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Marechal Praga nas lavouras

Cortadeiras voltam a infestar propriedades rurais

Formigas que podem manter ninhos com milhões de insetos têm levado agricultores a gastarem até 30 quilos ao mês em iscas para tentar combater as infestações em propriedades e nos jardins de casa

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Foto: Mirely Weirich/OP

Ninhos que podem passar dos seis metros de profundidade e abrigar mais de cinco milhões de insetos, que precisam de pelo menos mil quilos de folhas para sobreviver por um ano. Este é o ritmo de vida das formigas cortadeiras, conhecidas dos agricultores, mas que há cerca de dois anos têm trazido cada vez mais dor de cabeça para quem tem diversificação de produção agrícola.

O casal de agricultores Simoni e Valdomiro Klein, moradores de Bom Jardim, interior de Marechal Cândido Rondon, têm perdido o sono com as tais das cortadeiras. A descoberta de alguns ninhos, conta Simoni, foi feita à noite, com farolete, seguindo o trilho das operárias que levavam as folhas para casa. “Percebemos que aqui elas têm um hábito mais noturno e começam a trabalhar quando escurece, tanto que várias plantas em um dia estavam inteiras e no outro destruídas pelo trabalho das formigas”, conta.

No sítio de pouco mais de dez alqueires do casal, onde a produção é diversificada entre lavoura de milho, soja, trigo, mandioca, alguns animais para consumo próprio da família, árvores frutíferas, flores ornamentais, uma horta com diversas verduras e chás medicinais, as cortadeiras “fazem a festa”. “Tentamos controlar com o uso de produtos como iscas granuladas e em pó, que são indicadas para uso em casas agropecuárias. Um dos mais eficazes para nossa propriedade é uma isca cítrica feita à base de casca de laranja”, relata. “Mas não conseguimos acabar com elas, apenas controlar. Jogamos na horta, na beira da estrada e por um tempo elas acalmam, mas algumas semanas depois elas voltam com a mesma força de antes, tamanha a infestação”, menciona, ressaltando que, nos últimos meses, o casal tem utilizado cerca de 30 quilos por mês de produtos para controlar o inseto. Por atacarem quase todas as culturas, cortando folhas e ramos tenros e podendo destruir completamente as plantas, Simoni diz que na lavoura não são observados tantos danos, tendo em vista a extensão das plantações. “Mas em menor escala temos danos significativos e muito incômodos”, desabafa a agricultora.

Em cerca de 300 metros à beira da estrada e dentro da mata de eucalipto, onde os trilhos feitos pelos insetos eram percebidos a olho nu, a agricultora encontrou pelo menos 30 ninhos, alguns escondidos embaixo de folhagens e outros que se estendiam do pé de uma árvore a outra. “Quando alguém quer saber onde tem formiga aqui na propriedade, é mais fácil pedir onde não tem”, comenta ela.

Nem a horta da agricultora Simoni Klein, de Bom Jardim, teve descanso: as cortadeiras tomaram conta do pé de alecrim e de vários outros cantos da propriedade (Foto: Mirely Weirich/OP)

Ataque geral

Administrador distrital de Bom Jardim, o também agricultor e comerciante Lauri Weber comenta que diversos agricultores têm se queixado sobre os problemas sofridos em suas propriedades. As formigas aparecem também em terrenos baldios, no campo de futebol do distrito, nos jardins de casas que ficam na vila e principalmente nos sítios. “Sempre houve um ou outro local com ninhos. Ouvíamos falar sobre o ataque generalizado no Rio Grande do Sul anos atrás, de onde meu pai veio e já havia me falado, de que lá isso também era um grande problema. Mas aqui começamos a notar que de dois anos para cá está difícil combater as formigas”, expõe.

Na visão dos agricultores, o local que propicia a reprodução em massa das cortadeiras é a área de proteção da Itaipu Binacional, que inclui mata nativa e trechos de reflorestamento. “Já comentamos com um técnico da Itaipu que esteve aqui há pouco tempo e ele nos explicou sobre a questão de combater as formigas dentro desta área, que não pode ser feita por ser uma área de preservação”, diz.

