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Marechal

Para o bolso do encarcerado

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Mirely Weirich/OP
Decisão do STF permite que qualquer preso submetido à situação degradante e superlotação na prisão tenha direito à indenização do Estado por danos morais

No Mato Grosso do Sul, um condenado a 20 anos de reclusão, que já cumpre sua pena no presídio de Corumbá, receberá do Estado uma indenização de R$ 2 mil por danos morais. A decisão foi do Supremo Tribunal Federal (STF), pelo preso estar submetido à situação degradante e de superlotação na prisão.

O Recurso Extraordinário possui repercussão geral reconhecida – o chamado efeito multiplicador -, ou seja, possibilita que o Supremo decida uma única vez e que, a partir dessa decisão, uma série de processos idênticos seja atingida. O STF, dessa forma, delibera apenas uma vez e tal decisão é multiplicada para todas as causas iguais. Isso também quer dizer que qualquer preso, de qualquer penitenciária ou cadeia pública superlotada de Norte a Sul do país, pode reivindicar o mesmo direito concedido no Mato Grosso do Sul.

No caso concreto, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul (DP-MS), em favor do condenado, recorreu contra acórdão do Tribunal de Justiça local (TJ-MS), que, embora reconheça que a pena esteja sendo cumprida em condições degradantes por força do desleixo dos órgãos e agentes públicos, entendeu, no julgamento de embargos infringentes, não haver direito ao pagamento de indenização por danos morais.

O Plenário acompanhou o voto proferido ainda em 2014 pelo relator, ministro Teori Zavascki (falecido), no sentido do provimento do recurso – ele restabeleceu o dever de o Estado pagar a indenização, fixada em julgamento de apelação no valor de R$ 2 mil, relembrando que a jurisprudência do Supremo reconhece a responsabilidade do Estado pela integridade física e psíquica daqueles que estão sob sua custódia. Zavascki ressaltou também que é notória a situação do sistema penitenciário sul-mato-grossense, com déficit de vagas e lesão a direitos fundamentais dos presos.

Entretanto, tal realidade não se detém apenas ao Mato Grosso do Sul. Marechal Cândido Rondon, que tem uma população estimada em pouco mais de 50 mil habitantes, possui uma cadeia pública no centro da cidade, com capacidade para abrigar 18 presos. Atualmente, 100 estão amontoados entre as grades. Pelo menos 40 já estão condenados, cumprindo pena na delegacia e prontos para serem transferidos para uma das penitenciárias do Paraná. O problema é que o Estado não leva, e alega justamente a falta de vagas no sistema penitenciário. Com essa decisão pode haver uma mobilização dos presos para tentar entrar com ações do tipo para melhorar a situação deles, porque mesmo que eles não estejam sendo maltratados ou em uma situação degradante, eles vão tentar forçar a saída deles daqui, porque não deveriam estar na delegacia, deveriam estar em um presídio. Todas as formas que eles tiverem para acessar a Justiça e buscar algum direito eles vão utilizar, avalia o delegado da 47ª Regional de Policia Civil, Diego Fernandes Valim.

Mesmo com aumento do número de infratores que não são presos, mas passam a utilizar a tornozeleira eletrônica, o excesso de presos que divide o espaço já insuficiente também enfrenta outro problema antigo: a custódia. De acordo com Valim, não somente os condenados, mas também os demais presos deveriam sair da custódia da delegacia e passar para o Departamento Penitenciário (Depen). Eles vivem como se fosse uma vida de presídio, mas não têm a mesma infraestrutura que teriam lá. Aqui tem um espaço único, não tem direito a banho de sol, por exemplo, porque essa estrutura não foi criada para isso e o efetivo da Polícia Civil que deveria estar na rua investigando está lá fazendo a segurança da cadeia, menciona.

Foco nas consequências, não nas causas

Para entidades ligadas à segurança pública de Marechal Cândido Rondon, a medida não garante melhoria às condições que a população carcerária vive atualmente, além disso, também impacta no bolso do contribuinte, já que é por meio dos impostos pagos pela população que o Estado arcará com o custo das possíveis indenizações.

 

Juiz de Direito da Vara Criminal, Clairton Mário Spinassi:

Um dos fundamentos da nossa Constituição é a dignidade da pessoa humana, aliás esse fundamento serve para todo tipo de decisão. É evidente que todos sabem que a nossa cadeia é degradante, não há dúvida. Onde cabem 18 há 100 presos… Essa decisão do Supremo vem tentar resgatar essa dignidade, mas não vai resolver o problema porque ele se resolve construindo cadeia. Eu achei interessante a proposta feita pelo ministro Luís Roberto Barroso, que teve o entendimento seguido pelos ministros Luiz Fux e Celso de Mello, e que talvez impactaria mais para o preso, de contar como remissão de pena, ou seja, a cada tantos dias que o preso está em uma cadeia degradante, ele terá a pena diminuída em tantos dias. Acredito que essa decisão seja melhor porque a financeira vai impactar o Estado e nos impactar negativamente, porque o meu imposto vai pagar a multa da ineficiência do Estado, por isso não é justo o preso receber. Ele receber R$ 1 mil, R$ 2 mil ou R$ 3 mil ou como os ministros Edson Fachin e Marco Aurélio sugeriram, um exagero, um salário-mínimo por mês. Temos presos que estão aqui há cinco anos, e que vão ter uma pequena fortuna quando sair, e quem vai pagar somos nós que pagamos direito as nossas contas. A remissão da pena seria interessante para o cidadão, mas para a comunidade não vai resolver nada.

