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Marechal Reaprendendo a andar, comer...

“Falam que o pior já passou, mas, para mim, o pior é agora”, diz Jadir Zimmermann sobre desafios pós-Covid

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Jadir Zimmermann: "Eu nunca tive nada, nenhuma outra doença que pudesse ter agravado a situação. Foi exclusivamente o coronavírus que me levou a esse estado" (Foto: Raquel Ratajczyk/OP)

Grandes batalhas só são dadas a grandes guerreiros, já dizia o pensador Mahatma Gandhi. E é assim que podem ser definidos aqueles que lutaram e sobreviveram às complicações causadas pela Covid-19, umas das doenças mais temidas da atualidade.

Do medo à angústia, do sofrimento à superação, as narrativas de quem deixou o coronavírus para trás quase sempre acabam em recomeços. Palavra que o rondonense Jadir Zimmermann escolheu para resumir a sua trajetória pós-Covid.

Depois de 37 dias internados, sendo 28 deles em uma unidade de terapia intensiva (UTI), tudo agora é recomeço. Ele se vê renascendo à vida, tendo que reaprender a andar, a comer, a movimentar os pés, as mãos, os dedos…

Jadir contraiu o SARS-CoV-2 em maio e de lá para cá sua rotina mudou da água para o vinho. Nos últimos quatro meses, os seus dias se resumem em driblar dificuldades e desafios pelos quais ele jamais imaginou passar.

“Na semana que peguei Covid eu estava em Cascavel, mas não faço ideia como”, conta o jornalista, que nos últimos anos se divide entre Marechal Cândido Rondon, cidade onde possui moradia, e Cascavel, município onde trabalha e é sócio de uma empresa. “Sempre tomei muito cuidado porque era bastante receoso em relação à doença. Eu tinha medo de pegar. Na semana em que contraí o vírus, de segunda a quinta-feira (17 a 20 de maio) eu fiquei em Cascavel. Na quinta à noite cheguei em casa e estava mal. Tinha dor, estava febril e me sentindo estranho. Na sexta-feira (21 de maio) pela manhã, segundo dia dos sintomas, tinha tosse e coceira na garganta. Já em Marechal Rondon, fui para o hospital, peguei medicação, comecei a tomar e no domingo (23 de maio) voltei para fazer o teste. Deu positivo. Na segunda (24 de maio) eu tinha um pouco de febre, transpirava bastante e na terça-feira (25 de maio) a minha esposa Beatriz (Bia) começou com sintomas. Levei ela no hospital, recebeu medicação. Na quarta (26 de maio) segui trabalhando, mas sempre dolorido; na quinta (27) voltei para o hospital, pois me sentia cansado e desconfortável. Peguei mais medicamentos. Na sexta-feira eu parecia melhor e no sábado, dia 29 de maio, eu estava muito mal. Tinha falta de ar e acabei voltando para o hospital. Fiquei internado até quarta-feira (02 de junho) no Hospital Rondon. Neste dia acordei com muita falta de ar, mesmo estando no oxigênio. Fizeram um monte de exames e posteriormente avisaram que eu seria intubado. Estava com cerca de 90% do pulmão comprometido”, relata.

 

INTUBAÇÃO E UTI

O rondonense lembra que quando recebeu a informação de que seria intubado ficou em estado de choque. “É tudo muito rápido. O pessoal já vai chegando com os equipamentos. Só tive tempo de fazer uma videochamada para a Bia. Entreguei a minha aliança e o celular para a enfermeira e daí para frente eu não me recordo de mais nada”, expõe.

Do Hospital Rondon, Jadir foi levado para a UTI de um hospital em Toledo, onde ficou por 28 dias. “Eu não sei ao certo quando fui retirado da ventilação mecânica, porque eles vão tirando o sedativo aos poucos. Quando eu estava lúcido, já não estava mais em ventilação. Fiquei alguns dias intubado pela boca e depois fizeram a traqueostomia”, relembra.

No dia 30 de junho Jadir recebeu alta do hospital de Toledo e voltou para o Hospital Rondon, onde ficou internado por mais cinco dias. “Tive alta numa segunda-feira, dia 05 de julho”, comenta.

(Foto: Raquel Ratajczyk/OP)

 

VOLTA POR CIMA

Apesar de todas as complicações, o rondonense afirma que sempre teve certeza que daria a volta por cima. “Em nenhum momento cheguei a pensar o pior. Não tive medo de não passar”, ressalta. “O médico não nos deixou pensar que o Jadir não iria superar. Depois de uns dez dias na UTI, o relatório sempre indicava um quadro estável e tínhamos esperança que ele iria melhorar”, emenda Bia.

