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Geral O cão de Medianeira

Três décadas à frente da Lar, Irineo Rodrigues é um dos homens mais influentes da Costa Oeste

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Diretor-presidente da Lar, Irineo Rodrigues (centro): quebrando paradigmas. Aqui, presidindo a assembleia em que foi constituída a Lar Credi (Foto: Divulgação/Lar)

Segundo o Dicionário Informal, site que “traduz” expressões populares, “cão de Medianeira” significa “pessoa poderosa, a melhor no que faz, que mete medo nos outros, que todos respeitam”.

Então, se alguém faz uma proeza homérica, algo realmente destemido, intimidador, ousado e até mesmo controverso, vem a expressão: “Esse cara é o cão de Medianeira!”.

É necessário introduzir a reportagem que traça o perfil de um poderoso com essa explicação. Até porque, mesmo em Medianeira, a cidade citada na expressão popular, muita gente nunca ouviu essa frase e desconhece seu contexto.

Naquele significado do Dicionário Informal, o cão de Medianeira é Irineo da Costa Rodrigues, o todo-poderoso presidente da cooperativa Lar, nome mais conhecido da cidade depois de outro, digamos, “gato de Medianeira”, Michel Teló. Nada impede que as pessoas tenham outra ideia a respeito de Irineo, ou outro significado para a expressão canina. Fato é que o engenheiro agrônomo agigantou-se com movimentos arrojados desde aquele 08 de janeiro de 1991, quando assumiu a presidência da Cotrefal, nome anterior da Lar.

Ele mudou tudo, inclusive o nome da cooperativa. Quebrou paradigmas, “invadiu” territórios, arrombou porteiras, “tratorou” tudo o que havia à frente de seus objetivos.

O 3º Reich, na primeira metade do século passado, enxergava na conquista do espaço vital a supremacia ariana. Daí a tresloucada invasão da Polônia, que deflagrou a 2ª Guerra Mundial, e depois do vasto território da União Soviética, rasgando o acordo de não agressão firmado com o ditador Josef Stalin.

Hitler foi derrotado pela ambição desmedida, crivada de loucura, e pelo exército soviético. A queda do 3º Reich começou em Stalingrado. Irineo será contido na sua obsessão pelo espaço vital? A propósito, é necessário contê-lo? Ou ele está simplesmente cumprindo o papel para o qual foi reconduzido inúmeras vezes, sem oposição?

 

DONO DE UMA MEMÓRIA PAQUIDÉRMICA

“O presidente é um homem hábil politicamente, dono de uma formação técnica de excelência, faz conta de cabeça como ninguém, é dono de uma memória paquidérmica”, disse uma das seis fontes em que o Pitoco sorveu informações para esse perfil sem amores nem rancores do presidente da Lar.

Obviamente, as fontes serão preservadas.

Irineo é o homem mais poderoso da Costa Oeste, e avançou seu exército recentemente para territórios até então entendidos como pertencentes à C.Vale, Coopavel ou Copacol. E ninguém quer briga com ele em Medianeira.

O último que o desafiou, um ex-funcionário da Lar, acusando-o de manipular assembleias e descumprir o estatuto, foi levado às barras da Justiça e precisou implorar clemência, retirando o que acusou, apagando posts, e desdizendo o que disse.

Irineo não tem frescura para demitir, lembra um pouco aquele programa que consagrou Donald Trump, em que a frase mais esperada era: “Você está demitido!”. Quando assumiu a então Cotrefal, Irineo percebeu mais chefes que índios nas repartições.

Demitiu chefetes, aboliu cargos, promoveu uma ampla reforma administrativa. O poderoso chefão não tem problema em demitir quem o decepciona. Recentemente, demitiu um funcionário de carreira com 30 anos de casa pelo WhatsApp.

E, lá atrás, deu um comando claro para o quadro associativo: verticalização da produção. O agricultor não poderia mais depender do humor de São Pedro, tentando sobreviver à inconstância de preços da monocultura da soja ou do milho.

Sob nova direção, a cooperativa direcionou a máquina para estimular a diversificação das pequenas propriedades, ofertando no portfólio a suinocultura, avicultura e produção leiteira.

A versão “cão de Medianeira” avançava. Trocou o nome da cooperativa, expandiu o território para o Mato Grosso do Sul, inaugurou uma suntuosa sede às margens da BR-277 e um anfiteatro gigantesco para as assembleias com milhares.

