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Marechal Palavras amigas

Comitiva de Marechal Rondon viaja segunda-feira para entregar cartas a crianças e famílias de Brumadinho

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Projeto se estendeu a todas as turmas dos dois educandários, desde maternal até o terceiro ano do Ensino Médio, e ao final de duas semanas de trabalho aproximadamente 900 cartas foram produzidas (Foto: O Presente)

 

“Meu abraço traz para você carinho, consolo, amor e o desejo de muita força para recomeçar. Vai ficar tudo bem!”.

As palavras escritas a lápis em um simples papel branco, recortado nas bordas e colado sobre um molde que simboliza um abraço são de uma pequena aluna do 3º ano do Colégio Luterano Rui Barbosa, de Marechal Cândido Rondon. Junto à frase está o desenho de uma paisagem, colorida e alegre, dividindo espaço com um coração vermelho e colorido com bondade. Mais do que palavras, a pequena carta traz sentimentos.

O gesto da criança é a prova concreta de que às vezes uma palavra amiga (ou mais) faz toda diferença, especialmente em momentos de dor, tristeza e fragilidade, como é o caso das famílias atingidas pelo rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, no último dia 25 de janeiro.

As doações de mantimentos, roupas e produtos de limpeza são muito importantes, mas, para crianças, amor e carinho também são fundamentais. E como muitos pequenos perderam familiares, o Colégio Rui Luterano Barbosa e a Escola Municipal Érico Veríssimo decidiram promover um projeto de produção de cartas para essas crianças e famílias. A iniciativa tem tocado o coração dos alunos.

Há aqueles que preferiram se expressar através de palavras e outros por meio de desenhos. As formas de enviar a mensagem são diferentes, mas o objetivo é um só: levar conforto aos sobreviventes da tragédia.

“Com o início das aulas, uma das preocupações que a gente teve foi fazer com que os nossos alunos pudessem olhar para os outros e para as crianças de Brumadinho que estão sofrendo. Sabemos que as pessoas estão recebendo os cuidados necessários, então pensamos o que nós, aqui, poderíamos fazer. Foi então que surgiu a ideia de pedirmos para que as crianças e colaboradores preparassem cartas para levar um pouco de consolo e esperança para as crianças de lá (Brumadinho)”, conta o diretor do Colégio Rui Barbosa, Carlos Kracke.

O projeto se estendeu a todas as turmas dos dois educandários, desde maternal até o 3º ano do Ensino Médio, e ao final de duas semanas de trabalho aproximadamente 900 cartas foram produzidas, todas carregadas de preocupação, consolo e esperança. “Eu já chorei muito de ver o que eles fizeram e as cartas que escreveram. É muito bonito ver crianças e jovens entendendo que eles podem ajudar muito passando aos outros palavras de perseverança”, destaca Kracke.

Assim como no início dessa reportagem, a frase que se destaca na maioria das cartas se resume em “tudo vai ficar bem”. “A gente tem acompanhado a escrita desse material e o que eles escrevem é um ‘caminhão’ de emoções que a gente vai poder levar para Brumadinho”, expõe o diretor.

 

Emoção

A diretora da Escola Municipal Érico Veríssimo, Giovana Patrícia Speck Toebe, ressalta que cada aluno fez uma carta dentro das suas possibilidades. “Os pequenos através de desenhos, palavras simples e com ajuda de professoras, que colaram frases que eles criaram em conjunto. Já os maiores escreveram as cartas”, comenta.

Ao ler uma por uma das mais de 300 cartas escritas pelos alunos, Giovana revela que a emoção tomou conta. “Tem muita presença de Deus nas cartas deles e isso nos chamou bastante atenção”, menciona. “Na realidade da nossa escola temos crianças muito carentes, mas eles mandaram otimismo e era esse o nosso objetivo, enviar carinho e vontade de viver para que eles realmente possam reconstruir a vida, já que muitos perderam não somente bens materiais, mas, sim, familiares”, acrescenta.

A ideia, segundo Giovana, foi abraçada por toda a comunidade escolar, desde alunos, professores, até familiares, que participaram escrevendo cartas. “Acredito que a gente trabalha muito a questão de valores na escola, fazendo o resgate do trabalho conjunto entre família e escola, por isso esses valores as crianças estão voltando a ter”, enaltece.

Para escrever as cartas, os sentimentos dos alunos foram amplos e iguais. “Me chamou muito a atenção o fato de alguns alunos colocarem nas cartas que ‘nós aqui de Marechal Candido Rondon estamos orando por vocês’. Eu fui questionar para saber se estavam realmente e eles disseram que toda noite antes de dormir pedem por eles”, revela.

A diretora também confessa que no início achava que as crianças menores estariam alheias às informações sobre o fato em Brumadinho, mas todas chegaram carregadas de vontade e conhecimento. “Deixamos livre para que elas colocassem o que sentiam e fomos direcionando, mas elas iam falando e colocando no papel. Com isso, percebemos que nossos alunos hoje têm muito conhecimento e buscam essa informação desde pequeninhos”, destaca.

 

Educação que dá certo

Em outra carta, um pequeno aluno da Escola Érico Veríssimo usou um poema como forma de passar a sua mensagem. Em um trecho do texto, intitulado “De criança para criança”, ele diz: “Ainda sou criança e não consigo entender o motivo de tanta ganância. Mas tenho esperança que toda essa dor seja transformada em amor”.

