Fale com a gente

Marechal Trajetória de lutas e vitórias

Exemplo de superação, rondonense que nasceu sem os olhos já venceu muitas batalhas; conheça a história da pequena Alice

Publicado

em

(Foto: Divulgação)

A maternidade é uma das experiências mais transformadoras do ser humano. A expectativa começa com a gestação (ou até antes dela) e avança com o nascimento do bebê. Neste processo, contudo, nem sempre as coisas saem como o esperado. As experiências pelas quais passam mães e pais ao ter um filho diagnosticado com uma condição ou doença rara, por exemplo, são impactantes e, para muitos deles, podem representar frustração.

Tristeza, medo e revolta tendem a se misturar a muitos outros sentimentos, e se de um lado o caminho indica um percurso marcado por internações, exames, cirurgias e outros tratamentos, por outro, descortina um cotidiano em que pequenas conquistas tornam-se grandes vitórias.

Quem passa por um processo complexo como esse geralmente descobre uma força interior que sequer imaginava ter e começa a enxergar o mundo de uma forma diferente. Mais do que isso, dá um novo significado à vida.

Na família Junges, a chegada de Alice foi cercada de desafios. Ao O Presente, os pais da pequena rondonense, hoje com seis anos, compartilham o que viveram ao descobrir que a filha era portadora da Síndrome de Fraser (tipo 2), uma condição rara que afeta um a cada meio milhão de nascimentos, segundo índices computados na Europa. No Brasil não há estatísticas a respeito.

De acordo com Adriani e Fábio Junges, a síndrome só foi diagnosticada por meio de um sequenciamento genético realizado por toda a família quando a pequena Alice já tinha dois anos. “Ela é uma guerreira desde quando nasceu, passando por diversos procedimentos cirúrgicos em busca de uma melhor qualidade de vida. Ter o diagnóstico da síndrome não mudou em nada, apenas nos esclareceu o que era”, declaram os pais.

 

“Imagem forte”

Pais de primeira viagem, Adriani e Fábio fizeram o acompanhamento pré-natal “conforme manda o figurino”. Até então, tudo ok. Foi somente no nascimento de Alice que o inesperado aconteceu. “Eu estava na maca, ainda anestesiada, e as enfermeiras admiravam a primeira roupinha da minha filha. Soavam risos, brincadeiras e muita animação enquanto ela nascia. No entanto, em questão de segundos o silêncio tomou conta do ambiente. Houve uma correria na sala de cirurgia do hospital e eu não pude ver nem tocar a minha pequena, mas conseguia ouvir o chorinho dela”, relembra Adriani.

Nesses primeiros momentos, o desespero tomou conta da mamãe, que aguardava ansiosamente para ver a filha e saber o que estava acontecendo. “O obstetra estava terminando a sutura da minha cesárea e me recordo de ter dito a ele que eu era forte e que tinha feito um juramento perante a Deus que aceitaria minha filha conforme Deus a tivesse concedido a mim”, recorda.

Os minutos pareciam uma eternidade e, enfim, o médico deu o diagnóstico. “A sua filha nasceu com uma má-formação na face e tem um sopro. É uma imagem forte. Você quer vê-la?”, conta Adriani, que, convicta, respondeu “sim”. “Não tenho palavras para descrever o que eu senti quando vi o meu bebê. Todo o amor nutrido em mim tinha ganhado vida”, ressalta, emocionada.

Depois de ser conhecida pela mãe, a pequenina voltou às avaliações médicas. “Enquanto isso, meu esposo e minha sogra nos aguardavam ansiosos e preocupados, pois a cesárea demorou muito. Quando eu e ela chegamos ao quarto, fomos acolhidas com muito amor, zelo e carinho. Nisso a Alice já se pôs a mamar e eu, mesmo com os pensamentos desordenados, me mantive firme, como sigo até hoje”, enaltece.

 

Síndrome de Fraser

A rotina do casal, até então de calmaria, se transformou em correria. “Tudo para buscar o melhor para a nossa filha. Foram muitas consultas e exames”, comentam os pais.

A Síndrome de Fraser tem como principais características a criptoftalmia (má-formação congênita dos globos oculares ou falta de globo ocular), a sindactilia (fusão da pele entre os dedos) e anomalias geniturinárias e do trato respiratório.

“No caso da nossa filha, há criptoftalmia total no olho direito e criptoftalmia parcial no olho esquerdo, que tem cerca de 3% de visão. Ela nasceu com nariz em sela, que é uma deformação nasal em que a parte superior do nariz é achatada, implantação das orelhas baixas, sindactilia na mão esquerda e sindactilia nos pés. A Alice também nasceu com sopros e comunicações interventriculares (CIVS) e estenose pulmonar valvar discreta, uma cardiopatia não comum em outros casos relatados da síndrome”, detalha Adriani.

