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Ramadã traz ares islâmicos a Marechal Rondon

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A observação do momento exato em que a Lua Nova surge no céu determina o início do mês sagrado dos muçulmanos, o Ramadã, que neste ano iniciou no último sábado (27). A cada ano, o início do ciclo é baseado na combinação das observações da lua e em cálculos astronômicos e seu término é determinado de maneira semelhante. “Pelo calendário islâmico ser baseado na Lua, o Ramadã pode variar entre 29 e 30 dias do aparecimento da Lua Nova, até que ela passe por todas as fases e chegue à próxima Lua Nova”, explica o paquistanês Muhammad Imran, de 41 anos, que vive há 15 no Brasil e os últimos cinco em Marechal Cândido Rondon, onde supervisiona o abate halal de frangos em uma cooperativa da cidade.

Além da diáspora oriunda de pelo menos 18 países em consequência do preconceito, perseguição política, religiosa ou étnica, terrorismo e guerras civis, que levam principalmente os povos do Oriente Médio e África a buscarem uma vida melhor em outros países, a contínua chegada de muçulmanos ao Brasil também está ligada à necessidade de mão de obra para o abate halal, o que tem propagado os locais sagrados para o islã no Paraná. A degola dos animais exportados para países islâmicos só pode ser feita por muçulmanos e, atualmente, o Estado é o segundo com o maior número de templos islâmicos, perdendo apenas para São Paulo.

Como todos os estrangeiros, conta Muhammad, ele veio ao Brasil em busca de trabalho e melhores condições de vida, e garante que conseguiu. “Graças a Deus consegui. Foi uma caminhada longa, mas contente”, declara.

A mesquita Muhammadia Jame – uma modesta sala comercial alugada que não possui o desenho do emblemático templo de oração dos muçulmanos, mas que acolhe os seguidores de Allah no município – foi aberta há cerca de três anos para atender à comunidade islâmica local. “Nós precisamos rezar, então usamos essa sala de oração, ainda que provisória, sem ser uma mesquita como deveria ser, porque não temos como construir uma mesquita como deveria já que não temos condições financeiras”, aponta o ganês Musah Abdul Rahim. Quem mantém o local são os próprios frequentadores, que doam a quantia que podem para pagar o aluguel.

Há dez anos, os muçulmanos de Marechal Cândido Rondon resumiam-se a filhos dos poucos desembarcados no início da colonização. Agora, o município onde boa parte dos 50 mil habitantes tem ascendência alemã recebe imigrantes de países da África como Senegal, Gana, Serra Leoa, Gâmbia e Mali, além de Bangladesh, Paquistão, entre outras nacionalidades – que já somam cerca de 200 muçulmanos.

 

Crença

Apesar do ceticismo com que é visto, o islamismo cresce sem dificuldades no município. Segundo Muhammad, há até mesmo alguns poucos casos de moradoras locais que se converteram à religião por terem se casado com rapazes estrangeiros.

Diferente das religiões católicas e evangélicas onde ocorrem os cultos e missas normalmente aos sábados ou domingos, no islamismo não há esse tipo de pregação. Os fiéis realizam, no entanto, cinco orações diárias ordenada a todos os muçulmanos como um dos cinco pilares do Islã. “Mas o intuito é o mesmo: ter contato com Deus, indiferente de ser uma missa ou uma oração na mesquita”, aponta Muhammad.

As orações, explica ele, levam de cinco a dez minutos e o importante é que quando a pessoa parar para fazer a oração, ela se esqueça das outras coisas e direcione sua atenção a Deus. “São orações obrigatórias, mas também tem horários flexíveis. Pela manhã, deve ser feita antes do nascer do sol, a segunda após o sol ter passado da metade do céu, a terceira entre o meio da tarde e o pôr do sol, a quarta entre o pôr do sol e a última luz do dia e a última durante a noite”, explica. “Dependendo das suas possibilidades de trabalho, pode-se juntar duas orações em um horário. A religião é para facilitar nossa vida, não dificultar”, complementa.

A sexta-feira é considerada um dia especial para a religião. De acordo com Muhammad, neste dia foi ordenado para que os muçulmanos se juntem na mesquita ou sala de oração e orem juntos. “O Islã é como qualquer outra religião, a finalidade é estar diante do Criador. Penso que é um manual da vida: se você sente dificuldade você pega como um manual para ter orientação e danificar o mínimo possível a sua máquina”, aponta. “O muçulmano deve aceitar todos os mensageiros e profetas, se você não aceitar ou não ter fé neles, sua religião não está completa. Nós acreditamos em Jesus, Moisés, Davi, Abraão, enfim, todos os profetas que vieram de Deus. Se não crermos neles, não somos muçulmanos”, salienta.

 

Reflexão

O Ramadã é considerado pelos islâmicos como o mês sagrado. Entre outras obrigações, os muçulmanos devem praticar o jejum, o quarto dos cinco pilares do Islã. “Antes de o sol nascer nós podemos nos alimentar e também após o sol se por. Mas durante esse período não é permitido beber água ou ingerir qualquer alimento”, explica Muhammad.

Conforme ele, o ato de sentir fome e sede é uma forma de refletir sobre o valor dos alimentos que estão à disposição no dia a dia, além de relembrar das pessoas que não têm e refletir sobre o desperdício. “Também é uma forma de exercitar a paciência, já que você vai sentir fome, sede, mas deve manter a calma e ter paciência”, expõe.

