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Marechal Preocupação

Aumenta procura por vacina contra meningite na região; Marechal tem número reduzido de doses

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Setor de Vacinação do Centro Integrado de Saúde de Marechal Rondon afirmou estar recebendo pedidos inferiores aos solicitado: das 350 doses requisitadas, recebeu apenas 100 (Foto: O Presente)

 

Casos recentes de diagnósticos e mortes devido à meningite serviram de alerta e motivaram uma corrida de pais aos centros de vacina em todo o Paraná. A busca cresceu especialmente após alguns casos serem divulgados na mídia, a exemplo da morte de Arthur Araújo Lula da Silva, neto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de apenas sete anos. Ele foi vítima de meningite meningocócica, uma doença causada pela bactéria Neisseria meningitidis, que gera um processo inflamatório das meninges – membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal.

Em Marechal Cândido Rondon, conforme dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), fornecidos pela Vigilância Epidemiológica do município, 22 casos de meningite foram notificados em 2018. Destes, 18 foram confirmados, sendo três classificados como meningite bacteriana, dois casos como virais, duas assépticas, uma por pneumococo e outras dez que não foram especificadas. Nenhum dos casos evoluiu a óbito.

Nestes três meses de 2019 não houve notificação da doença no município, contudo, ainda assim, as notícias de casos no Paraná provocaram medo e preocupação às famílias não só de Marechal Rondon, mas de toda a região, principalmente devido à proximidade dessas cidades com alguns locais que já registraram inclusive mortes por conta da doença.

Em vista disso, nas últimas semanas um número expressivo de pessoas tem lotado postos de saúde e clínicas particulares em busca de imunização.

A boa notícia é que existe vacina para a prevenção da infecção bacteriana, um dos tipos mais graves e intensos da doença. O Sistema Único de Saúde (SUS) fornece gratuitamente a dose contra a meningite C – que representa até 70% dos casos de infecção – para crianças e adultos, entre dois meses e 50 anos de idade.

Por outro lado, a vacina mais completa contra a meningite, que protege contra os tipos A, C, W e Y, e a vacina para o tipo B são disponibilizadas apenas através da rede privada de saúde. Porém, os valores altos assustam os pais que gostariam de imunizar os filhos.

Até o ano passado algumas clínicas de Marechal Rondon disponibilizavam as vacinas, mas por não haver demanda a manutenção se tornou inviável. Com a negativa na oferta de doses no município, muitos rondonenses foram aconselhados a buscar clínicas em Toledo, município próximo e também de referência para a região.

A reportagem do jornal O Presente coletou informações em quatro dessas clínicas e, conforme o levantamento, o preço da dose para a vacina contra a meningite do tipo B varia entre R$ 520 e R$ 600 no pagamento à vista. Já a vacina ACWY fica entre R$ 350 e R$ 420. Todas as clínicas oferecem pagamento parcelado no cartão ou cheque.

Todos os consultórios contatados registram falta de doses devido à alta demanda, especialmente após o Carnaval, e há muitos nomes na lista de espera por novas doses, que devem chegar nos próximos dias.

A maior procura registrada é para a imunização de crianças, mas também está sendo comum a busca de vacinas para todos os demais membros do grupo familiar. A vacina conjugada ACWY é a que enfrenta maiores problemas de abastecimento.

 

 

Afinal, que doença é essa capaz de matar de forma tão rápida?

Segundo o médico infectologista Alexandre Daronco, coordenador do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar dos hospitais Rondon e Costa Oeste, a meningite é uma inflamação das meninges que recobrem o cérebro e que pode ou não ser infecciosa. “Dentro das causas infecciosas temos as meningites bacterianas, as virais, as fúngicas e mesmo as causadas por protozoários. As mais comuns são as bacterianas e virais, mas qualquer agente etiológico pode levar a uma inflamação nesse sentido”, explica, acrescentando que a doença também pode ocorrer por outros microorganismos ou mesmo complicações de outras doenças, como sarampo e pneumonia.

