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Marechal “É uma decisão difícil”

“Ainda não temos uma data para a reabertura do comércio”, diz prefeito Marcio Rauber

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Prefeito Marcio Rauber: "Eu já recebi informações de uma empresa que o Thiago visitou que as pessoas ficaram na quarentena por sete dias e não apareceram sintomas. Então, algumas não foram contaminadas, mas possivelmente outras foram. Essa conduta é grave" (Foto: Joni Lang/OP)

Desafiador. É desta forma que pode ser resumido o dia a dia dos prefeitos Brasil afora, diante da previsão de evolução no número de casos de coronavírus projetados para serem atendidos nos próximos meses e as medidas, consideradas amargas, adotadas para conter o avanço do vírus que transmite a Covid-19. Em visita ao Jornal O Presente, ontem (26), o prefeito de Marechal Cândido Rondon, Marcio Rauber, falou sobre o atual cenário vivido no município, com empresas e escolas fechadas, das pressões que tem recebido para decretar a reabertura do comércio, das obras que serão paralisadas entre outros assuntos. Ele também comentou sobre a polêmica envolvendo o primeiro caso confirmado de coronavírus do município. Confira.

 

O Presente (OP): Estamos em um período de isolamento social, a fim de prevenir a evolução do coronavírus. Como o senhor recebeu a notícia de que o Thiago Wild testou positivo para a doença e supostamente teria mantido contato com várias pessoas e frequentado estabelecimentos no município, conforme apontam muitos comentários. Que medidas a prefeitura tomou em relação ao caso, que se tornou polêmico em Marechal Rondon?

Marcio Rauber (MR): Ficamos chateados quando acontece uma situação dessa, com uma pessoa que deveria ter informação, deveria ser exemplo para Marechal Rondon e para o mundo. Hoje, o Thiago é uma celebridade no que diz respeito ao esporte, em especial ao tênis. Ele é o atleta brasileiro do tênis no momento. Ele deveria ter a responsabilidade, tomar todo o cuidado e dar exemplo para as pessoas; ele não fez. Só que eu não posso me preocupar nesse momento com a conduta do Thiago e repreendê-lo. Eu tenho que gastar as minhas energias com a consequência disso e foi isso que fiz. Publiquei um vídeo falando que a conduta dele é a conduta que nós não queremos. Algumas pessoas até questionaram a gente: “ah, prefeito, mas tem que prender um cara desse”. Essa não é a minha função. Minha função nesse momento é cuidar das pessoas de Marechal Rondon, mas a atitude dele foi errada.

 

OP: Existe o risco, se confirmadas as denúncias de que ele manteve contato com muitas pessoas no município e supostamente frequentado estabelecimentos em Marechal Rondon, dessa situação gerar muitos outros casos de coronavírus no município?

MR: Claro que existe. Se ele teve contato com muitas pessoas, obviamente algumas podem ter sido contaminadas. Eu já recebi informações de uma empresa que o Thiago visitou que as pessoas ficaram na quarentena por sete dias e não apareceram sintomas. Então, algumas não foram contaminadas, mas possivelmente outras foram. Essa conduta é grave. Nós tomamos as medidas sanitárias, que são a nossa obrigação, e estamos buscando as pessoas que tiveram contado com o Thiago e encaminhamos essas informações ao Ministério Público para que tome as medidas necessárias com relação ao caso.

 

OP: A prefeitura conseguiu monitorar todos os lugares e todas as pessoas que entraram em contato com ele?

MR: Ainda não. Buscamos informações de pessoas que contataram com ele. Então, algumas nós temos, ou melhor, várias nós temos, mas não posso afirmar se nós temos todas. Algumas pessoas já foram isoladas e se isolaram por pedido das empresas onde houve esse contato desde o dia 18. Eu já tenho respostas de que algumas não têm sintomas, mas a questão é que algumas pessoas são assintomáticas. Então, é muito difícil saber o grau de contaminação dessa situação, mas nós tomamos as medidas, a Vigilância Sanitária está trabalhando e eu fiz um apelo às pessoas que tiveram contato com o Thiago para que se manifestem espontaneamente para nos ajudar a controlar um pouco melhor essa situação.

 

OP: E as pessoas estão colaborando?

MR: Estão colaborando. Algumas pessoas entraram em contato, donos de empresas. Precisamos da colaboração de todos.

 

OP: Uma das grandes indagações que se faz hoje em Marechal Rondon envolve o número de leitos. Onde eles estarão disponíveis para atender os infectados pelo coronavírus?

