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Marechal

Projeto polêmico

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“O embasamento ao veto está na inconstitucionalidade do projeto de lei. Se há inconstitucionalidade por princípio, a matéria caduca, não tem sentido”. Essas foram palavras ouvidas na Câmara de Vereadores de Marechal Cândido Rondon durante reunião realizada na última sexta-feira (17) para tratar sobre o projeto de lei (PL) nº 29/2017. O PL propõe normas a serem instituídas na rede municipal de ensino que se assemelham ás iniciativas do movimento “Escola sem partido”, proposto no âmbito legislativo em diversos municípios e Estados brasileiros.

A ementa apresentada pelo vereador Ronaldo Pohl (PSD) em 02 de outubro dispõe sobre regras básicas e diretrizes complementares na Educação Infantil, a serem aplicadas na rede municipal de educação, objetivando a formação de alunos sem doutrinação política e ideológica. O objetivo, conforme exposto no PL, é “assegurar aos pais e, principalmente, aos alunos do Ensino Fundamental uma firmação sem doutrinação política ou ideológica”.

Em conversa com a reportagem de O Presente, Pohl explicou que a intenção em apresentar o projeto de lei partiu de conversas com pais de crianças matriculadas em instituições de ensino públicas da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. “A ideia do projeto surgiu diante de algumas reclamações de pais com relação à postura de alguns professores em sala de aula, que puxavam para uma ou outra vertente política no momento de trabalhar os conteúdos com os estudantes”, diz.

De acordo com o artigo 2º do PL, a educação ofertada tanto na rede municipal quanto privada de ensino deve atentar-se aos princípios de fomentar as discussões políticas e ideológicas, mas com neutralidade; respeito ao pluralismo de ideias; respeito à crença; reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação ensino-aprendizagem; valorização da educação e da informação ao estudante, primando pela liberdade de opinião e ressaltando os deveres enquanto aluno; e assegurar aos pais o conhecimento prévio das principais diretrizes e princípios da educação a ser desenvolvida em sala de aula.

De acordo com o artigo 3º, “são vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica, devendo o professor expor a informação sem expressar sua convicção pessoal sobre determinado tema”.
 
Aprovado em unanimidade, mas vetado

Durante sessão extraordinária de 09 de novembro, o Poder Legislativo rondonense aprovou em definitivo projeto de lei, tendo parecer favorável dos 13 vereadores.

Quatro dias depois, na sessão ordinária do dia 13, o prefeito de Marechal Rondon, Marcio Rauber, comunicou ao presidente da Câmara, vereador Pedro Rauber (DEM), o veto integral ao PL 29/2017. “A assessoria jurídica destacou existirem vícios de origem que contrariam o que dispõe a nossa norma legal. Por esses motivos e também pelas nossas convicções entendemos que esse projeto deve ser vetado na sua integralidade”, afirmou o prefeito, ressaltando que vetou o projeto seguindo o que preceitua a Constituição Federal.

Na mesma data, um grupo de professores e manifestantes se dirigiu à Câmara para acompanhar a sessão. Em mãos, faixas e cartazes reproduziam frases como “Por uma escola sem censura”, “Censura nunca mais” e “Sem expressão não há educação”. Conforme o grupo, a manifestação pacífica objetivou demonstrar o constrangimento da categoria com a aprovação do PL, já que, na concepção dos manifestantes, ele impossibilita o direito do ensino com debate.
 
Debate de ideias

Já na última sexta-feira (17), a convite do vereador Ronaldo Pohl, representantes do grupo que se apresenta contra o projeto e também favoráveis ao PL 29 se reuniram na Câmara de Vereadores. Na oportunidade, os dois posicionamentos foram apresentados com o objetivo de que os demais vereadores pudessem embasar sua decisão de voto (favorável ou contrária) ao veto do prefeito Marcio Rauber. “Foi um processo de amadurecimento.

Esses últimos quatro dias me fizeram ficar muito introspectivo, pensar muito e refletir sobre política e personalidade. Confesso que ainda tenho muita dúvida sobre essa questão de ideologia política e partidária”, destacou Pohl durante o encontro.  

Além dele, estiveram na reunião o vereador Adelar Neumann (DEM) e assessores de outros edis que não puderam comparecer. O encontro foi gravado para que todos os legisladores tivessem acesso às questões debatidas.