 

ALUCINAÇÕES X REALIDADE

Assim que começou a recuperar os sentidos, já fora da UTI e ainda internado em Toledo, Jadir diz que se sentia perdido. “Eu perdi a noção de tempo e de espaço. Não sabia onde estava. Não é como acordar de um sono. Os enfermeiros têm como hábito falar o dia e o local em que você está, mas nas primeiras vezes eu desconfiava de tudo. Passavam muitas loucuras na minha cabeça. Pensava em coisas horríveis que pareciam reais. Era diferente de quando você tem um pesadelo, acorda e sabe que não foi real. Eu misturava coisas reais com alucinações. Num sábado pela manhã, assistindo TV, eu vi uma matéria sobre o Lázaro. Aquilo me marcou e foi a primeira coisa que eu percebi que era real. No domingo, a enfermeira fez uma videochamada com a família e foi a partir de então que eu consegui perceber o que era fantasia e o que era realidade. Na quarta posterior eu tive alta em Toledo”, conta.

 

EVOLUÇÃO LENTA

Quando, enfim, voltou para casa, em Marechal Rondon, depois de 37 dias internado, a felicidade de retornar ao lar pouco a pouco foi ficando para trás. “Os dias foram passando e eu não via evolução no meu quadro físico. Comecei a me sentir para baixo, desanimado. Fui, então, consultar. Fiz um check-up de pulmão, crânio, coração e estava tudo certo. Fiquei mais tranquilo, pois constatei que não havia nenhum outro problema, que eram apenas sequelas da Covid”, compartilha.

 

SEQUELAS

Há 74 dias em casa, a evolução segue lenta e as dificuldades físicas e motoras ainda são grandes. “Tenho pouca mobilidade nas pernas e do tornozelo para frente, principalmente. Não consigo erguer os braços, movimentar as mãos e os dedos. Sigo bastante dependente, o que, muitas vezes, acaba me abalando. Sorte que tenho alguém para me cuidar e me acompanhar em casa. As pessoas sempre falam que o pior já passou, mas, para mim, o pior é agora. Infelizmente, a recuperação não acontece na velocidade que você quer”, frisa.

 

SUPERAÇÃO

Entre altos e baixos, Jadir garante que hoje se sente mais forte. “Nos primeiros dias em casa, tinha crise de choro. Quando alguém vinha me visitar, eu chorava. Superei esse período de depressão. Estou tomando medicação para melhorar a ansiedade, o que acalmou a pressa de querer me recuperar. Hoje aceito a situação como está. Claro, não gostaria de estar passando por isso, mas estou aceitando. Evoluí bastante desde que saí da cama. A fisioterapia tem me ajudado muito. Minha cadeira de rodas está em um canto e já consigo me deslocar a pé dentro de casa com o auxílio de alguém. Sozinho ainda não consigo. Não tenho força, nem equilíbrio. Meus pés não têm sensibilidade. Hoje eu durmo bem, mas nas primeiras duas semanas em casa eu chegava a passar noites em claro. É um recomeço em tudo, desde reaprender a andar até a comer sozinho, algo que também ainda não consigo fazer”, descreve.

Bia acrescenta: “Nos adaptamos em todos os sentidos. Tivemos que mudar o nosso quarto, trocar os móveis de lugar por causa da cadeira de rodas. Eu não imaginava que a recuperação seria tão lenta. É uma experiência muito triste, não quero que ninguém passe por isso”.

 

PREVISÃO DE MELHORA

Jadir afirma que já desistiu de falar em prazos de recuperação. “Cada pessoa tem o seu tempo, assim como as sequelas são diferentes de pessoa para pessoa. O único caminho é a fisioterapia. Num primeiro momento fazia de domingo a domingo, agora faço de segunda a sexta. Parei de colocar tempo para ficar bom. Acabei me frustrando quando fiz isso. Eu fiz uma lesão no ombro que o médico falou que pode levar até dois anos para melhorar. Então, deixei de fazer planos para voltar a ter uma vida como antes”, salienta.

 

MAIS VALOR À FAMÍLIA

Com uma rotina bastante agitada antes de contrair a Covid-19, o rondonense destaca que foi difícil encarar a nova realidade. “Demorou para eu aceitar essa falta de mobilidade. Eu imaginava que em duas ou três semanas estaria de volta, mas vi que não ia acontecer no tempo que eu queria. É nessas horas que você passa a dar valor a tantas coisas, até mesmo às mais simples. Você passa a dar mais valor à família e aos amigos. A minha família sofreu muito com tudo isso, mas se manteve forte. Vejo que ficamos mais próximos e mais unidos”, enfatiza.

 

Jadir Zimmermann e a esposa Beatriz: depois da experiência vivida, a família está mais próxima e unida. “Uma coisa tenho certeza, não quero voltar na correria que eu vivia e não quero deixar coisas que eu sonho fazer para o futuro, porque o futuro pode não chegar” (Foto: Raquel Ratajczyk/OP)

 

PERDA DE UM COLABORADOR

Afastado da empresa da qual é sócio em Cascavel, o Jornal Preto no Branco, Jadir diz que atualmente está apenas dando “pitacos”. “A equipe se organizou para que a empresa não parasse. Eu pouco participo, até porque não consigo escrever (digitar), não consigo manusear celular ou computador. Dou pitaco aqui e ali, mas não estou atuando ativamente”, expõe.

