Fale com a gente

Marechal Risco ou segurança?

Posse de armas: confira o que lideranças rondonenses pensam sobre o assunto

Publicado

em

Fotos: Leme Comunicação e Divulgação

 

Uma das principais bandeiras da campanha do presidente da República Jair Bolsonaro foi cumprida na terça-feira (15), quando ele assinou o decreto que regulamenta o registro, a posse e a comercialização de armas de fogo no país.

A partir de agora, qualquer cidadão brasileiro maior de 25 anos que tenha ocupação lícita e residência certa, que não tenha sido condenado ou responda a inquérito ou processo criminal, que possa comprovar a capacidade técnica e psicológica para o uso do equipamento e que resida em área rural ou urbana em Estados com índices anuais de mais de dez homicídios por 100 mil habitantes pode possuir uma arma de fogo.

Em seu discurso, Bolsonaro afirmou: “Como o povo soberanamente decidiu por ocasião do referendo de 2005, para lhes resguardar o legítimo direito à defesa, vou agora, como presidente, usar esta arma”, mostrando a caneta.

O presidente fez referência ao referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições, ocorrido no Brasil a 23 de outubro de 2005, que não permitiu que o artigo 35 do Estatuto do Desarmamento (lei 10.826 de 22 de dezembro de 2003) entrasse em vigor. No artigo 2º deste decreto ficava estipulado que a consulta popular seria feita com a seguinte questão: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. Os eleitores, na época, puderam optar pela resposta “sim” ou “não”, pelo voto em branco ou pelo voto nulo. O resultado final foi de 59.109.265 votos respondendo “não” (63,94%), enquanto 33.333.045 votaram pelo “sim” (36,06%).

No entanto, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha em 31 de dezembro do ano passado, 61% dos entrevistados consideram que a posse de armas de fogo deve ser proibida por representar ameaça à vida de outras pessoas.

O decreto, contudo, dispõe apenas sobre a posse. O porte, ou seja, a autorização para transportar e carregar a arma consigo, fora de casa ou do local de trabalho, continua proibido. As exceções são membros das Forças Armadas, polícias, guardas, agentes penitenciários e empresas de segurança privada.

 

Novas regras

Antes da decisão do presidente da República, cabia à Polícia Federal avaliar se o requerente do registro realmente tinha necessidade de ter uma arma. Agora, é considerado que há necessidade efetiva de ter a posse de arma de fogo em uma lista de situações.

Para que o cidadão comprove a “efetiva necessidade” de possuir uma arma em casa, os seguintes critérios foram estabelecidos: ser agente público (ativo ou inativo) de categorias como agentes de segurança, funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), agentes penitenciários, funcionários do sistema socioeducativo e trabalhadores de polícia administrativa; ser militar (ativo ou inativo); residir em área rural; residir em área urbana de Estados com índices anuais de mais de dez homicídios por 100 mil habitantes, segundo dados de 2016 apresentados no Atlas da Violência 2018, onde enquadram-se todos os Estados e o Distrito Federal; ser dono ou responsável legal de estabelecimentos comerciais ou industriais; e/ou ser colecionador, atirador e caçador, devidamente registrados no Comando do Exército.

Além de ter a possibilidade de manter a arma apenas na residência ou na empresa, desde que o estabelecimento seja de sua propriedade, há outras medidas de segurança que devem ser adotadas por aqueles que possuem a arma. Dentre elas, por exemplo, está a de que é preciso apresentar declaração de que a residência possui cofre ou local seguro com tranca para quem mora com crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência mental.

O decreto, entretanto, aponta apenas a necessidade de declaração e não em prova, sem mencionar a necessidade de fiscalização das residências para o cumprimento do requisito.

Na lista de exigências para requerer a posse de armas também é necessário ter ao menos 25 anos, ocupação lícita, não estar respondendo a inquérito policial ou processo criminal, não ter antecedentes criminais nas justiças Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, a obrigatoriedade de cursos para manejar a arma, além da capacidade psicológica para possuir o objeto.

 

Tema polêmico

Permeada por debates e controvérsias, a decisão de Bolsonaro suscita diferentes opiniões entre a população acerca do que é mais seguro: se facilitar o acesso à arma gera mais proteção ou, do contrário, mais perigo à vida do ser humano.