De acordo com a Lei Orgânica (art. 49 parágrafo 4º), o prazo para a votação do veto é de 30 dias após seu recebimento pela Casa de Leis, em única discussão e votação. “Vou manter meu voto favorável ao projeto e para que o veto do prefeito seja derrubado, contudo, vou deixar para que cada vereador tenha liberdade de escolha, que ouça as bases, busque informações e vote de acordo com sua opinião individual”, salientou Pohl à reportagem de O Presente, após a reunião.  

O “Escola sem partido”

Iniciado em 2004, o movimento “Escola sem partido” foi criado por membros da sociedade civil. Para Miguel Nagib, advogado e coordenador da organização, professores vinham utilizando o espaço da sala de aula para promover “a doutrinação política e ideológica” entre os alunos. “De um lado, a doutrinação política e ideológica em sala de aula, e de outro, a usurpação do direito dos pais dos alunos sobre a educação moral e religiosa dos seus filhos”, disse em entrevista à EBC.

A proposta do movimento é de que seja afixado na parede das salas de aula de todas as escolas do país um cartaz onde estarão escritos os deveres do professor. A presença do cartaz em sala de aula teria o objetivo de informar os estudantes sobre o direito que eles têm de “não serem doutrinados”.

O discurso dos apoiadores da “Escola sem partido” é voltado principalmente para criticar o que consideram “ideais de esquerda”, como, por exemplo, a igualdade de gênero e o reconhecimento da diversidade de orientação sexual e de gênero.

O presidente do projeto social Buscando Soluções, Elias Abraão Glassmann, que esteve no encontro na última sexta-feira, se posiciona totalmente favorável ao projeto “Escola sem partido” e ao PL 29, apresentado pelo vereador rondonense. “Quem lê o projeto integralmente verifica que ele não está retirando qualquer direito dos professores, mas, sim, pedindo uma neutralidade nos temas trabalhados em sala de aula”, explica.

Na visão de Glassmann, o projeto visa beneficiar a educação, trazer assuntos críticos para o debate em sala de aula, mas evitar que a convicção pessoal do professor referente a temas políticos ou ideológicos interfira no aprendizado do aluno. “Vários manifestantes com os quais conversei durante a sessão do dia 31 me disseram que não haviam lido o projeto, mas que ficaram sabendo que seria algo que censuraria o direito dos professores, a lei da mordaça, então se juntaram ao movimento”, pontua. “Nenhum deles soube me identificar no projeto, no entanto, onde se referia veemente a lei da mordaça e qual parte do projeto que tiraria os direitos dos professores a se posicionarem acerca de um assunto. O projeto traz, sim, a questão da doutrinação, a convicção pessoal do professor acerca do que diz respeito a assuntos ideológicos ou partidários”, frisa Glassmann.
 
Do outro lado

Na contramão da ideia, críticos do movimento afirmam que nada na sociedade é isento de ideologia e que o “Escola sem partido”, na verdade, é uma proposta carregada de conservadorismo, autoritarismo e fundamentalismo cristão. Com a visibilidade que o movimento tem ganhado, muitas propostas inspiradas nas ideias do movimento têm sido apresentadas no âmbito legislativo de todo o país – exemplo de Marechal Rondon.

A doutora em História e professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) Aparecida Souza afirma que sua posição em relação ao PL 29 está orientada com base em duas premissas: a primeira é que o projeto é inconstitucional e, por si só, este fato já coloca um problema para o projeto. “Em segundo lugar, eu acredito que qualquer projeto que vá considerar a relação professor-aluno na escola precisa ser discutido amplamente, e é importante que a Câmara faça essa discussão, mas que antes considere a realidade da escola, converse com professores, pais, estudantes e estudantes de licenciatura que no futuro serão educadores, porque essa é a característica da legislação educacional”, observa.

A professora diz ser fundamental que se defendam os princípios de uma relação democrática na construção de qualquer legislação, especialmente aquelas que orientarão as práticas na escola. “Esse projeto não está fora da matriz da discussão do ‘Escola sem partido’ até porque parte do PL 29 reproduz outros projetos dessa mesma natureza que se autodenominam ‘Escola sem partido’. Justamente por esse nível de proximidade que foi suscitado tanta reação e discussão”, enaltece, emendando que “há uma preocupação de todos com práticas de controle e censura. A política para acontecer precisa ser feita com responsabilidade, mas também com liberdade.

Não fizemos uma discussão ideológica, mas apresentar argumentos para manutenção do veto ao projeto que consideramos nocivo por ser inconstitucional e também porque não considerou o rito democrático da discussão coletiva”.

Confira a matéria completa na edição impressa desta terça-feira (21).

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