Dali a pouco, lançou um olhar na cereja do bolo, a Capital do Oeste do Paraná, Cascavel, onde havia um espaço vazio: o frigorífico arrendado para a Globoaves.

Aqui há diferentes versões para os fatos. E como as decisões são tomadas em salas herméticas, com raras testemunhas, é difícil cravar qual é a mais verossímil: Irineo derrubou as porteiras de Cascavel contra a vontade da direção da Coopavel, ou, como ele diz, dialogou antes com o presidente Dilvo Grolli? Vai saber…

Verdade é que dali a pouco o logotipo com o coraçãozinho da Lar já aparecia nas placas em frente às propriedades no vasto interior de Cascavel. Um novo território estava ocupado. E hoje o frigorífico gera mais de três mil postos de trabalho.

 

Vistosa sede da Lar em ponto elevado às margens da BR-277: sem essa de prédio velho (Foto: Divulgação/Lar)

 

EM MARECHAL RONDON, A COPAGRIL

Algo semelhante ocorreu neste ano. Em Marechal Cândido Rondon, a Copagril era outro espaço vital a ser ocupado. Naturalmente, pela divisão territorial, por proximidade, a cooperativa rondonense estaria na área de influência da C.Vale, ou mesmo da Copacol.

Nada! Porteira no chão! Irineo arrematou os principais ativos da Copagril: a fábrica de rações e o frigorífico de abate de aves por mais de R$ 400 milhões.

 

ONDE VAI PARAR O “CÃO DE MEDIANEIRA”?

Não há “coleira” que o segure.

Não há notícia de que tenha dialogado com Alfredo Lang ou Valter Pitol antes de “engolir” os frangos da Copagril com pena e tudo.

Já se fala no próximo alvo do espaço vital: o frigorífico da Diplomata, sob recuperação judicial, em Capanema.

Em entrevista ao Pitoco, Irineo nega o deslocamento de tropas para o Sul. Porém, se o cheiro de pena queimada rondar o Sudoeste…

Já se fala também em aumentar a influência na Frimesa, agora que ele, Irineo, tem dois votos no colegiado de quatro cooperativas que a controlam: o voto da Lar e o voto da Copagril.

O imperador de Medianeira também avançou sobre a base da Sicredi, outra gigante do meio Oeste.

Irineo acaba de montar uma cooperativa de crédito própria, que nasce com 20 mil associados. A Lar Credi vem com tudo, já que a adesão é praticamente compulsória.

 

LULINHA LÁ, NOS TEMPOS DO PT

O presidente da Lar sempre soube conviver com o poder. Mantinha ótima relação com o “vitalício” de Itaipu, o petista Jorge Samek, nos governos Lula e Dilma. Aliás, Irineo recebeu “Lulinha” na cooperativa, o primogênito do então presidente.

Hoje, Irineo é bolsonarista desde criancinha. Prestou continência, recentemente, para o diretor brasileiro de Itaipu, general Silva e Luna, recebido com honras de “chefe de Estado” na sede da Lar.

A propósito, o único heliponto do meio Oeste paranaense está na sede da Lar, às margens da BR-277. Colocar um helicóptero a serviço da causa seria, segundo nossas fontes, uma das metas futuras do presidente da cooperativa.

Aqui outra diferença fundamental do chefão da Lar com seus colegas presidentes de cooperativas. Quem conhece as sedes da Copacol, Coopavel, C.Vale e mesmo da maior de todas, a Coamo, sabe que se trata de prédios antigos, sovados pelo tempo, escritórios frugais, espartanos.

Na leitura desses líderes, as salas presidenciais precisam mesmo ser prosaicas, entre outras razões, para não contrastar com as estruturas simples do ambiente da roça, com a própria morada da maioria dos associados.

Um dos líderes mais preocupados em evitar ostentações é o cascavelense Dilvo Grolli. Embora tenha a vida econômica bem resolvida, ele dirige um velho Toyota/Corolla, morava até o ano passado em uma casa de classe média no bairro Coqueiral (agora mudou-se para um apartamento relativamente simples no centro), e não usa aparelho celular.

Sempre cabe a pergunta: há alguma ilegalidade em prover a cooperativa de uma bela sede? Não.