MR: Não tem nenhum município brasileiro pronto para isso. O decreto que nós publicamos restringindo várias atividades no município foi justamente para que nesse período de dez dias a gente possa se planejar. Ninguém estava preparado para isso no país. Nós ouvimos profissionais de saúde para nos prepararmos melhor. A nossa região tem poucos respiradores, que é uma das grandes preocupações. As pessoas que precisarem de respirador, esta que é a questão. Então, estamos nos organizando. Aí vem algumas pessoas dizendo que “ah, vamos reabrir o Hospital Filadélfia. Vamos reabrir o Hospital Fumagali”. O que precisa ficar claro para as pessoas é que não é o prefeito que abre hospital. Vou me restringir ao Fumagali, mas a situação é a mesma com o Filadélfia, embora o Hospital Filadélfia fechou porque a empresa quis fechar o hospital. Já o Fumagali foi fechado por autoridades sanitárias. O Hospital Fumagali é de uma empresa e todas as empresas de Marechal Rondon para funcionarem devem obedecer a regras. Qual é o grande problema do Hospital Fumagali? Entre o seu fechamento e o seu pedido de abertura surgiu uma nova resolução da Anvisa, se não me engano a RDC 50, que deixou mais rigoroso o processo de abertura desses estabelecimentos. Então, para ser reaberto, precisa cumprir com alguns requisitos importantes que não foi o prefeito que impôs, foi o Ministério da Saúde. Não é o prefeito que diz abre ou não abre, é a Vigilância Sanitária, que tem regras a cumprir para autorizar a abertura de uma instituição de saúde. Os diretores do hospital firmaram um termo de ajuste de conduta com o Ministério Público, dentro do processo judicial, na presença do juiz, e isso não foi cumprido. Então, este é o empecilho, por isso o hospital não está aberto. Isso não passa pela pessoa do prefeito. O que eu mais gostaria é que o Hospital Fumagali abrisse, porque ele atenderia uma demanda que, por vezes, o Poder Público não atende.

 

OP: Quantos leitos o município tem disponível e quantos serão necessários para atender a demanda de pessoas que venham a ser infectadas pelo coronavírus?

MR: O número de leitos se restringe à quantidade de respiradores. Essa que é a questão. Estamos limitados ao número de respiradores. Temos meia dúzia de respiradores. Na nossa microrregião alguns municípios têm e outros não têm respiradores. Os médicos que estão na nossa UPA, ou no centro que estamos preparando por orientação deles, se chegar alguém acometido pela doença e precisando de respirador, eles vão atender. Não vão perguntar se o cidadão é rondonense, de Mercedes, Pato Bragado, Entre Rios. O médico vai atender, e as pessoas não se colocam no lugar do prefeito, não analisam a gravidade dessa situação. Eu não posso perguntar para a pessoa da onde ela é e dizer vai embora, vai morrer em outro lugar. O médico tem que atender. É isso que as pessoas precisam entender: como é difícil a tomada de decisão do prefeito. Como é difícil o médico tomar a decisão. Vai chegar o momento em que ele vai precisar dizer, “olha, o seu caso ainda não é grave o suficiente para você receber oxigênio. O teu caso é grave, você precisa de oxigênio”. Veja como é difícil a posição do médico também.

 

OP: Há algum estudo que aponte quantos infectados pela Covid-19 o município pode ter no pico da doença?

MR: Há uma projeção estatística. Nós imaginamos 30 pessoas infectadas que precisem de atendimento especializado, situações graves. Como é algo novo, temos poucas informações que servem como base estatística para que possamos fazer prognósticos. Então, tem uma empresa especializada que está fazendo esse estudo para nós. Imaginamos que em Marechal Rondon a gente tenha até 30 pessoas que precisem de atendimento por casos severos. Qual é o objetivo de todos os gestores? É que essa quantidade de pessoas, ou essas pessoas que precisem desse atendimento mais importante, não o precisem ao mesmo tempo. Esse é o segredo do combate ao coronavírus, porque as pessoas não podem achar que nós não teremos infectados em Marechal Rondon ou que nós teremos meia dúzia de infectados ou apenas 100 infectados. Não. O comportamento viral é semelhante. Existe uma curva de Gauss que a gente ensina na estatística e ela vai acontecer. A gente pode ter uma curva leptocúrtica, uma curva mais aguda, onde em um pequeno espaço de tempo muitas pessoas serão infectadas, e essa é a situação perigosa, ou ter uma curva achatada. E é isso que queremos, ou seja, uma curva bem suave, em que o número de casos graves aconteça em um espaço de tempo grande, aí nós poderemos dar um atendimento mais seguro para essas pessoas. Esse é o grande desafio dos gestores.

Prefeito de Marechal Rondon, Marcio Rauber: “Imaginamos que em Marechal Rondon a gente tenha até 30 pessoas que precisem de atendimento por casos severos. Qual é o objetivo de todos os gestores? É que essa quantidade de pessoas, ou essas que precisem desse atendimento mais importante, não o precisem ao mesmo tempo” (Foto: Sandro Mesquita/OP)

 

OP: O senhor acha que a política dos governos federal e estadual em termos de isolamento é correta ou tem pontos discordantes?