Penso que essa decisão poderia e deveria chegar a Marechal Cândido Rondon porque são presos que têm a mesma dignidade, mas não seria justo para a sociedade arcar com esse ônus pela ineficiência dos nossos governos, mas também não seria justo o preso não ter nenhum benefício, por isso a remissão talvez seja a melhor solução.

Como o Estado é quem vai pagar essa conta, e o Estado é uma entidade etérea, ninguém vai sentir, mas esse dinheiro poderia ser investido em outro lugar. Em Rondon, se hoje temos 99 presos, a R$ 2 mil cada indenização, são R$ 198 mil só no município. É um dinheiro que vai sair da segurança, da educação, de outros campos mais necessitados para fazer isso que não vai resolver porque o governante não vai se preocupar, a não ser que saia do bolso dele.

Delegado da 47ª Regional de Polícia Civil, Diego Fernandes Valim:

O dever do Estado é manter os presos com o mínimo de dignidade possível, em que não pesa eles terem cometido o crime pelo qual respondem. Eles têm que ter o mínimo de dignidade dentro da cadeia e o que se vê hoje em dia é superlotação e condições degradantes. Nenhuma penitenciária funciona do jeito que deveria funcionar, só que essa decisão também não vai resolver. Ela piora ainda mais pela crise financeira que os Estados e que a União vivem, essa instabilidade institucional que o país passa. Então, não tem como ver com bons olhos uma decisão que vai onerar mais ainda o Estado. Ela não está atacando a causa da superpopulação da situação carcerária. A meu ver, foi um sinal para o Estado começar a dar uma atenção para a situação dos presídios, mas que não vai resolver de jeito nenhum e até vem a ser pior porque pode abrir precedentes para uma enxurrada de ações a partir de agora em todos os presídios e Estados, porque a realidade de todos é a mesma, estão superlotados. Os presos não são maltratados, mas a vida que eles passam ali dentro não tem nada de humano, não vai sair dali ressocializado, que é a atribuição de um presídio.

 

Secretário de Segurança e Trânsito, tenente-coronel Wellyngton Alves da Rosa:

Sou totalmente contra a decisão de se colocar a questão pecuniária para o Estado em relação a essa situação de superlotação de estabelecimentos prisionais. Primeiro porque todos estão superlotados. Infelizmente a incidência de crimes é muito maior do que a criação de vagas no sistema prisional, mas também temos que falar sobre a morosidade da Justiça. Há muitas questões de presos aguardando julgamento há algum tempo e que já deveriam, se fossem julgados ou não, estarem soltos.

A judicialização da sentença faz com que o Estado comece a gastar dinheiro com indenizações, retirando verba de uma área em que poderia estar construindo presídios, comprando viaturas, equipamentos para a área de segurança. Talvez esse dinheiro usado para pagar indenizações para presos seja retirado de uma área vital para a comunidade. A minha preocupação é essa, você começa a penalizar o Estado por uma questão que não é de agora, é histórica. O Estado terá que cumprir as decisões judiciais e tirar essa verba de algum lugar, possivelmente da área de segurança pública pelos presos estarem vinculados a esse setor. A nossa preocupação é justamente isso: retirar uma verba totalmente escassa, limitada, para indenizar presos que estão em uma situação no qual eles pediram para estar. Infelizmente temos que levar para este lado também, porque aquelas pessoas que não querem estar em um presídio, não deveriam cometer crimes. Talvez mais degradante ainda é a situação da família de uma vítima, que está sem um chefe de família, sem um filho, por ação de um criminoso e ninguém indeniza essas pessoas.

Qualquer preso em um presídio ou cadeia superlotada se achará no direito de ingressar com uma ação neste sentido, por que como eles medem uma situação degradante? É estar sem cama, comida de péssima qualidade, não ter direito à visita. Se olhar para essa questão, toda reclusão de pessoas tem que limitar algumas coisas, precisa de regras de convivência porque o preso não pode ter todos os seus anseios atendidos, ou não estaria pagando uma pena que o Estado impôs a ele por um crime praticado e um lugar controlado pelo Estado. O preso tem que perder algumas garantias que as pessoas têm e toda e qualquer pessoa em situação de prisão se sentirá no direito de reivindicar o que ele quiser.

 

Antônio França, presidente da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB):

É uma decisão bastante polêmica. O Supremo toma uma decisão que ataca as consequências e não as causas de um problema que nós temos hoje no sistema carcerário brasileiro. Não adianta fixar indenização para o preso que está lá em condições desumanas, é preciso buscar mecanismos para melhorar o sistema penitenciário brasileiro, uma forma de coagir o Estado a tomar providências nesse sentido, porque é a obrigação dos Estados e da União melhorar essas condições. O preso vai receber a indenização por esse dano moral que se alega que está sofrendo, mas vai continuar nas mesmas condições degradantes. Ataca-se as consequências, mas não as causas do problema.

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