 

Irineo (terceiro a partir da direita) com presidentes de cooperativas e o então governador do Paraná, Beto Richa: disputas territoriais e influência política (Foto: Divulgação)

 

DUELO DE GIGANTES NAS ONDAS DO RÁDIO

Até uma década atrás era possível encontrar o presidente da cooperativa caminhando pelas ruas diagonais de Medianeira. “Ele conhece poste por poste, bueiro por bueiro, andou muito pela cidade”, diz uma das fontes. Mas o crescimento exponencial da cooperativa fez escassear as aparições públicas. “Ele não anda com dinheiro no bolso, não compra uma rifa sequer. Mas não se recusa a ajudar a comunidade, sempre através da Lar”, salienta.

A atitude pode ser entendida como institucionalização de procedimento.

Não abordem a pessoa física. Abordem a pessoa jurídica. A resposta é sempre corporativa, não pessoal. A ampla residência do presidente em Medianeira lembra uma fortaleza.

No mundo corporativo, a régua dele vai aos milímetros. Ficou famoso na cidade um embate entre Irineo e um poderoso líder cooperativista da região, dois anos atrás. O homem era associado na Lar, onde ocupou posto de relevo. Depois foi liderar uma cooperativa de crédito. O “entrevero” foi assim: Irineo deu prazo para os avicultores se adequarem após um surto de salmonela. O líder, com três aviários, não fez as adequações exigidas. Irineo pagou o lote de frangos com os descontos previstos para os não adequados. Estava armada a briga de gigantes. Os reclames dos “descontados” foram parar em uma emissora de rádio de Santa Helena. “Batalha” aberta.

Irineo, que sempre convidou com mesuras o tal líder para a assembleia da Lar, escreveu de próprio punho um bilhete para o descontente: “Você está desconvidado para a assembleia; se insistir, vamos expulsá-lo dos quadros através do conselho”. Não se falou mais no assunto.

E mais uma vez ficou claro quem manda no território. É o “cão de Medianeira”!

 

DA RELEVÂNCIA PARA A TEIA DE ARANHA

Quais serão os próximos passos da “blitzkrieg” medianeirense? Que tal perguntar aos diretores da Lar? Melhor não.

Eles não saberão responder. Irineo da Costa Rodrigues é centralizador, solitário, e confia desconfiando, segundo uma das fontes desta reportagem.

“Ele estabeleceu uma rede de informantes dentro da Lar. Essas pessoas podem subir rapidamente na hierarquia, na medida em que suas informações e desempenho sejam relevantes. Mas quando surge alguém mais eficiente nessa tarefa, o informante anterior vai para a teia de aranha da cooperativa, e perde relevância hierárquica”, disse a fonte.

Com quem Irineo aprendeu a comandar a máquina desta forma? Em o “Princípe”, de Maquiavel? Na “Arte da Guerra”, de Sun Tzu?

Há outro jeito de obter o controle em uma gigante de mais de 20 mil funcionários, 11,7 mil associados, portfólio de 300 produtos e faturamento de mais de meio bilhão por mês? Tudo pode ser respondido de um jeito muito típico pelo chefão: “Há algo ilegal nisso?”.

 

QUAL É A ILEGALIDADE?

Irineo Rodrigues não é uma unanimidade. Sempre precisou lidar com vozes hostis, principalmente em Santa Helena e Céu Azul, territórios divididos com a Copagril e Coopavel, respectivamente.

Certa ocasião, um agricultor de Santa Helena, diante de vasta plateia, lançou a seguinte pergunta ao presidente da Lar:

– Quantos alqueires tu tens? Quanta terra tu cultivas?

O questionamento, embora legítimo, vinha carregado de veneno.

– Cultivo 14 mil alqueires no Mato Grosso do Sul. Por quê? Qual é a ilegalidade?, respondeu Irineo.

Legalista, meticuloso, o presidente não costuma deixar espaço para os poucos que se encorajam em questioná-lo. De fato, ele é um grande produtor rural na região de Ponta Porã.

Uma de suas propriedades está em Antonio João, município onde também, por coincidência ou não, a Lar estruturou o armazenamento da produção com um silo gigantesco.

Irineo, o homem que faz contas de cabeça na velocidade do computador, tem em seu nome cerca de cinco mil hectares. O restante da área em que produz, cerca de dez mil hectares, é arrendada. Um dos três filhos dele, com a primeira esposa, a professora Vera Rodrigues, administra as fazendas.

No Mato Grosso do Sul, Irineo é vizinho de gente lustrada: o governador do Estado, Reinaldo Azambuja, e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.

 

Por Jairo Eduardo, editor do Pitoco

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