MR: Todos estão certos e todos estão errados. A incerteza é de todos. Onde há grandes concentrações de pessoas é onde há a situação mais favorável para a proliferação do vírus. Tem um grupo de risco, em princípio os idosos e as pessoas acometidas por doenças mais graves, doenças crônicas, que temos que proteger e também evitar a proliferação em massa do vírus. O primeiro passo é suspender as aulas. Nas escolas, a proliferação acaba acontecendo de forma mais rápida, porque bebês, crianças e adolescentes têm mais naturalidade em colocar a mão na boca, no olho e no nariz. Ao suspender as aulas dessas crianças e adolescentes das aulas, há uma diminuição natural da proliferação. O grupo de idosos, que é de risco, suspendemos de imediato as ações deste público. De uma forma geral, o governo está certo em fazer o isolamento para evitar uma contaminação muito grande ao mesmo tempo.

 

OP: Quando o senhor imagina que será a reabertura do comércio e quando isso acontecerá?

MR: Estamos estudando. Gradativamente, isso precisa acontecer. Se mantivermos o comércio fechado até a próxima segunda-feira (30), que é o que prevê o decreto que nós publicamos, e a partir de então nós abrirmos, o vírus estará aqui, ainda circulará entre as pessoas. Se nós mantivermos por mais dez dias fechados, o vírus estará aqui também. Então, a contaminação pelo vírus vai acontecer, é como acontece com a gripe. O que sabemos é que nas pessoas com alguma doença mais grave ou nos idosos o vírus da Covid-19 potencializa essa enfermidade com maior intensidade do que o vírus comum da gripe. Essa é a nossa preocupação, mas o vírus está aí e as pessoas vão acabar se contaminando. Precisamos entender o comportamento do vírus, não podemos achar que em Marechal Rondon não vão se contaminar, porque vão. Com a gripe foi assim, com a H1N1 é assim e com a Covid-19 é assim. Quando chegarmos a um percentual de pessoas contaminadas, aí o vírus começa a regredir. As medidas até agora foram importantes para a gente prolongar o período de contaminação.

 

OP: Mas já há uma data de reabertura prevista?

MR: Ainda não. Estamos pensando nessa data, mas é difícil. Para eu abrir o comércio os pais precisam de algum lugar para os seus filhos. Eu não posso simplesmente reabrir o comércio e deixar as escolas e os Cmeis fechados, não vai funcionar. Temos de ter essa medida, esse bom senso, para tomar a melhor decisão.

 

OP: A volta às aulas segue o mesmo caminho?

MR: Exatamente isso. A partir do momento que nós voltarmos com as atividades comerciais, que sofreram a maior sanção no decreto, pois foi a classe com mais empresas fechadas, as escolas e os Cmeis têm que voltar, por que as crianças vão ficar com quem?

 

OP: O senhor tem tido contato com muitos empresários? Eles têm manifestado que querem voltar com as atividades o quanto antes possível?

MR: Sinto e sofro junto com eles. Três são as situações que causam dor de cabeça ao gestor: a saúde das pessoas, a economia, que é a saúde das empresas, e a opinião pública. As decisões que nós temos de tomar são pautadas nessas três esferas e a mais importante delas é a saúde das pessoas. Nós vamos ter reflexos negativos na economia lá na frente por conta dessa situação. O prefeito sofre, eu sofro muito. Tenho amigos muito próximos que são empresários e que não podem trabalhar, me cobram, mas nesse momento eu não posso decidir em favor dos meus amigos.

 

OP: Até quando o senhor acha que o comércio suporta essa paralisia?

MR: Dez dias de paralisação representa 30% de um mês. Qual empresário lucra 30% para poder queimá-los nesses dez dias e poder trabalhar os outros 20 sem ter prejuízo? Ninguém. Ninguém tem lucro de 30%. O prejuízo já está aí, as empresas já estão em prejuízo. Se nós voltarmos na segunda-feira para elas recuperarem esses dez dias vai três ou quatro meses, varia de uma empresa para outra. O estrago já está feito e o prefeito tem consciência disso. Nós sabemos que as empresas estão sofrendo, mas eu tenho que tomar todo o cuidado. A gente quer que o prejuízo seja o menor possível na vida das pessoas, na saúde e também nas empresas. Daqui a pouco nós vamos ter que voltar a trabalhar.

 

OP: O senhor já avaliou o tamanho da queda da receita do município? O Estado já passou informações sobre a arrecadação nos próximos meses?