De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde do Paraná (Sesa), a maior ocorrência da meningite está entre as causadas por vírus (60%), que costuma ser a forma benigna, com boa evolução para cura. Outros 30% são causados por bactérias – existem mais de 200 que podem provocar a doença. Elas ocorrem por complicações de outras doenças ou são transmitidas pelo contato entre pessoas. Os 10% restantes são causados por fungos ou protozoários.

A meningite do tipo B é de alta letalidade e se instaura rapidamente no paciente. Por isso, pode levar à morte em menos de 48 horas. Em média, 25% dos casos resultam em óbito, e dos que sobrevivem, 20% ficam com sequelas, como perda de audição, falência renal e problemas motores. Como a doença evolui rapidamente, a vacina continua sendo a melhor forma de combater a meningite.

Entre os sintomas da doença estão dor de cabeça (cefaleia), desconforto, rigidez na nuca, febre, confusão mental, convulsão e vômito. Nas crianças com menos de um ano é comum o choro persistente e inchaço na moleira. “Esse seria o quadro clássico, mas quando se tem um acometimento do encéfalo trata-se de uma meningoencefalite, em que o paciente pode ter alterações de funções visuais, motoras e sensoriais e alteração no estado mental. Acaba sendo um quadro um pouco mais amplo do que classicamente se define como uma meningite”, destaca o médico.

 

Bacterianas x virais

As meningites bacterianas, forma mais grave da enfermidade, são causadas por microrganismos unicelulares e as virais são causadas por vírus. Neste cenário há uma série de diferentes vírus e bactérias. “Das bacterianas, as mais comuns são Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis, Hemophilus influenzae. Já a bactéria Listeria monocytogene é responsável pela maior parte dos quadros de meningite bacteriana”, ressalta Daronco.

Entre as meningites virais, ele diz que também há um número grande e algumas dela possuem tratamento, como é o caso das meningoencefalites e encefalites por herpes vírus. “Temos outros como Adenovírus e o Enterovírus, que é uma família grande de vírus e que pode causar encefalite. Além disso, o próprio vírus do HIV pode causar essa doença, embora seja mais raro”, pontua.

 

Meningite fúngica

Quando se trata da meningite fúngica, pacientes imunossuprimidos, isto é, que apresentam o sistema imune com baixa atividade, são mais vulneráveis, como é o caso de pessoas com HIV e um quadro muito avançado no desenvolvimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (Aids). “Nesses casos o paciente fica com a defesa do organismo tão baixa que acaba por desenvolver meningoencefalite por fungo. O mesmo acontece com pacientes que têm imunidade muito baixa por quadro de câncer e que necessitam de quimioterapia e radioterapia. São quadros mais raros, mas também podem acontecer”, expõe Daronco.

 

Evolução do quadro clínico

Conforme o infectologista, a evolução dos quadros clínicos de meningite bacteriana depende de diversos fatores, entre eles a idade e o estado imunológico do paciente. “A intensidade do quadro inflamatório causado nas meninges depende da imunidade do paciente. Na maior parte dos casos vai ser um quadro de febre alta, dor de cabeça intensa, náuseas, vômitos e fraqueza. Sinais que chamamos de irritação meníngea”, comenta, acrescentando que a virulência do microrganismo e o tempo de instituição do tratamento também influenciam nesse quadro. “São raros os casos em que mesmo com a instituição do tratamento o paciente acaba evoluindo mal, mas pode acontecer. Na maioria dos caos com tratamento o paciente tende a evoluir bem, e quanto mais jovem ou mais idoso for o paciente, maior a tendência em ser grave, porque naturalmente vai ter um sistema imunológico um pouco mais fraco, por isso a importância das vacinas”.

O especialista também lembra que eventualmente existem quadros em que o paciente pode ter a disseminação dessa bactéria para o organismo. “Ao mesmo tempo em que você pode ter a instalação de uma bactéria no sistema nervoso central, sendo que ela inicialmente estava infectando outra parte do corpo, pode também acontecer o contrário, ou seja, estar no cérebro e se disseminar através da corrente sanguínea para algum outro órgão e consequentemente causar uma infecção generalizada”, detalha.