Na visão do tenente-coronel Saulo de Tarso Sanson Silva, comandante do Batalhão de Polícia de Fronteira (BPFron), o assunto é bastante polêmico. “Quando analisamos a realidade internacional, percebemos diferentes regulamentações acerca do acesso da população a armas de fogo e, no Brasil, a Lei 10.826, o chamado Estatuto do Desarmamento, é a lei que regulamenta a aquisição de armas de fogo, bem como tipifica os crimes decorrentes do uso irregular, e de acordo com essa lei é possível a aquisição, quando dentro dos requisitos, de armas de fogo pela população”, conceitua.

Ele relembra que o referendo realizado em 2005 pretendia inserir nesta lei o artigo 35, que vedava a comercialização de armas e munições à população, no entanto, 63% da população foi contra esse dispositivo. “Então, vejo como uma questão democrática, pois a maioria da população se manifestou contra a vedação da comercialização de armas”, expõe.

O comandante diz que outro fator a ser levado em consideração é o próprio direito do cidadão poder proteger a si e sua família. Hoje, relata, a maioria das armas de fogo que estão nas mãos de criminosos é de origem ilícita e a polícia, por mais atuante que seja, não é onipresente. “O fato de um cidadão poder ter uma arma de fogo em seu comércio ou sua casa dá a ele a possibilidade de enfrentar um criminoso, algo que desarmado ele não poderia fazer”, pontua. “Obviamente há, sim, muito risco em um confronto armado, mas ser subjugado por um criminoso armado também é extremamente arriscado”, completa.

Sanson comenta, entretanto, que o que deve ser bem segmentado é a segurança em relação ao armamento, ou seja, toda a cautela quanto ao local onde ele será deixado e a didática que será passada às crianças e até mesmo adolescentes que eventualmente estejam em casa deve ser pensada justamente para evitar desastres. “Uma arma de fogo não é brinquedo. Seu uso inadequado é muito arriscado e é de responsabilidade de seu proprietário. Podemos comparar a posse de uma arma, por exemplo, à condução de um veículo, quando pensamos que o mau uso do automóvel pode ceifar muitas vidas. Isso dependerá muito da consciência de quem as possuir. Repassar a terceiros, mesmo conhecidos que também possuam armas em casa, é desaconselhado, uma vez que sabemos que casas que onde há armas de fogo são mais visadas por criminosos”, menciona. “Não se trata de gostar ou não. É uma questão de direito e responsabilidade. O direito de se defender e a responsabilidade sobre os riscos de ter a posse de uma arma de fogo”, opina o comandante do BPFron.

(Foto: Leme Comunicação)

 

Questão de direito

Para o capitão Valmir de Souza, comandante da 2ª Cia do 19º Batalhão da Polícia Militar, a pergunta que deve ser colocada em pauta não está acerca de ter mais ou menos segurança com a facilidade ao acesso ao porte de armas, mas, sim, do porquê as pessoas não têm o direito de ter uma arma. “Eu penso que com este decreto, o presidente deu aos brasileiros mais igualdade, porque anteriormente alguns grupos de pessoas tinham o porte de arma inerente sem que as pessoas pudessem questionar este direito”, considera.

Souza avalia que a posse de arma não tem capacidade de, imediatamente, influenciar para que as pessoas tenham mais ou menos segurança pública. “Não ter arma deveria ser uma exceção, mas o Brasil não criou uma regra para não ter armas e, sim, para ter. O brasileiro, apesar de muito violento em algumas situações, é um povo muito passivo. Chega a ser contraditório, mas em um assalto, por exemplo, as próprias instituições de segurança recomendam ao cidadão entregar tudo e não reagir, porém, na minha concepção, se a pessoa tiver condições e a capacidade de reagir ela deve fazer, ela deve se defender”, enaltece.

Souza ressalta discordar de alguns pontos do decreto, como na questão dos índices de criminalidade nas unidades da federação. “Os homicídios têm características diversas, as vezes ocorrem em situações em que a segurança pública não tem como interferir. Não pode ser a única referência em termos de índice de segurança pública, então utilizar apenas esse índice parte para uma discussão muito rasa”, argumenta.

