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Marechal Isolamento social

Rondonenses do grupo de risco são o retrato da pandemia

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Funcionário público Roberto Nassar: “Se tenho tomado todos esses cuidados por que deixar de manter agora? Ao cortar cabelo teria de retirar a máscara automaticamente, pois não há como fazer diferente. Tenho tumor, tomo muitos remédios e isso reduz as defesas do organismo” (Foto: Joni Lang/OP)

Todos os cidadãos tiveram sua rotina afetada pela pandemia do coronavírus devido às inúmeras restrições em vigor para evitar a proliferação da infecção causadora da Covid-19. A mudança de hábito é visível desde crianças que não vão às creches aos estudantes que não frequentam presencialmente escolas, colégios e faculdades, passando por professores e outros trabalhadores que adotam medidas para não correrem riscos.

Há ainda o distanciamento social, precauções em termos de higiene e limpeza com uso de tapete sanitizante nas empresas e estabelecimentos em geral, aplicação de álcool gel ou álcool 70%, uso de máscara, entre outras medidas.

Ao grupo de risco, composto, entre outros, por pessoas com idade a partir dos 60 anos, a orientação é que evitem sair de casa e que, se possível, executem suas atividades profissionais na modalidade home office. E muitos rondonenses levaram tal orientação a sério e estão seguindo à risca os cuidados.

Entre eles estão o médico Dietrich Seyboth (Hipi), a empresária Liselote Graebin (Loti) e o funcionário público Roberto Nassar. Desde o início da pandemia, há pouco mais de seis meses, eles optaram por permanecer em suas casas para evitar o contágio com o vírus causador da doença, o que provocou mudanças de hábitos nas suas vidas. Todos querem manter a saúde em dia e vêm obtendo bons resultados.

 

RIGOR ATÉ NO VISUAL

Roberto Nassar é funcionário de carreira da Unioeste em Marechal Rondon. Pelo fato de ter 65 anos de idade executa trabalho home office desde o mês de março em respeito ao decreto do Governo do Estado. “Fomos enquadrados no decreto, onde todos aqueles que possuem 60 anos ou mais, alguma comorbidade ou doença crônica devem realizar o trabalho home office. Como estou na parte administrativa colaborando com o diretor do campus, professor Davi Schreiner, nas questões jurídicas, tenho facilidade de trabalhar de casa”, declarou ao O Presente.

Nassar diz que gostaria de estar na universidade, com seus colegas, mas infelizmente a pandemia resultou no afastamento do trabalho. “Mesmo assim, continuo minhas atividades de casa. Me isolei totalmente e sigo as recomendações médicas até dentro de casa, onde, às vezes, uso a máscara por ser um hábito. Me parece que vai ser a vestimenta para o futuro”, pontua.

Desde março, quando começou a pandemia, o rondonense conta que apenas uma ou outra vez acompanha sua esposa no mercado. “Porém, tomo todos os cuidados possíveis. De resto, não tenho tido contato com outras pessoas”, menciona, detalhando: “Ao chegar em casa deixo roupa e calçado na lavanderia, pois o vírus está no ar e por isso é bom manter todos esses cuidados”.

O visual de Nassar, inclusive, pode ser considerado o “fiel” retrato da pandemia do coronavírus. Ele já não faz a barba com a mesma frequência de antes. Todavia, é no cabelo que se observa a maior mudança: isso porque o último corte foi feito no mês de fevereiro. “Se tenho tomado todos esses cuidados por que deixar de manter agora? Ao cortar cabelo teria de retirar a máscara automaticamente, pois não há como fazer diferente. Tenho evitado até por isso. Acredito que quando a idade da gente avança as defesas do organismo diminuem. Tenho tumor, tomo muitos remédios e isso reduz as defesas do organismo”, salienta.