Weber ressalta que não são apenas as cortadeiras que trazem problemas. Outras espécies também têm preocupado e dado bastante trabalho aos agricultores. “Gostaríamos que fosse feito algum trabalho conjunto entre a Itaipu, a prefeitura e outros órgãos capacitados para combater esses insetos que, hoje, transformaram-se em um problema aqui. Antes também existiam formigas, mas eram em quantidade normal. Agora estamos em uma situação de infestação que foge ao controle dos agricultores”, pontua.

 

Reprodução não está na faixa de proteção

Apesar de os produtores atribuírem o alto índice de formigas cortadeiras à proximidade com a faixa de proteção de Itaipu, presumindo que as condições da área seriam mais ideais para a reprodução das cortadeiras e, consequentemente, a proliferação dos insetos nas propriedades da região, o técnico florestal e gerente de Reservatório e Áreas Protegidas da Itaipu, Edson Zanlorensi, explica que não existe base científica para tal afirmação. “As formigas cortadeiras de modo geral são espécies silvestres que se desenvolvem em qualquer ambiente silvestre, especialmente em áreas que existe antropização, ou seja, onde houve ação do ser humano sobre o meio ambiente”, enaltece.

Zanlorensi salienta que a formiga é um inseto presente na natureza até muito antes dos seres humanos e, no Brasil, podem ser encontradas em diversas localidades, não sendo vistas apenas em áreas de culturas como soja e milho, mas também em matas de sucessão natural como matas em desenvolvimento. “É completamente errôneo afirmar que apenas a faixa de proteção é um ambiente propício para a reprodução desses insetos”, reforça.

Técnico florestal e gerente de Reservatório e Áreas Protegidas da Itaipu, Edson Zanlorensi: “O controle desses insetos precisa ser uma política de Estado, multitarefa, do contrário, é muito difícil controlar e combater as cortadeiras” (Foto: Nilton Rolin/Itaipu Binacional)

O técnico florestal da binacional explica que a Itaipu sempre teve uma preocupação em manter o controle das formigas há anos nas áreas de interação com produtores. “Na linha de divisa com as propriedades rurais fazemos o controle por meio de uma empresa especializada que é contratada para isso, licenciada e capacitada. Dentro da faixa de proteção, não fazemos, mas nas proximidades da linha de divisa das propriedades fazemos o controle de sauveiros que estão até mesmo fora da faixa, nos primeiros metros da linha de divisa”, declara.

Zanlorensi avalia que, por outro lado, o controle das cortadeiras precisa ser tratado dentro de um projeto de política pública que não envolva apenas uma instituição, mas, sim, também os municípios por meio do Poder Público, o Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), entre outros órgãos ambientais. “O controle desses insetos precisa ser uma política de Estado, multitarefa, do contrário, é muito difícil controlar e combater as cortadeiras”, considera.

 

Acompanhamento técnico

O gerente de Reservatório e Áreas Protegidas da Itaipu também lembra sobre o cuidado na forma de conduzir o trabalho de manejo para o controle das cortadeiras, tendo em vista que são utilizados produtos químicos. “Há necessidade de acompanhamento especializado porque há técnicas sobre que produto usar, que deve ser licenciado pelos órgãos ambientais, de qual forma, qual dia aplicar e saber também que espécie de formiga está combatendo e se ela realmente causa danos a propriedade”, recomenda.

Zanlorensi menciona que diversos fatores devem ser levados em consideração para o controle das cortadeiras levando em conta que o hábito da formiga depende da espécie – não sendo possível generalizar. Algumas trabalham durante o dia, outras têm hábitos noturnos. “Elas são muito seletivas no que colhem, nas forrageiras, que é o que coletam para a alimentação do fungo que se alimentam”, informa.

 

Leia a reportagem completa na edição desta terça-feira (26) do Jornal O Presente.

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