Fale com a gente

Marechal Jürgen Sauk

Conheça a história do “rondonense” que foi prisioneiro de Stalin

Publicado

em

Jürgen Sauk: muitos morriam “de fome, de frio e até de tristeza” (Foto: Divulgação)

“Eu estava tão esquálido e enfraquecido que os russos me liberaram para que fosse morrer em casa”. Dita com uma pitada de ironia, a frase resume a trajetória do ex-soldado alemão Jürgen Sauk, que amargou quatro anos de cativeiro nos campos de trabalho forçado do ditador soviético Josef Stalin. Nascido em 1926 na cidade portuária de Hamburgo, no Norte da Alemanha, Sauk era um estudante de 18 anos quando foi convocado para as fileiras da Wehrmacht e designado para o Regimento de Foguetes 70.

Corria o mês de abril de 1944. A essa altura da guerra na Europa, os exércitos soviéticos já haviam batido os alemães em Stalingrado e as tropas de Adolf Hitler refluíam na frente oriental. O recruta Sauk passou por cinco semanas de treinamento e foi despachado para o “front”, junto com dezenas de outros, como reposição das baixas que o Regimento 70 havia sofrido na região do Báltico.

Em Riga, Capital da Letônia, ele começou a ver a guerra de frente. Seu regimento era parte de uma força de 360 mil homens – o 16° e o 18° Exércitos – que tinham como missão proteger o flanco de tropas alemãs em retirada diante das investidas de divisões sob o comando do marechal Gueorgui Júkov.

“A infantaria russa” – relatou Sauk a este repórter, em 1994 – “costumava atacar em massas compactas, um soldado ao lado do outro, apoiada, às vezes, por tanques. Dada a sua forma, eram ataques estúpidos – eles tinham baixas enormes.

Quando investiam dessa maneira, deixávamos que se aproximassem e abríamos fogo. Éramos uma tropa de artilharia totalmente motorizada que dava apoio às unidades de infantaria e outras da linha de frente. Íamos para uma determinada posição, despejávamos nossas salvas e saíamos rapidamente para escapar da artilharia russa. Nossos foguetes tinham alcance de até nove quilômetros”.

Em maio de 1945, quando os soviéticos içaram a bandeira da foice e do martelo sobre as cinzas do III Reich, em Berlim, o Regimento de Foguetes 70 estava ilhado na península de Kurland (Letônia), ao lado de outras unidades que compunham uma força de milhares de homens. Desesperados e reiterados pedidos de ajuda que haviam sido feitos nas semanas anteriores ao alto comando da Wehrmacht, pelo rádio, ficaram sem resposta. O regime nazista agonizante já não dispunha mais de recursos materiais – aviões ou navios – para providenciar a retirada desse imenso contingente.

Fugindo das investidas de tropas regulares e também de guerrilheiros soviéticos, os militares cercados em Kurland resistiram até o início de junho. Então, com o moral reduzido a zero devido à rendição da Alemanha, depuseram as armas e encararam seu destino imediato: os campos de prisioneiros de guerra do regime stalinista. Estima-se que de 3,2 milhões a 3,6 milhões de soldados da Wehrmacht e das Waffen SS passaram por esses campos. Fome, maus-tratos, jornadas de trabalho extremamente duras e o frio do inclemente inverno russo mataram pelo menos 1,2 milhão de ex-combatentes alemães.

Com quase dois metros de altura e compleição robusta, o jovem Sauk encarou uma versão light do cativeiro nas primeiras semanas. Deram-lhe a incumbência de transportar armas e equipamentos para depósitos russos. Depois, mandaram-no para um campo de trabalho situado em Luga, ao Sul de Leningrado (atual São Petersburgo), comandado por um coronel soviético mutilado de guerra.

Eram cerca de 450 prisioneiros. O trabalho consistia no corte de dormentes para a malha ferroviária soviética. Sauk esteve também em Archangelsk, próximo do Círculo Polar Ártico; em Nizhniy Tagil, nos Urais; e em diversos campos na Ucrânia, perto do Mar Negro. Foi marceneiro, carpinteiro, mineiro… Fazia o que lhe determinavam fazer.