Ele afirma que pelo vírus ser contagioso, perigoso e desconhecido é importante que todas as pessoas cuidem de sua saúde. “A comunidade científica vem tomando pé da situação. O que se falava meses atrás hoje é desmentido. Dizia-se que não havia reinfecção, mas está havendo. Comentava-se que o coronavírus não retornaria nas localidades onde teve o vírus, contudo ele retorna. Há inclusive o sentimento de que nos próximos meses vai haver uma nova onda muito forte na Europa e na Ásia. Sobre vacina não temos certeza ainda do que acontece, pois está na fase de teste. Ou seja, estamos às escuras, por isso o que resta é tomar todos os cuidados, sempre usar máscara e ter álcool gel ao alcance para higienização. Vamos aguardar, talvez a vacina venha agora no fim do ano ou início do próximo ano, mas enquanto isso estamos às cegas”, ressalta.

 

Empresária Liselote Graebin (Loti): “Se saí de casa dez vezes desde março é muito. Esses dias o médico falou para não ficar só em casa, que é para usar a máscara e sair. Sei que não é bom ficar só em casa, mas ninguém quer ter culpa e correr o risco” (Foto: Joni Lang/OP)

 

SAUDADES DA FAMÍLIA

Aos 71 anos, a empresária Liselote Graebin (Loti) está há seis meses isolada em casa. “Nós estávamos de férias na praia por cerca de 20 dias e quando voltamos logo começou isso. Desde então não saio de casa, apenas participo de reuniões on-line dos grupos ligados à Acimacar (Associação Comercial e Empresarial). Antes, fazíamos jantar ao menos uma vez por mês. Essas mudanças todas foram muito difíceis para mim, pois não era acostumada a ficar em casa”, relata.

Ela enfatiza que buscou se autoajudar para não entrar em depressão. “Tinha dias que eu dizia para minha filha: ‘ou fico louca ou saio de casa’, mas quando pensava em retomar a vida normal, voltava tudo de novo. Não saí de casa, não fiz isso e nem aquilo. E a minha filha falava: ‘pai e mãe, não saiam de casa’”, expõe.

Para Loti, o pior fator do isolamento social é a saudade dos netos. “Temos quatro netos, um de 25 anos que mora aqui e a gente se vê, outra neta tem 21, faz faculdade em Curitiba e desde janeiro a gente não se encontra mais, e dois netos pequenos, de 12 anos e seis anos, os quais a gente não vê desde o Natal. Eles moravam em Chapecó, mas meu filho, pai deles, foi transferido para São Paulo e vai morar lá. Não receber visita é muito difícil”, considera a empresária, bastante emocionada.

Ela comenta que a explosão de casos em Marechal Rondon, nos últimos dias, piora a situação, trazendo preocupação às pessoas, especialmente àquelas do grupo de risco. “Eu havia pensado em chamar uma amiga para tomar chá, café, e um casal para almoçar, mas essa piora no cenário local me deixou com o pé atrás. Dispensei a empregada do almoço, que hoje limpa a casa e lava, e o almoço sou eu quem faz”, expõe, relatando que para passar o tempo caminha em volta da piscina. “Minha neta diz: ‘Oma, você parece louca ao caminhar em volta da piscina, por que não vai na rua’? Mas eles não entendem. Eu e meu marido jogamos baralho. Às vezes ele vai à oficina (empresa dele) e a minha filha cuida da nossa empresa”, conta.

Conforme Loti, a alimentação não teve grandes mudanças neste período de pandemia. Ela tem buscado consumir muita fruta e verdura. A mudança de hábito, que se transformou em rotina, inclui a caminhada ao redor da piscina. “Depois tomo chimarrão com meu marido, encaminho o almoço, jogo um pouco de baralho e assim passa o tempo. Mas penso em comer porque sou ansiosa e vou engordando”, lamenta.

A rondonense diz que saiu pela primeira vez de casa, desde março, nesse mês, para ir ao mercado. “Até então minha filha ou a empregada iam e eu guardava as compras. Se saí de casa dez vezes desde março é muito. Esses dias o médico falou para mim não ficar só em casa, que é para usar a máscara e sair. Sei que não é bom ficar só em casa, mas ninguém quer ter culpa e correr o risco. Toda semana converso pelo WhatsApp com meus familiares, meu irmão esteve de aniversário esses dias e pediu para mim viajar a Curitiba, porém eu e meu marido preferimos não ir, assim como pedimos para os parentes não virem nos visitar por enquanto. Realmente não é para brincadeira, nota-se que é algo complicado”, entende.