Durante o Ramadã também deve-se refletir sobre a forma com a qual se tratam as pessoas. “Evitar ao máximo falar coisas que não devemos, tratar as pessoas bem, ter mais fé e sentir mais contato com o Criador através do jejum, fazendo com que a fome e a sede te relembrem do jejum e que o seu comportamento seja o melhor possível na sua casa, ambiente de trabalho, na sua vida social”, diz Muhammad.

Parvej Ahmed, de 25 anos, chegou a quatro anos e meio de Bangladesh com o mesmo objetivo: uma vida melhor, o que ele também garante ter conquistado. Ele explica que o Ramadã é um dos maiores pilares do Islã, sendo um mandamento de Deus que deve ser obedecido por seus seguidores. “Fazer o jejum é claro que é um pouquinho de sofrimento, mas a recompensa é muito grande. O sofrimento não é nada quando você lembra que no dia do juízo final vai haver uma grande recompensa, por isso nós fazemos com vontade”, argumenta.

Ele diz que quando se faz um ato de caridade durante o Ramadã, vale muito mais do que nos outros meses do ano, pois Deus está mais próximo de você. “Tem um período durante esse jejum que Deus aceita sua suplicação e qualquer coisa que você pedir, Ele te perdoará”, resume, acrescentando: “Deus nos deu 11 meses para ficarmos à vontade e por que em um mês não podemos agradar a Ele?”.

 

Pilares

Os “pilares” citados por Parvej são os cinco principais atos exigidos pela religião islâmica. O primeiro está baseado na fé, quando o fiel deve professar e aceitar o credo (Shahadah); o segundo é a oração, que é feita cinco vezes ao longo do dia, com o fiel voltado em direção à Meca (Salat); o terceiro é a caridade, em que o muçulmano deve calcular anualmente seu patrimônio e doar 2,5% aos necessitados (Zakat); o jejum, em que se deve observar as obrigações do Ramadã (Saum); e a peregrinação, que para aqueles que possuírem condições financeiras e físicas, ao menos uma vez na vida, devem fazer a peregrinação à Meca, na Arábia Saudita (Hajj).

 

Líder espiritual

Mubarak Saeed Musah, de 31 anos, foi escolhido para ser o xeque, o líder espiritual da comunidade islâmica de Marechal Cândido Rondon. Ele aterrissou de Gana há dois anos no município. “Uma das razões pela qual o Ramadã é realizado é para sentirmos o que aquelas pessoas em situações de fome, sem dinheiro para comprar comida, sentem”, enfatiza. “Segundo Allah, você precisa fazer o jejum, isso é parte do islamismo. Se você diz que é muçulmano e não faz jejum, você não é muçulmano”, afirma Mubarak.

O ganês conta que foi escolhido para liderar a comunidade muçulmana local por ter um conhecimento pouco mais aprofundado do islamismo e do Alcorão – livro sagrado do Islã. “Em qualquer grupo de pessoas alguém precisa ser o líder e eu estou apenas liderando as orações. O que fazemos é ter total submissão a um único Allah, nada além de Allah é adorado, nada mais, apenas um único Allah. E você testemunha isso com Mohammed sendo o único e último mensageiro de Allah”, declara Mubarak.

 

Eid ul-Fitr

Ao fim do Ramadã, quando a próxima Lua Nova é avistada, uma festa é realizada pelos muçulmanos em comemoração ao fim do mês sagrado, chamada de Eid ul-Fitr, que significa literalmente “celebração do fim do jejum”. “Todos vêm até a mesquita neste dia, fazem a oração e em seguida cada um vai ao encontro de sua família, seus parentes e amigos”, conta Muhammad.

Segundo ele, cada região tem sua culinária específica, porém os pratos doces são mais comuns de serem preparados para o Eid ul-Fitr. “Você faz o doce e leva na casa dos parentes e amigos e festeja o fim do Ramadã”, destaca.

 

Além da religião

Musah, de 30 anos, cria sozinho a pequena Hafasah, de um ano -fruto de um relacionamento com uma brasileira. O pai solteiro veio de Gana há três anos.

Assim como outros estrangeiros, Musah chegou a terras brasileiras em busca de melhores oportunidades, todavia, agora tem uma nova vida com a qual se preocupar.

Apesar de falar cerca de 20 dialetos dentre os 50 conhecidos no país ganês, com Hafasah a conversa surge em inglês –- língua oficial do país. “Mas na creche, as professoras falam com ela em português, então ela vai acabar aprendendo as duas línguas”, prevê.

O pai solteiro objetiva ensinar a filha os dialetos, a cultura, culinária e a religião de seu país, a história de sua família e seus antepassados, já que vivendo no Brasil Hafasah terá contato com a cultura e a língua brasileira de qualquer forma. “Na creche dela ou quando levo ela no médico, as pessoas entendem o que falo do meu país e nos acolhem bem, então é melhor ficar em um lugar em que as pessoas gostam de você do que em uma cidade grande onde as pessoas não gostam de você. Já chegaram a dizer que eu preciso arrumar outra mulher para poder cuidar melhor dela, porém como eu vou cuidar dessa menina é meu problema”, contrapõe. “Eu sei o que é mais importante para ela. A minha vida eu já vivi e sei o que vou fazer com ela, mas ela ainda tem a vida toda para viver e eu vou fazer com que ela estude para que possa ser o que ela quiser, até presidente dos brasileiros, quem sabe”, declara Musah.

 

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