 

Primeiras semanas de vida

Desde que nasceu, Alice passou por muitas avaliações, feitas por diversos profissionais. “Nas primeiras horas de vida, ela passou por uma avaliação com oftalmologista, porque tinha muita sensibilidade à luz e havia uma preocupação em relação à hidratação do olho, tanto que logo foi iniciado um protocolo para tal. Ao todo, ficamos oito dias no hospital em que a Alice nasceu, em Marechal Cândido Rondon. Cogitava-se encaminhá-la para Curitiba, mas acabou não sendo necessário. Passamos por momentos de muita insegurança, afinal era um caso nunca visto”, menciona Fábio.

Com oito dias de vida, Alice saiu do hospital e foi direto para a primeira consulta com um cardiologista pediátrico. “Nesta consulta ela foi diagnosticada com CIVS moderada e possivelmente precisaria passar por uma cirurgia. Os nossos corações doíam, mas precisávamos acalmá-los para cuidar do coração de quem tanto amamos”, enfatiza.

 

Diagnósticos incertos

No mesmo dia, a pequena passou por consulta com um ortopedista e, na sequência, avaliação de um neurologista. “Sem nenhum exame e apenas comparando a nossa realidade com fotos de um velho livro, este profissional pré-diagnosticou a Alice como portadora de uma síndrome que não a deixaria viver mais de quatro meses”, conta Adriani.

O diagnóstico deixou a família desesperada. “Foi o pior momento que já vivenciamos em toda a nossa trajetória. O médico foi muito infeliz e dilacerou nossos corações. Mesmo sem trocar uma palavra, eu e meu esposo sentíamos a dor um do outro pelo olhar naquele momento”, expõe.

O prazo dado pelo médico foi vencido pela família, que esteve amparada por suporte profissional e uma rede de apoio.

 

Luta para ganhar peso

Durante os primeiros meses de vida, Alice passava por acompanhamento semanal com pediatra, uma vez que não ganhava peso devido à cardiopatia. “Amamentei a Alice por quatro meses e depois introduzimos suplementação, pois ela gastava muita energia para mamar e isso impedia o ganho de peso”, conta Adriani.

O ganho de peso era necessário para a pequena passar por uma cirurgia paliativa de bandagem da artéria pulmonar, que aconteceu no Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, quando ela tinha seis meses. “Estávamos cientes de que seria uma cirurgia de risco, mas a confiança de que Deus guiaria a equipe médica era maior. Correu tudo bem. Alice passou 11 dias internada, sendo sete em unidade de terapia intensiva (UTI) e quatro em enfermaria”, pontua o papai.

 

Trajetória de vitórias

O tempo foi passando e Alice crescendo, sempre rodeada de amor e vencendo as batalhas da vida. Com um ano e três meses, ela já caminhava, quando passou por uma cirurgia cardíaca corretiva. “O sopro foi fechado. Foram 17 dias de internamento e houve intercorrências na UTI. Por 11 dias a Alice foi muito forte, lutou duramente e venceu a batalha. Entre dois e quatro anos de vida, ela fez quatro cirurgias para corrigir a sindactilia que tinha na mão esquerda. Buscamos cedo esta correção com o propósito de deixar os dedinhos livres e fortes para que ela conseguisse utilizar o sistema braille em sua vida escolar, pois já na época estávamos cientes de que seria necessário”, menciona Adriani, acrescentando que a máquina do sistema tem botões “pesados” e, ao mesmo tempo, exige sensibilidade para que se sintam os pontos.

 

Resquícios de visão

Quando Alice tinha um aninho, entre uma brincadeira e outra, Fábio percebeu que a filha tinha resquícios de visão, uma vitória para toda a família. “Meu esposo sempre foi muito dedicado e estimulava a visão. Quando voltava do trabalho, lá ia ele dar colo e ficar com a Alice. Eu sentia o quanto ele acreditava que ela identificava as cores, enquanto eu não criei muita expectativa. Novamente, Deus nos agraciou e a Alice tem um pouco de visão”, evidencia a mãe da pequena.

Na época, a família Junges morava em Entre Rios do Oeste, onde, por volta dos dois anos, a Alice iniciou a estimulação visual na sala de recursos da Escola Municipal Presidente Médici. “Ela teve um atendimento fenomenal e a visão foi evoluindo. Até os médicos não acreditavam quando ela identificava as cores”, conta Fábio.