O capitão da PM opina que, com a assinatura do decreto, em um primeiro momento é possível que os índices de morte por armas de fogo aumentem de forma significativa. “Mas depois esse número voltará aos índices normais”, frisa. “Eu penso que não é o Estado que deve dizer como nós, cidadãos brasileiros, devemos viver. Somos nós, cidadãos, que dizemos ao Estado como queremos viver e o Estado fará o máximo possível para manter o que falamos. Então se escolhemos que ninguém pode ter arma, somente policiais, determinados grupos privilegiados também não podem ter e não podem se dar esse direito, contrário do que acontece hoje. Por isso eu sou favorável de que todas as pessoas tenham acesso às armas, dado as exceções previstas em lei, e as pessoas precisam se conscientizar”, salienta.

(Foto: Leme Comunicação)

 

Credibilidade ao governo

A professora do curso de Direito da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), mestre em Direito Penal e doutora em Direito do Estado, Carla Liliane Waldow Esquivel, destaca ser importante fazer alguns esclarecimentos. O primeiro deles é que o Estatuto do Desarmamento (lei n. 10.826/2003), regulamentado pelo decreto nº 5.123/2004, estabelece critérios para o porte e a posse de arma de fogo. “A lei em questão não proíbe o porte ou a posse de arma de fogo ao cidadão comum, assim como para colecionadores, caçadores e desportistas, mas impõe certos requisitos como a declaração da efetiva necessidade, comprovação da idoneidade do interessado, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais, comprovação de ocupação lícita e de residência certa e reconhecimento de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo (art. 4º)”, menciona a doutora. “Isso significa que um proprietário rural, por exemplo, que comprove que foi vítima de roubo, justamente porque sua propriedade encontra-se mais distante do centro urbano, o que facilita a ação dos criminosos e dificulta a ação da polícia, pode fazer essa solicitação. No entanto, por questões exclusivas de segurança, deve comprovar, entre outros requisitos, que tem condições de manusear e utilizar a arma para que não cause acidentes ou se torne vítima de sua própria inabilidade técnica ou incapacidade psicológica”, completa ela.

Ademais, acrescenta a professora, a autorização para a aquisição e porte ou posse e consequente registro da arma de fogo após o preenchimento dos requisitos mencionados permite ao Poder Público controlar as armas de fogo que se encontram em circulação no país.

De acordo com Carla, o novo decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro estabelece uma presunção de veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas na declaração de efetiva necessidade (§ 1º). “Não obstante, a previsão da referida presunção não pode ser interpretada como uma forma de facilitação para o porte ou a posse, já que no mesmo parágrafo o decreto estabelece a necessidade de averiguação da sua fidedignidade pela Polícia Federal”, evidencia.

Igualmente preceitua de forma inovadora e expressa a autorização para porte ou posse aos “residentes em área rural” (III) e “residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência, assim consideradas aquelas localizadas em unidades federativas com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública” (IV). “No tocante à essa previsão, conforme já mencionado, embora não especificamente, estas hipóteses encontram-se amparadas pela legislação. Desse modo, nessa parte, o decreto não inovou em nada”, observa ela.

Contudo, em relação à flexibilização de tais requisitos para a posse de arma de fogo, a discussão de fundo reside na possibilidade de um decreto presidencial, destituído dos trâmites legais, alterar legislação ordinária cujo espírito reside no controle mais efetivo das armas de fogo em circulação no país. Carla afirma que se tais requisitos estão previstos na lei, num regime democrático e que deve zelar pelo princípio republicano, a flexibilização, para ser legítima, deve ser oriunda do Legislativo, que representa a vontade popular (parágrafo único do art. 1º da CF). “Na minha opinião, o decreto recentemente assinado pelo atual presidente Jair Bolsonaro pode ser declarado inconstitucional, não produzindo os efeitos anunciados”, declara a doutora em Direito do Estado.