 

Doença meningocócica

Todos os tipos de meningite apresentam risco à vida, mas entre as doenças bacterianas mais preocupantes, pontua o infectologista, estão a meningocócica e a pneumocócica.

A primeira é uma infecção causada pela bactéria Neisseria meningitidis (mais popularmente conhecida como meningococo), que cai na corrente sanguínea e promove a liberação de fatores inflamatórios. Isso faz os vasos dilatarem, tendo como consequências queda de pressão arterial e taquicardia, podendo levar a pessoa à morte.

“É importante dizer que o paciente pode ter uma doença meningocócica com meningite ou sem meningite. Através dela há uma disseminação via sangue que acaba atingido outras partes do corpo, e isso na maior parte das vezes acaba levando a pessoa a óbito”, alerta Daronco. “Os sintomas também serão os mesmos, mas a pessoa também vai ter lesões na pele, que os leigos costumam chamar de manchas, que são características da doença meningocócica”, complementa. Esse tipo também é bastante temido por conta da rápida evolução, alta letalidade, possibilidade de deixar sequelas, como cegueira, surdez e amputação de membros.

Com o desenvolvimento desse quadro, a pessoa pode ter outras manifestações, como dores musculares, extremidades frias e pálidas, além de necroses. “É um quadro mais grave e que geralmente as pessoas atribuem como sendo o mais perigoso, mas qualquer meningite é perigosa, embora a maior parte delas sejam curadas com tratamento”, reforça o especialista.

No caso da pneumocócica, o agente causador é transportado pelo sangue até ao cérebro, onde gera uma forte reação inflamatória. Os sintomas são basicamente os mesmos das demais meningites, entretanto, há risco de importantes consequências neurológicas, tais como dificuldades para andar e falar.

A transmissão da meningite bacteriana se dá de pessoa para pessoa por meio das vias respiratórias, ou seja, de gotículas e secreções que saem do nariz e da garganta quando os infectados tossem ou espirram. Outras bactérias, como Listeria monocytogenes e Escherichia coli, se espalham pelos alimentos contaminados.

 

Público vulnerável

Uma dúvida compartilhada por muitas pessoas se refere ao fato de mesmo com a vacina em dia haver o risco de desenvolver a doença. “Isso é raro, mas pode acontecer porque as vacinas não ofertam 100% de imunidade, então não são todos que ficarão imunes”, menciona Daronco, lembrando que mesmo não imunizando na sua totalidade, as vacinas contribuem para “frear” a forma mais agressiva da doença.

Outro ponto elencado pelo infectologista é o fato de as crianças ainda serem o público mais suscetível à meningite. “Isso acontece por conta da imaturidade imunológica e porque elas também estão mais expostas a ambientes de aglomeração”, enaltece.

Em vista disso, Daronco reforça que o reconhecimento dos sintomas por parte dos pais é fundamental. “O quadro clínico em crianças maiores é composto pelos sintomas comuns e não necessariamente todos irão ocorrer em concomitância. Já em crianças menores e lactentes é uma questão de difícil reconhecimento porque muitas vezes elas vão ter, pela estrutura do próprio crânio, somente abaulamento de fontanelas. Ou seja, os sintomas são um pouco menos claros nas crianças, o que eventualmente pode levar a uma demora dos pais a buscarem um médico”, salienta.

O especialista diz que é importante observar quando a criança não está bem, demonstrando estar mais abatida, e levá-la ao pediatra para que ele faça uma avaliação inicial, pois nessa faixa etária muitas doenças diferentes podem cruzar com o quadro clínico semelhante ao da meningite. “O que acontece nesse grupo (crianças) é que algumas vezes o quadro começa de forma abrupta e evolui muito rápido, então na maioria das vezes a instituição do tratamento da meningite bacteriana leva à cura, mas em alguns casos que se tem a evolução mais rápida e infelizmente por vezes acaba evoluindo para o óbito, mesmo com tratamento”, enfatiza.