Sistema braille

Em 2020, os entrerrienses vieram morar em Marechal Rondon, depois de descobrirem que a Escola Municipal Bento Munhoz da Rocha Neto ofertava o sistema braille, um código formado por sinais em relevo que possibilitam a leitura e a escrita das pessoas com deficiência visual, parcial ou total. “Com o apoio de oftalmologista e professores, optamos pelo braille porque pode trazer mais autonomia e qualidade de vida para a Alice. Pelos exames, ela se enquadra na cegueira, pois os resquícios de visão não chegam a 3%. Esse percentual é baixo, mas para ela faz toda diferença”, garante a mãe.

Para o orgulho dos papais, hoje a Alice domina os números e faz sucesso no mundo das letras. Conhece o alfabeto tanto na escrita quanto no sistema braille. Já escreve algumas palavras e está começando a ler. “Ela está indo muito bem no braille e na escrita. Passamos por momentos desafiadores, até porque também precisamos aprender, mas o resultado está sendo mágico. É incrível ver a vontade dela de aprender”, destacam.

Além da estimulação visual, Alice também é alfabetizada pelo sistema braile, um código formado por sinais em relevo que possibilitam a leitura e a escrita das pessoas com deficiência visual, parcial ou total (Foto: Divulgação)

 

Qualidade de vida

Alice vai à escola pela manhã e, no contraturno, faz estimulação visual em duas tardes e aulas extras de braille, além de terapia ocupacional. “Hoje a síndrome afeta principalmente a parte da face, em especial a visão, e não há até então cirurgia que possa ser feita com segurança. Por se tratar de uma reconstrução facial palpebral, é algo complexo e a chance de não obter sucesso impede que algo seja feito. O que prevalece hoje é a estimulação da visão e as orientações de mobilidade para que a Alice viva feliz e com qualidade de vida”, expõe Adriani.

 

Alice vai à escola pela manhã e, no contraturno, faz estimulação visual em duas tardes e aulas extras de braille, além de terapia ocupacional (Foto: Divulgação)

 

Sem preconceitos

O formato único do rosto da pequenina gera curiosidade nas pessoas por ser diferente, mencionam os pais. “Nunca passamos por nenhuma situação de preconceito, até porque isso vai, muitas vezes, de como as pessoas ‘filtram’. Normalmente, as pessoas demonstram interesse em saber do que se trata. Algumas ficam até mesmo constrangidas ao perguntar, mas nós, como pais, aprendemos a lidar com essas situações da forma mais natural possível”, compartilham.

A preocupação dos papais é com o futuro da Alice. “Sabemos que ela tem uma vida pela frente. Desde cedo explicamos sobre os diversos tipos de deficiências que existem e cada um precisa aprender a lidar com a sua, se defendendo e, acima de tudo, se amando, e muito, do jeitinho que Deus desenhou. Com a minha bagagem, aprendi que preciso filtrar informações ou até mesmo relacionamentos se estes não forem saudáveis. Simples assim”, frisa Adriani.

Adriani e Fábio Junges com a filha Alice: “Temos o hábito de evidenciar as possibilidades em vez de reclamar ou falar sobre a dificuldade. Focamos no que é possível e necessário fazer. A Alice é uma criança iluminada, que nos ensina muito mais do que nós a ela. Está sendo grandiosa a nossa evolução como casal e como pais” (Foto: Bruno de Souza/OP)

 

Fé, confiança e pensamentos positivos

Diante de tantos momentos desafiadores e vitórias quando tudo indicava o contrário, o casal Junges ressalta que é preciso acreditar. “Vejo muitas pessoas reclamando, mas é preciso acreditar mais no nosso Deus. Mesmo aqueles que não acreditam Nele, vale a pena pensar em tudo o que conseguimos fazer. As pessoas pensam nas dificuldades, mas todo mundo as tem e mesmo assim precisamos trilhar nosso caminho e encarar as possibilidades que se apresentam com confiança para chegar aonde almejamos”, enaltecem os rondonenses.

Na casa dos Junges esse pensamento é um lema e mesmo Alice já encara o futuro com olhos de quem sabe que vai vencer. “Temos o hábito de evidenciar as possibilidades em vez de reclamar ou falar sobre a dificuldade. Focamos no que é possível e necessário fazer. A Alice é um exemplo. Que sorte a nossa tê-la como filha. É uma menina linda do jeitinho que é. Literalmente, a nossa joia rara. Ela encanta as pessoas que a rodeiam, é otimista e faladeira. Uma criança doce e ‘queridona’. Certo dia ela me perguntou por que só tinha um olho e eu falei que Deus a tinha desenhado desse jeito, maravilhosa!”, evidenciam.

Adriani e Fábio afirmam que Alice os ensina muito. “Está sendo grandiosa a nossa evolução como cidadãos, casal e pais”, finalizam.

 

O Presente

Clique aqui e participe do nosso grupo no WhatsApp

Copyright © 2017 O Presente