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Marechal Incêndio no Flamengo

“A ficha ainda não caiu”, diz pai de rondonense sobrevivente

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Naydjel ao lado dos pais Carla Boroski e Nilson Strohschein: “A vontade vai ser dele, o restante ainda é precoce” (Foto: Reprodução/Facebook)

 

O luto e a dor novamente tomaram conta do Brasil desde a última sexta-feira (08). Duas semanas depois do estouro da barragem em Brumadinho (MG) e dois dias depois da enchente que matou sete pessoas no Rio de Janeiro, uma nova tragédia, feita de omissões e erros, partiu ao meio famílias e destruiu sonhos e projetos de vida que ainda começavam a ser construídos. Desta vez, foram dez adolescentes mortos e três feridos no incêndio que atingiu o Centro de Treinamento (CT) do Flamengo, o Ninho do Urubu, na Zona Oeste do Rio.

“Na realidade não tem explicação em palavras. Apenas um sentimento, mas o nome desse sentimento eu não sei. Mas sei dizer que a dor era enorme. Um misto de angústia e desespero”. O depoimento é do rondonense Nilson Strohschein, pai do jovem volante Naydjel Callebe, de 14 anos, um dos sobreviventes do incêndio.

Strohschein relatou que antes de saber da tragédia tinha acabado de voltar do CT Ninho do Urubu, na quinta-feira (07), depois de deixar o filho no local de treinamento, na segunda-feira (04), para iniciar sua atuação nas categorias de base do clube carioca.

Ele e sua esposa, Carla Boroski, chegaram a Marechal Cândido Rondon por volta das 14 horas, após uma viagem de ônibus que durou cerca de 27 horas. Às 08 horas da manhã de sexta-feira o casal ainda estava dormindo. Sua filha Cynthia está em lua de mel em Fortaleza e um padrinho, que tomou conhecimento do fato, enviou uma mensagem perguntando como estava o Naydjel, mas ela ainda não sabia de nada. Quando conseguiu ler a notícia e viu que havia mortos, a irmã do jovem rondonense se apavorou. O pavor aumentou quando souberam que a idade dos mortos era de 14 a 17 anos.

“Acordamos com nossa filha nos ligando. Depois de aproximadamente 27 horas de viagem estávamos muito cansados. Quando atendemos ela pediu se o Naydjel já havia entrado em contato, e se a gente já havia visto a televisão. De pronto ligamos a TV, vimos a tragédia e que havia dez vítimas. Ficamos desesperados, sem notícias, ninguém atendia celular, e o do Naydjel havia ficado no incêndio”, conta o rondonense.

O suspense durou cerca de uma hora até que o adolescente conseguiu ligar para os pais, com um telefone emprestado, dizendo que estava a salvo. “Foi um alívio”, desabafa o pai, relatando que o filho saiu apenas com a roupa do corpo.

Nas imagens divulgadas do incêndio ele é o 4º ou 5º que sai do alojamento. “Como só havia um celular por perto e todos os meninos querendo usar, ele se limitou a dizer que estava bem, que havia feito exames e que não apresentava fumaça nos pulmões”, declara.

Antes da tragédia, a última mensagem que Naydjel havia enviado ao pai foi de que ele tinha passado a tarde no shopping. “Mas quando anunciaram que havia dez mortos não tem como não passar um filme na cabeça. Foi uma hora de angústia. Ninguém tinha notícia. Eu sabia que tinham poucas crianças no CT e com aquele número de mortos anunciado e todos os pais dos internos procurando informações no grupo de WhatsApp, foi desesperador”, lembra.

O rondonense de 14 anos, que joga futsal desde os oito anos de idade, havia ingressado na semana passada no CT do Flamengo. “Ele passou numa peneira do Trieste em Toledo, aí foi para Curitiba, onde fica o Trieste, e passou no teste lá também. No fim de novembro (de 2018) ele passou no teste no Rio de Janeiro, no Flamengo, e foi contratado”, conta o pai de Naydjel.

No entanto, o incêndio destruiu muito mais que a estrutura física do alojamento. Com o fogo foram levados vidas e sonhos de adolescentes que almejavam projetar suas trajetórias no futebol brasileiro. “Nos dias anteriores ao incêndio eles fizeram testes físicos e só um treino”, relata Strohschein.

O rondonense também se solidariza com as famílias que perderam seus filhos no incêndio. “Eu disse no grupo que não existem palavras ou atitudes para esse momento. Apenas que Deus aconchegue os corações destes que perderam seus anjos”, menciona.

 

Chamas atingiram o local onde os atletas adolescentes e funcionários do clube dormiam na madrugada de sexta-feira (08) (Foto: Ricardo Moraes/Reuters)

 

Tragédia

No site do Flamengo, o clube lamentou a tragédia e se colocou à disposição das autoridades e das famílias para auxiliar na apuração das causas do incêndio e, de alguma forma, minimizar a dor e o sofrimento das famílias dos atletas e funcionários atingidos.

Em entrevista coletiva realizada na sexta-feira, o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, classificou o acidente como “a maior tragédia pela qual o clube já passou nos 123 anos de sua existência”. “Queremos tentar minimizar o sofrimento dessas famílias. Estejam certos de que o Flamengo não irá poupar esforços para minimizar ao máximo essa dor. O clube está colaborando com as autoridades para que as causas do incêndio possam ser apuradas”, disse o mandatário rubro-negro.

 

Irregularidades teriam contribuído para incêndio

Conforme divulgado em nota pela Prefeitura do Rio de Janeiro, o alojamento em que estavam os adolescentes não tinha licença para funcionar e estava descrito como um estacionamento. A nota ainda indicou que a atual licença do Ninho do Urubu é válida até 08 de março deste ano, ou seja, expira daqui um mês. No entanto, a área afetada pelo incêndio não consta no protocolo.

Por sua vez, o Corpo de Bombeiros do Estado e a Secretaria de Defesa Civil declararam que o alojamento onde as vítimas dormiam não tinha laudo vigente e que contava com um “puxadinho” sem documentação.

O rondonense Nilson Strohschein disse que conheceu o local e que “aparentemente não havia nada que se pudesse notar”. “A estrutura era normal. E o centro administrativo era nos mesmos moldes”, cita. O local provisório seria desativado e demolido nas próximas semanas.

O palco do incêndio foi alvo de ação recente do Ministério Público do Rio de Janeiro pelas más condições oferecidas aos atletas de base. O processo, iniciado em 2015, chega a pedir a interdição das instalações dos alojamentos.

Agora os peritos que trabalham no caso investigam se havia poliuretano na estrutura dos contêineres que constituíam o alojamento. O poliuretano é o mesmo material altamente inflamável usado na Boate Kiss, que pegou fogo em 2013, com 242 pessoas mortas e quase 700 feridos.

 

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