 

“OS MAIS VELHOS ACHAVAM QUE ESTAVA TUDO ACABADO”

Dos mais de 300 mil homens que capitularam em Kurland, possivelmente a metade pereceu nos campos stalinistas, estimava Sauck, “de fome, de frio e até de tristeza”. Segundo ele, “morriam mais facilmente as pessoas já de certa idade, que haviam perdido a perspectiva de retorno à pátria. Isso acontecia muito com graduados – cabos e soldados. Dos oficiais a gente não tinha notícia, porque eram colocados em outros campos. O que se podia fazer? O importante era não perder o sentido da autopreservação. Para os jovens, que tinham maior resistência, isso era mais fácil. Os mais velhos achavam que estava tudo acabado. Para eles, o dia a dia resumia-se à alimentação ruim, habitação inadequada e trabalho pesado. Por isso, às vezes, registravam-se suicídios entre os prisioneiros”.

Em Luga, os alemães habitavam rudimentares barracões de madeira e dormiam sobre pranchas. Nem mesmo palha havia para dar algum conforto ao corpo.

O fogão era um tonel de combustível.

Os mortos eram sepultados nos arredores do campo. “Às vezes, não sabíamos quem era o morto” – relatou Sauk -, “pois os russos haviam retirado nossos documentos e plaquetas de identificação. Quando a gente sabia a identidade do morto, tratava de decorá-la para um dia, talvez, avisar a família”.

Em todos os campos por onde passou, o ex-soldado encarou longas jornadas de trabalho, de até dez ou 12 horas por dia.

Não havia domingos nem feriados. O tratamento dispensado pelos guardas variava de campo para campo. Em Luga, o velho coronel do Exército soviético tinha uma certa empatia com os prisioneiros, porque precisava deles para cumprir metas de produção fixadas por Moscou. Nos campos controlados pela GPU (mais tarde KGB) – a polícia política -, jovens comunistas fanatizados, egressos das chamadas “escolas de Stalin”, tratavam os alemães com extremo rigor. A menor falta era punida com fuzilamento sumário.

 

“QUE FOSSEM MORRER NA ALEMANHA”

A liberdade para Jürgen Sauk chegou na metade do ano de 1949, quando uma comissão de médicos militares – a metade mulheres – chegou ao campo para examinar o grupo de prisioneiros do qual ele fazia parte. “Os que apresentavam distrofia muscular, eram julgados inaptos para o trabalho e liberados. Podiam voltar para casa. Que fossem morrer na Alemanha, a fim de que a imagem externa da União Soviética não fosse maculada”, relembrou o ex-soldado do Regimento 70.

Sem documentos, sem dinheiro e com uma sofrível ração diária, os felizardos foram embarcados em um trem que saiu de Stalino, na Ucrânia, com destino a Frankfurt an der Oder, fronteira da Polônia com a então zona de ocupação soviética. De lá, a viagem prosseguiu até a divisa das zonas de ocupação inglesa, americana e francesa. Os que estavam em pior estado físico receberam atendimento médico. Jürgen Sauk era só pele e ossos quando seu pai veio de Hamburgo para visitá-lo no hospital.

O ex-prisioneiro emigrou para o Brasil, estabelecendo-se em Marechal Cândido Rondon, no Paraná, em 1966. Ali casou e se tornou conhecido como “expert” em temas relacionados à biologia, à agronomia e às ciências exatas. O memorialista Harto Viteck recorda que o imigrante foi membro fundador do Centro de Pesquisas Científicas rondonense. Dedicava-se a estudos sobre os efeitos da radioatividade e da eletricidade na saúde humana. Produziu vários textos científicos em língua alemã.

Jürgen Sauk faleceu em 24 de março de 2019, aos 92 anos de idade, deixando viúva a professora Aurélia Liessen.

 

Jürgen Sauk faleceu em 24 de março de 2019, aos 92 anos de idade, deixando viúva a professora Aurélia Liessen (Foto: Divulgação)

 

Por Heinz Schmidt/Pitoco

Clique aqui e participe do nosso grupo no WhatsApp

 

Copyright © 2017 O Presente