Na visão de Carla, é possível constatar que o maior número de armas na sociedade, sejam elas obtidas por meios ilícitos ou lícitos, inevitavelmente eleva o número de crimes. Por outro lado, o anúncio de que as pessoas poderão mais facilmente possuir armas de fogo pode, inclusive, recrudescer a criminalidade ao invés de diminui-la. “Sabendo ou imaginando os criminosos que estão na linha de fogo dos moradores do local ou proprietários dos estabelecimentos, sem dúvida reagirão com violência ao menor sinal”, opina. “Afora isso, conferem ao titular da posse o poder de insurgir-se violentamente, ainda que não estejam em situações de estado de necessidade ou legítima defesa”, frisa.

Carla também aponta que há de se pensar na possibilidade de casos em que os que detenham a posse de armas de fogo venham a cedê-las de forma ilegal a terceiros, incrementando ainda mais a violência. “Evidencia-se, na minha opinião, um efeito simbólico significativo na assinatura rápida do referido decreto pelo presidente Jair Bolsonaro, para lograr maior credibilidade do seu governo e, ao mesmo tempo, apaziguar os ânimos dos cidadãos que reclamam o aumento da segurança e a diminuição da violência. Tais objetivos não podem ser alcançados com a edição de leis, notadamente as penais, como é comum em tempos de crise, mas com investimentos sociais”, reforça a doutora.

Apesar de o novo decreto prever que para a posse de arma de fogo, “na hipótese de residência habitada também por criança, adolescente ou pessoa com deficiência mental, apresentar declaração de que a sua residência possui cofre ou local seguro com tranca para armazenamento” (art. 12, VIII), Carla discorre que essa é uma ferramenta preventiva, mas que não impede que acidentes domésticos envolvendo armas de fogo possam ocorrer. “Nesse caso, se ocorrer lesão corporal ou até mesmo a morte de alguém, haverá responsabilidade criminal, ainda que culposa, por parte do autor do disparo de arma de fogo, não excluindo a responsabilidade civil”, enfatiza a doutora.

(Foto: Divulgação)

 

Favorável

“Em relação à nova regulamentação a posse de arma de fogo, eu sou favorável”. A afirmação é do tenente coronel Welyngton Alves da Rosa, secretário de Mobilidade Urbana de Marechal Rondon. Para ele, o decreto assinado pelo presidente da República deve diminuir os casos de crime relacionados a roubos e invasão de propriedades. “Sou favorável também, dentro do princípio da autodefesa, de terceiros e da autodefesa patrimonial”, comenta. “Obviamente que o fato de as pessoas terem arma de fogo dentro das suas residências faz com que os criminosos avaliem de outra maneira a prática do crime. Hoje está tão comum que os criminosos não respeitam mais propriedades, residências, veículos, porque eles sabem que a população está desarmada e os criminosos estão portando armas de grosso calibre, de uso restrito das Forças Armadas e fazendo uma calamidade em relação à população”, opina.

Ele salienta, no entanto, que a posse de arma de fogo é diferente do porte de arma. “Sou favorável às pessoas terem armas registradas nas suas residências. Para portar essas armas elas precisam passar por uma série de fatores e isso precisa ser muito mais rígido e não tão aberto para tantas pessoas. Estamos falando da posse de armas nas suas propriedades, residências, para que as pessoas façam sua autodefesa. Essa legislação nova que a colocou torna isso menos burocrático”, entende.

No entendimento de Rosa, era muito difícil ter a posse de arma e agora está bem menos burocrático. “Vai fazer com que haja um acesso a um número maior de armamentos e isso precisa ter um controle maior da polícia nesses registros”, ressalta.

O coronel pontua, todavia, que as exigências são essenciais para ter a posse da arma. “Vejo que qualquer pessoa que teve problemas relacionados à criminalidade deve ser proibida de adquirir, ter posse ou portar arma de fogo”, comenta.

Ele avalia que em curto e médio prazo poderá ocorrer a diminuição de roubos, invasão de casas e principalmente de comércios, pois os criminosos terão menos espaço para agir e a população mais ação. “A autodefesa é um direito da comunidade, pois infelizmente a estrutura policial hoje não atende a comunidade na rapidez que ela exige, então a autodefesa é necessária”, conclui.

(Foto: O Presente)

 

O Presente

 

 

Copyright © 2017 O Presente