Através das cartas, os diretores dos educandários perceberam que o papel da escola e família perante a essas crianças está sendo cumprido. “O que foi colocado no papel ninguém pediu para que escrevessem. Eles escreveram com o coração. Foram colocadas frases de impacto e eu chorei muito lendo as cartas porque sentimos que veio do coração. São valores que estão aprendendo e que estamos colocando na vida deles”, salienta a diretora da Escola Érico Veríssimo.

Para Kracke, o conteúdo das cartas revela que a educação está dando certo. “O Colégio Rui Barbosa preza pela excelência e alto rendimento dos alunos e é tão especial quando eles conseguem colocar no papel aquilo que o coração lhes pede. Um coração repleto de amor, preocupação, dúvidas, de incertezas, mas de muita esperança, por isso percebemos, com as cartas, que estamos no caminho certo. Queremos esse tipo de educação, que preze pela qualidade e também pelo cuidado com o próximo”, ressalta.

Entrega especial

O diretor do Colégio Rui Barbosa conta que no início a ideia seria enviar as cartas para Brumadinho através de e-mail ou dos Correios. No entanto, ao final da produção das cartas foi resolvido que a entregue seria feita pessoalmente. “Na segunda-feira (25) uma comitiva sai de Marechal, incluindo dois alunos que irão representar os demais, professores e direção. Vamos pessoalmente a Brumadinho entregar as cartas para os alunos e famílias do Córrego do Feijão”, informa Kracke.

Eles chegam a Brumadinho na terça-feira (26) e retornam a Marechal Rondon na quinta-feira (28). Para Kracke, o encanto vai ser muito grande. “Os alunos que vão ter essa experiência junto com a gente e a maneira como os alunos de lá vão receber isso, sabendo que no interior do Paraná, na cidade de Marechal Rondon, alguém se preocupou com eles. E tenho certeza que o mesmo acontece em muitos outros locais do país”, diz, emendando: “Às vezes a gente convive com tantas tragédias e esquecemos as vítimas. Essa é uma maneira de eles sentirem que há pessoas preocupadas com eles”.

Conforme o diretor, o objetivo não é achar culpados e destaca que esse não é o papel da escola. “Nosso papel como escola é ajudar aquelas crianças a superarem esse momento. E tenho certeza que elas se sentirão muito felizes por esse presente carregado de amor e emoção”, expõe Kracke.

 

Esperança renovada

Com essa experiência, Giovana destaca que todos saem renovados como seres humanos e também educadores. “Saímos dessa experiência com o coração cheio de alegria, com o sentimento de que estamos cumprindo a nossa missão enquanto educadores e que estamos conseguindo fazer com que as nossas crianças olhem para o próximo com carinho e amor”, declara.

As cartas são mais do que uma tarefa escolar. Se tornaram um exercício de solidariedade. “Não queríamos que uma tragédia acontecesse para que isso fosse mostrado, mas aconteceu e temos que fazer com que os nossos filhos e alunos olhem com um olhar diferente para essas famílias. Um olhar de compreensão, de ajuda, mas não só aquela ajuda de sempre, de mandar roupas e etc, agora estamos mandando carinho para o povo de Brumadinho”, assegura.

 

Sensibilidade

A inocência de uma criança acarreta também em uma grande sensibilidade. Sentimento este que em jovens está misturado em meio a tantas outras preocupações, como, nesse caso, o vestibular. “Vimos jovens deixando um pouco de lado o foco do vestibular e parando para escrever e demonstrar preocupação com os jovens de Brumadinho. Alguns, inclusive, colocaram o número do WhatsApp para que o pessoal de lá possa entrar em contato”, conta Kracke.

Para o diretor, esse é tipo de cidadão que a sociedade precisa. “Jovens que estão preocupados com o futuro, mas que podem parar um pouco e olhar para o próximo e deixar uma palavra, uma frase ou um gesto de carinho que vai impulsionar as vidas dessas famílias que precisam se reconstruir”, enfatiza.

A filha de Giovana foi uma das alunas que decidiu deixar seu contato de telefone na carta que será enviada a Brumadinho. “Eu a questionei sobre o caso de alguém ligar ou mandar mensagem e ela disse que vai conversar, perguntar como essa pessoa está se sentindo e o que ela pode fazer para ajudar”, comenta a diretora.

Ela também utilizou as redes sociais para publicar algumas das cartas elaboradas pelos alunos. “As reações foram positivas e os pais adoraram a ideia. Acredito que é uma ação simples, mas de um resultado fantástico, principalmente para os nossos alunos. Lá (Brumadinho) vai ser uma ponta final, mas o que conseguimos fazer aqui foi gigantesco”, salienta.

Kracke também chama atenção para a necessidade de ações como esta serem feitas sempre e não somente com pessoas que estão longe. “Mas também aqui perto e que precisam muito de um incentivo e um abraço”, pontua.

 

Diretores da Escola Municipal Érico Veríssimo e Colégio Luterano Rui Barbosa, Giovana Toebe e Carlos Kracke: “Queremos esse tipo de educação, que preze pela qualidade e também pelo cuidado com o próximo” (Foto: O Presente)

 

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