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Marechal

Barracão sem luz é lar de egípcio em Rondon

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Giuliano De Luca/OP

A industrialização e seus milhares de empregos têm atraído cada vez mais imigrantes para o Oeste do Paraná. Em Marechal Cândido Rondon, já desembarcaram cidadãos de várias partes do mundo, como Bangladesch, Haiti e Senegal, especialmente para trabalhar em um frigorífico de aves de uma cooperativa com sede no município, que emprega cerca de 1,5 mil trabalhadores. Grande parte deles melhora as condições de vida. Com o salário, conseguem comprar roupas e outros objetos pessoais, o que era quase inimaginável em suas terras natais.

O cenário experimentado nos últimos anos no município motivou o estudo Perspectivas de inserção social de trabalhadores oriundos de Bangladesh e do Senegal na comunidade rondonense, publicado em outubro de 2014 pelos professores do Isepe/Rondon Paulo César da Silva Ilha, do curso de Administração, e Manoel João Ramos, de Engenharia de Produção. A pesquisa feita com 30 estrangeiros e 15 brasileiros (empresários, religiosos, militares, políticos) revela que os estrangeiros, na maioria das vezes, buscam no Brasil refúgio por motivos de ameaça, perseguição política, étnica ou religiosa em seu país de origem, além de razões econômicas, como a busca por melhores condições de vida e trabalho, frisa o documento.

No estudo, são apontados avanços na qualidade de vida deles, como sensação de acolhimento, aumento na remuneração e o acesso a benefícios oferecidos pela empresa, como alimentação, plano de saúde, moradia, transporte e auxílio odontológico. Estes grupos de imigrantes que chegaram a Marechal Cândido Rondon têm conseguido estabelecer relações de emprego e uma condição de vida melhor do que aquela vivenciada em seus países de origem, dando a estes trabalhadores uma sensação de estabilidade perante a sociedade na qual foram acolhidos, explica o estudo.

Mohamed Nafad é uma exceção. A figura do egípcio começa a ficar cada vez mais conhecida no comércio local, por onde ele disse já ter deixado centenas de currículos em busca de trabalho, em vão. Conseguiu algumas oportunidades, mas não se fixou em local algum. Hoje o jovem de 29 anos sobrevive da venda de algodão-doce e de outros bicos, mora de favor em uma oficina mecânica desativada no centro da cidade, sem luz e em meio a uma montanha de coisas velhas, esparramadas nos cantos do velho galpão. A cadela Luna é a companheira do egípcio, que vê mais distante o sonho de uma vida melhor no Brasil.

O corpo enfeitado com anéis, pulseiras e colares é um forte indício das heranças da terra natal. Com um português claro e carregado de sotaque, Mohamed começa a contar sua trajetória do Egito ao Brasil, que começou há 18 meses. Para trás, ficou a mãe e a recente morte do pai. Era um tempo difícil. Sempre quis vir para a América Latina, é uma paixão. Exatamente hoje (ontem, 23) faz um ano e meio que estou aqui no Brasil. Cheguei no Rio de Janeiro no fim de 2013. Só fui conseguir um emprego na Copa do Mundo. Trabalhei 40 dias, mas depois não consegui mais nada. Fui para Porto Alegre em março (deste ano). Lá eu trabalhei por duas semanas como auxiliar de produção de obras de arte, estátuas, conta. Fui muito maltratado pela família de proprietários, que era do Egito, comenta. Fiquei sabendo do trabalho em Marechal Rondon e vim pra cá no início de abril, resume Mohamed.

Em Marechal Cândido Rondon, o sonho do emprego com carteira assinada foi abaixo no primeiro dia. Após duas semanas para fazer exames (médicos), comecei a trabalhar dia 26 de abril, mas fui demitido no mesmo dia. Não me explicaram direito o motivo, conta.

O dinheiro da rescisão trabalhista logo acabou e o egípcio passou a mendigar nas ruas da cidade. Pediu ajuda a um empresário que havia conhecido, que lhe deu abrigo, num galpão onde funcionava uma oficina mecânica. Não tinha para onde ir, não tinha o que comer. Comecei a pedir comida nos restaurantes. Me oferecia para lavar pratos, varrer o chão, em troca do almoço. Algumas pessoas me deram almoço, outras não. Com um amigo, consegui esse lugar (galpão, onde a entrevista aconteceu, depois de Mohamed relutar por conta da pouca estrutura do local). Fim de semana vai fazer três meses que estou aqui, graças a Deus. Eu estava passando fome, recorda o estrangeiro, sentado em um sofá velho que decora um dos cantos da residência.

A água gelada no banho já não atrapalha mais. Estou me acostumando, cita Mohamed, que passa o dia todo na rua. Só entro aqui para dormir, tomar banho e usar o banheiro, diz. Com uma lanterna, descobre o breu de dentro do imóvel. Fico o dia inteiro fora. Digo sempre que as pessoas são como passarinhos. Os que acordam cedo e saem do ninho conseguem comida. Os que dormem até tarde, não, diz o jovem, que completa 30 anos em 1º de setembro.

A data de aniversário está impressa no curriculum vitae que ele espalha pelo comércio. Ao lado da foto 3×4 de terno e gravata, o documento revela a formação em Letras (Árabe/Inglês), algumas experiências profissionais na terra natal e a recente passagem pelo Rio de Janeiro. Apesar do currículo apontar que ele fala quatro línguas – árabe, inglês, português e espanhol -, ter boa comunicação, Ensino Superior completo e se mostrar disposto, Mohamed diz que não tem conseguido arrumar um emprego fixo. Trabalhei em uma loja por uma semana. Agradeço muito à empresária. Aí comecei a trabalhar com as crianças em uma escola, mas os pais reclamaram e não me quiseram mais. Disseram que eu fui grosso (com as crianças), mas não fui, se defende o jovem. Agora estou vendendo algodão-doce, mas não recebi produto nessa semana. Hoje (ontem) eu ajudei a cortar madeira e recolher galhos. Vou trabalhar nisso mais dois dias, mas não sei o quanto vou ganhar. O patrão não falou, diz Mohamed Nafat.

Em bons dias, conta Mohamed, a venda dos doces garante cerca de R$ 30, o que, segundo ele, mal dá para a alimentação. Estou com dívida nos restaurantes, comenta. Sem energia elétrica, a geladeira perde a função. O fogão sem botijão de gás também não serve em muito.

No antigo escritório, o quarto improvisado exibe lençóis velhos envolvendo um colchão, uma cama e uma mesa onde ficam as roupas e outros objetos pessoais. No amplo galpão, ecoam os latidos de Luna e os sonhos de Mohamed, que chegou ao Brasil em busca de novas oportunidades e já conhece intimamente as dificuldades tão comuns a milhões de brasileiros. Sei que o Brasil tá em crise, mas quero construir minha história aqui. Por enquanto só quero um trabalho, poder comprar minha comida, ressalta. O que o egípcio Mohamed Nafad quer, na verdade, é o que muito brasileiro em suas condições persegue: dignidade e respeito.

 

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