Ele menciona que quando contraiu o coronavírus, em seguida outras três pessoas do Jornal Preto no Branco testaram positivo para a doença. “Eu fui o primeiro a pegar e dois dias depois todos estavam com sintomas. Três ficaram hospitalizados e um preferiu não ir para o hospital, mas ficou dias acamado, recebendo visita de um médico. O nosso diagramador foi intubado no mesmo dia que eu, mas um não sabia do outro. Me contaram depois que eu já estava em casa que ele ainda estava intubado e uns dias depois noticiaram que havia falecido, aos 43 anos. Então, essa é a parte mais triste da história: de quatro pessoas, três foram hospitalizadas, um ficou com sequelas e o outro faleceu. Isso mostra o quanto essa doença pode ser impactante”, evidencia.

 

VACINA

Quando testou positivo para Covid-19, Jadir ainda não tinha tomado a vacina. “Eu não tenho comorbidades e não era a vez da minha idade. Cheguei na vez (por idade) quando estava na UTI, mas fui tomar a primeira dose em casa, acamado”, comenta, enaltecendo: “Eu recomendo que as pessoas tomem a vacina e tenham cuidados independente de estarem vacinadas ou não. Cuidem com distanciamento, usem máscara e façam a higiene das mãos, porque a doença é séria. Você não sabe se vai ter sintomas leves, se vai ser assintomático ou entrar nos 5% que vão para a UTI e podem morrer. Dou graças a Deus que tive uma equipe médica, profissionais de enfermagem e fisioterapeutas que me atenderam muito bem. Sempre fui de confiar na ciência e falei que se pegasse Covid e o médico receitasse ivermectina, cloroquina, entre outras mediações, eu tomaria, porque acredito nos profissionais e na ciência. E assim foi. Tomei todos os remédios prescritos, contudo eles não impediram o agravamento da situação”, lamenta.

 

RETOMADA DIFERENTE

Aos 48 anos e 30 quilos mais magro, os quais Jadir brinca ter deixado na UTI, a meta agora é ficar 100%, mas com um novo propósito de vida. “Uma coisa tenho certeza, não quero voltar na correria que eu vivia e não quero deixar coisas que eu sonho fazer para o futuro, porque o futuro pode não chegar. Assim, o que eu puder fazer, quero fazer enquanto tiver saúde”, planeja.

A outra certeza: voltar a morar em definitivo em Marechal Rondon. “Decidimos que vamos morar aqui mesmo com a empresa em Cascavel. Eu gosto de Cascavel, mas a minha história está aqui”, ressalta o jornalista.

 

Jornalista Jadir Zimmermann: “Demorou para eu aceitar essa falta de mobilidade. Eu imaginava que em três semanas estaria de volta, mas vi que não ia acontecer no tempo que eu queria. Então, parei de colocar prazo para ficar bom e deixei de fazer planos para voltar a ter uma vida como antes” (Foto: Raquel Ratajczyk/OP)

 

NOVA ROTINA

Diante das dificuldades de locomoção e das limitações em função das sequelas, a nova rotina de Jadir é básica e tranquila. “Tenho passado o meu tempo vendo televisão, maratonando séries e filmes. Se me pedir de novelas, sei tudo”, brinca ele, relevando que, entre um programa e outro, despertou interesse pela culinária. “Me deu vontade de fazer comida, me colocar na cozinha. Nunca me interessei por isso, mas agora, quando eu tiver condições, vou me aventurar”, projeta.

Por vezes, a sensação de se sentir inútil aparece. “Não vejo a hora de poder trabalhar, não no ritmo que eu estava, mas voltar a ter uma ocupação. Cansa ficar só na TV. Tem horas que me sinto quase um inútil em casa. Não estou produzindo e ainda atrapalho os outros, pois preciso de acompanhamento para tudo”, declara.

 

MENSAGEM

Para aqueles que acham que o coronavírus é um misto de invenções, Jadir deixa um recado: “Eu nunca tive nada, nenhuma outra doença que pudesse ter agravado a situação. Foi exclusivamente o coronavírus que me levou a esse estado. É uma doença grave e temos que aprender a conviver com ela. Há dois caminhos: a vacina, que é preventiva, mas não garante 100%, e a cura, caminho que a ciência tem que percorrer”, salienta.

Para aqueles que ajudaram na sua recuperação e oraram para a superação da doença, uma palavra: gratidão. “Fica a minha gratidão à ciência, a todos os profissionais da saúde que me ajudaram, a todos que oraram, enviaram mensagens de apoio e energias positivas e também a todos que seguem me ajudando”, agradece.

 

Jadir Zimmermann: “Em nenhum momento cheguei a pensar o pior. Não tive medo de não passar” (Foto: Ana Paula Wilmsen/OP)

 

Ana Paula Wilmsen/O Presente

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