MR: Ainda não temos isso. Estamos estudando e analisando os números. Por sorte, quando o prefeito anunciou que o município tinha dinheiro em caixa foi muito criticado por vereadores que disseram que dinheiro em caixa é muita irresponsabilidade. E agora? Nós temos dinheiro. Se precisar dinheiro, nós temos, não precisamos pedir para ninguém quando se diz respeito à saúde pública. Mas as pessoas precisam entender que o município não tem só receita, também tem despesa, e despesa alta. O município tem uma saúde financeira invejável, enquanto muitos outros terão dificuldades. Então, o trabalho é bem feito.

 

OP: Alguma das obras que o senhor anunciou ou gostaria de anunciar nos próximos dias está sendo excluída do seu plano de obras até o final dessa gestão? Ou está sendo postergada?

MR: Excluída não, porque dez dias é um prazo de tempo pequeno para a gente poder dizer que tem de excluir uma obra do ano de exercício. Tem algumas obras importantes de infraestrutura que vão parar porque, primeiro, não podemos licitar e, segundo, porque o dinheiro utilizado é das economias que o município fez no ano anterior e que podem, eventualmente, ser necessárias na saúde. Então, a gente precisa parar.

Prefeito Marcio Rauber: “Tem algumas obras importantes de infraestrutura que vão parar porque, primeiro, não podemos licitar e, segundo, porque o dinheiro utilizado é das economias que o município fez no ano anterior e que podem, eventualmente, ser necessárias na saúde” (Foto: Joni Lang/OP)

 

OP: Quais obras estão suspensas?

MR: Tínhamos obras importantes para fazer no Parque de Exposições, temos obras no teatro, obras de infraestrutura na malha viária, e vale dizer mais um trecho da estrada do Lira, o compromisso que assumi com o distrito de Novo Três Passos na Linha Bandeirantes, com Bela Vista, que é o único distrito que não tem acesso à sede do município por asfalto, então, queríamos asfaltar a estrada pavimentada com pedras irregulares de Novo Horizonte até lá, e outras obras que queríamos anunciar: investimento no centro da nossa cidade para recuperação da nossa malha viária, em alguns bairros que já tem asfalto nós queríamos recapar. São inúmeras obras que gostaríamos de fazer. Temos a ampliação de salas de aula na Vila Gaúcha que está parado, o governo federal autorizou o reinício, vamos ver se conseguimos, porque temos problemas com vagas de creche. São inúmeras obras importantes que precisamos paralisar, mas, assim que as atividades voltarem, vamos reprogramar o nosso planejamento e elas serão retomadas. Uma obra importante que tivemos o anúncio da liberação de recursos no passado que é a revitalização ou a construção da Avenida Rio Grande do Sul, a saída do Supermercado Copagril até a entrada do Lira, como ela tem recursos do Estado, ela tem prazo para se iniciar por conta da lei eleitoral. Então, nessa obra em especial, esses dez dias são fundamentais, talvez nós não vamos conseguir iniciar essa obra. Talvez ela precisará ser executada somente depois das eleições ou no ano que vem. Essa é uma obra que me preocupa, mas, infelizmente, a lei diz isso e nós temos de cumprir o que diz a lei.

 

OP: O senhor observa em nível nacional existir vaidades políticas que muitas vezes se sobrepõem aos projetos de combate ao novo coronavírus?

MR: A gente vê oportunistas, não só na esfera federal, na esfera estadual e na esfera municipal, não é hora para isso. Vamos falar do nosso presidente Bolsonaro. Ele não está errado em tudo, mas ele não está certo em tudo. Aliás, ninguém está certo em tudo ou errado em tudo, porque, num momento desses, temos três opiniões importantes: a minha, a sua e a melhor, que a gente não sabe qual é. A gente vê divergências, por exemplo, o governador de Goiás, o Caiado, que é do meu partido, rompeu com o presidente. Eu acho que o presidente não foi feliz na forma como ele se pronunciou. Ele foi muito melhor na manhã seguinte quando conversou com a imprensa. As preocupações que o presidente tem com a economia são importantes, a gente não pode quebrar o país. É muito difícil e muito provavelmente algumas pessoas vão dizer que o que eu estou dizendo aqui está certo e muitas dirão que está errado, porque todo mundo está um pouquinho certo e errado. É novo para todo mundo. Nós, que somos gestores e temos de tomar decisões, seremos reconhecidos por uns e criticados por outros.

Prefeito Marcio Rauber foi recebido ontem (26) no O Presente pelo diretor do jornal, jornalista Arno Kunzler (Foto: Sandro Mesquita/OP)

 

“O estrago já está feito, as empresas já estão no prejuízo e o prefeito tem consciência disso. Nós sabemos que as empresas estão sofrendo, mas eu tenho que tomar todo o cuidado”

 

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