de toneladas de CO2, cerca de 43% = 1,2 bilhão de toneladas de CO2;

2020: 2,8 bilhões de toneladas de CO2, cerca de 43% = 1,6 bilhão de toneladas de CO2;

2021: 2,4 bilhões de toneladas de CO2, cerca de 50% = 1,2 bilhão de toneladas de CO2.

Para Brenda, a “nova” meta não é ambiciosa e não resolve os problemas ambientais do Brasil.

De acordo com o último levantamento publicado pelo INPE (Instituto de Pesquisas Espaciais), na sexta-feira (11), houve recorde de alertas de desmatamento na Amazônia no mês de outubro. Uma área de 877 km² está sob alerta, o que corresponde a um aumento de 5% comparado a 2020.

A Amazônia Legal é a área de atuação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, correspondendo a cerca de 59% do território brasileiro. A região é composta por municípios de oito estados, sendo eles: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão.

Segundo o Imazon, houve recorde de desmatamento na Amazônia em 2020. A floresta perdeu entre janeiro e dezembro 8.058 km² de área verde, o número é o maior dos últimos dez anos. Em comparação com 2019, o acréscimo foi de 30%, quando foram derrubados 6.200 km².

“Precisamos voltar a fazer o que a gente fazia antes, que é aplicar a linha ambiental, reconhecer direitos indígenas, quilombolas, criar unidades de conservação e retirar o estímulo ao desmatamento. O Brasil sabe o que fazer para reduzir o desmatamento, porque isso já foi feito. Houve uma redução de 80% da taxa anual de desmatamento em 2012 em comparação com 2004. Em 2012, havia um desmatamento de 5km². Durante esse período, houve um conjunto de fatores e de medidas que foram adotados para que essa redução fosse possível de acontecer em um curto espaço de tempo”, conta Brenda.

A pesquisadora ainda ressalta a importância de ter mais eficiência no comando e controle contra atos ilegais, além da ação de inteligência, de fiscalização, uso de sistemas do Inpe e, principalmente, aperfeiçoamento da legislação ambiental.

O desmatamento contribui diretamente para o aumento da temperatura da Terra. O tema gera preocupação entre especialistas e entidades. Brenda explica que a COP começou com compromissos para um aumento de temperatura de 2° até o final do século. “Se tudo que foi anunciado for formalizado e cumprido, isso poderia deixar a gente em uma rota de 1.8°”, diz a integrante do Imazon. No entanto, a meta para os especialistas é 1.5°

“A diferença é significativa, mesmo que você esteja falando só de meio grau, isso já vai ter um nível de impacto muito grande do ponto de vista global, de eventos extremos”, completa Brenda.

Mercado de Carbono

Enquanto acontecia a COP26, o Congresso brasileiro discutiu uma proposta sobre o Mercado de Carbono.

O Projeto de Lei 528/21 foi apresentado pelo vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), e institui o MBRE (Mercado Brasileiro de Redução de Emissões) e regulamenta a compra e venda de créditos de carbono no país.

Segundo a relatora da proposta, Carla Zambelli (PSL-SP), “as regiões Sudeste e Sul estão preparadas para receber essa obrigatoriedade do crédito de carbono do mercado de carbono. Porém, as regiões Norte e Nordeste não estão preparadas por enquanto. E o que poderia acontecer? O problema é as regiões mais pobres do país acabarem tendo que pagar para as regiões mais ricas”.

O mercado de carbono é um mecanismo que autoriza a venda de créditos por países que limitam as emissões dos gases de efeito estufa para nações com maiores dificuldades de cumprir as metas de redução. “Basicamente é você comprar uma permissão de emissão de alguém que conseguiu reduzir a mais”, explica Brenda.

A proposta ainda não foi votada pela Câmara dos Deputados, pois Joaquim Leite pediu o adiamento da análise ainda durante a conferência. Segundo ele, o projeto deve ser votado quando houver uma regulamentação de um mercado de carbono global.

A decisão gerou mal-estar entre os políticos representantes na COP, pois Marcelo Ramos pretendia anunciar a aprovação da medida durante o encontro com os líderes.

“Ainda falta muita discussão sobre o projeto. A versão inicial apresentada era fraca. O que me parece que esta versão colocada pela relatora não é necessariamente a que os atores contribuíram e que poderia ser uma versão mais interessante. A discussão precisa ser mais fortalecida, é um tema bastante técnico em que muitas decisões podem afetar para ser uma opção ou muito boa ou muito ruim”, argumenta Brenda.

Para a pesquisadora, é necessário mais conversa e discussão técnica para se chegar em um projeto mais consistente e qualificado.

Em contramão do mundo durante a pandemia, o Brasil registrou aumento de emissões de CO2. Houve acréscimo 9,5% nas emissões de gases poluentes em 2020, de acordo com dados do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), do Observatório do Clima. A média global sofreu uma queda de 7%.

“Se a gente tiver governos comprometidos com o meio ambiente, com conservação e redução do desmatamento, tem muita coisa que a gente vai conseguir fazer. O Brasil vinha em uma rota e acabou. Isso descontrolou o aumento do desmatamento, agora é refazer muito do que foi destruído. Além do retrabalho, o país precisar avançar em mais outras coisas”, reitera Brenda.

 

Com Rede Cultura

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