 

Cuidados

O inverno está chegando e a estação mais fria do ano chama atenção para os casos de meningite, tendo em vista que as doenças do tipo bacterianas têm uma maior preponderância nessa época, enquanto as virais possuem maior predomínio no verão. “Não significa que isso seja exclusivo. O que ocorre é que no inverno há a tendência em permanecer em ambientes fechados, o que facilita a disseminação do agente etiológico, porque a infecção ocorre por gotículas, então principalmente para crianças o ambiente fechado acaba se tornando mais propício para a transmissão”, explica o infectologista.

Além disso, o médico recomenda manter, sempre que possível, casas e locais de trabalho bem ventilados, inclusive no inverno, cuidar da higiene pessoal e ficar atento à questão vacinal.

 

Médico infectologista Alexandre Daronco, coordenador do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar dos hospitais Rondon e Costa Oeste: “A intensidade do quadro inflamatório causado nas meninges depende da imunidade do paciente. Na maior parte dos casos vai ser um quadro de febre alta, dor de cabeça intensa, náuseas, vômitos e fraqueza. Sinais que chamamos de irritação meníngea” (Fotos: O Presente)

 

Doses insuficientes

De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde do Paraná (Sesa), houve 1.601 casos de meningite, de todos os tipos, no Estado em 2018, com 108 mortes. Neste ano já foram registrados 144 casos, com 14 mortes. A mais recente foi de um jovem de 16 anos que morreu em Capanema, no dia 05 de março. Por enquanto não há informação sobre o tipo da doença e o Laboratório Central do Estado (Lacen) realiza a análise para a identificação.

A Sesa informa que a quantidade de mortes, tanto de 2018 como 2019, está dentro da média histórica e que não há motivos para alarde. No entanto, recomenda que as pessoas que não foram vacinadas busquem as unidades de saúde para a aplicação da dose contra a meningite do tipo C, ofertada na rede pública.

O Paraná tem recebido do Ministério da Saúde cerca de 66 mil doses por mês, número insuficiente, segundo a Sesa. A demanda atual para o todo o Estado é de 88 mil doses mensais.

Em Marechal Cândido Rondon, a Secretaria Municipal de Saúde está sentindo dificuldades em trabalhar com um número reduzido de doses para vacinação contra meningite C.

O Setor de Vacinação do Centro Integrado de Saúde afirmou estar recebendo pedidos inferiores aos solicitados, como é o caso do mais recente, no qual foi feito o pedido de 350 doses à 20ª Regional de Saúde, de Toledo, mas apenas 100 vacinas foram encaminhadas. Até o ano passado, conforme a unidade, o repasse era normal.

Diante desse cenário, as unidades de saúde estão optando por vacinar crianças que tenham menor imunidade.

Atualmente a 20ª Regional de Saúde é responsável por atender 18 municípios da região Oeste do Estado.

 

Resposta

De acordo com Priscila Teixeira, enfermeira da Vigilância Epidemiológica da 20ª Regional de Saúde, não se trata de um repasse insuficiente da Regional para o município. “Quem faz esse repasse é o Ministério da Saúde, que repassa para o Cemepar (Centro de Medicamentos do Paraná). O repasse está, sim, reduzido, mas isso é em nível de Brasil”, esclarece.

Ela reconhece o aumento expressivo na procura pela imunização contra meningite, especialmente do tipo C, mas garante que a vacina não está em falta. “Até o ano passado, mensalmente ou de forma bimestral o Ministério da Saúde enviava notas informativas sobre o repasse de imunobiológicos, mas nesse ano nós não recebemos nenhum sobre essa situação”, diz.

Conforme Priscila, a distribuição de vacina entre os municípios é feita de acordo com o porte populacional a ser vacinado. “A gente faz uma análise e distribui proporcionalmente para não favorecer um e outros serem prejudicados”, conclui.

 

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