 

Médico anestesista Dietrich Seyboth (Hipi): “Me ocupo muito bem comigo mesmo, leio muito, quase tudo o que aparece na minha mão. A não ser pelo ócio e por certa ansiedade profissional, não tive nenhum problema de me isolar socialmente, porém faz muita falta não encontrar os amigos” (Foto: Joni Lang/OP)

 

CINCO FATORES ATRELADOS

O diretor do Hospital Rondon, médico Dietrich Rupprecht Seyboth (Hipi), lembra que o noticiário em torno da pandemia e da disseminação do vírus começou em janeiro e fevereiro e se tornou mais intenso no começo de março. “Aconteceu um fator que não tem a ver com a pandemia e me limitou um pouco na profissão que foi uma fratura de perna de quadril da minha sogra. Nós fomos ao hospital, ela ficou lá, veio para casa, então em março eu saí dois ou três dias para cuidar da minha sogra. Combinei com anestesistas que não voltaria ao hospital enquanto não resolvesse o problema da pandemia, portanto estou desde março fora do escritório”, menciona.

Hipi elenca cinco fatores de risco que o levaram a decidir pelo isolamento. “Tenho 75 anos de idade e na minha profissão eu frequento o hospital, onde se concentram os casos mais graves de Covid; mesmo no ambulatório há muito contato com paciente da pandemia; terceiro, sou médico e lido diretamente com pacientes doentes; sou anestesista e intensivista, entubo pacientes, coloco em ventilação mecânica, mexo para virar de bruços e aí se faz uma série de procedimentos; quinto e último, acho o menos relevante, fui paciente de cirurgia cardíaca, mas estou otimamente bem, não tenho nenhum tipo de patologia cardíaca associada, contudo é um precedente clínico pessoal conhecido como fator de risco”, expõe.

Ele aponta o equilíbrio econômico como primeiro fator importante a decidir pelo isolamento. “Se não tivesse condições financeiras de ficar ausente da minha atividade econômica e profissional eu teria que enfrentar o risco e sair para manter casa e família. Como a minha situação econômica é razoavelmente estável e não dependo necessariamente da minha atividade pessoal, eu pude fazer a opção por me isolar socialmente”, justifica.

Hipi garante se ocupar muito bem com ele mesmo. “Leio muito, quase tudo o que aparece na minha mão. Leio vários idiomas, o que torna o hábito até mais estimulante. Nesses seis meses eu li muito, descansei, dormi até mais tarde. Mais recentemente, estou ajudando meu neto na situação que se repete em muitos lares com crianças e adolescentes em idade escolar, que é o ensino on-line, algo muito pouco estimulante para a criança e o adolescente. Estou ajudando, lendo ali do lado, mexendo com eletrônica. A não ser pelo ócio e por certa ansiedade profissional, não tive nenhum problema de me isolar socialmente, entretanto, faz muita falta não encontrar os amigos”, pontua.

De acordo com o médico, ele se ausentou de casa pouquíssimas vezes nesse meio ano. “E quando saio é para lugares conhecidos e caminhos muito curtos, como levar o carro para lavar, buscar pão na padaria, uma ou outra vez escapei para o mercado. Temos recebido em casa basicamente familiares, filhos, noras, genro e netos. Em uma ou outra ocasião recebemos o convite e fomos jantar com casais da nossa idade, que também estão isolados ou convidamos um casal para jantar conosco, mas fora disso temos evitado qualquer convívio social”, evidencia.

 

ORIENTAÇÃO

Conforme Hipi, o coronavírus tem a característica de se disseminar rapidamente por ser de baixa morbilidade. “Provoca poucos sintomas em pouca gente. A maioria das pessoas teve o vírus e nem percebeu, em outras pessoas foi um pouco mais intenso, ainda assim com poucas limitações. O vírus está em todo lugar porque é pouco letal e a morbilidade é baixa. E essa disseminação tende a expor muito os grupos de risco, uma vez que o jovem acaba levando porque não sente nada. Por isso o grupo de risco tem que se isolar”, sugere.

Devido à sua experiência, o médico avalia ser necessário que todas as pessoas sigam com rigor as orientações das instituições de saúde, as quais são do conhecimento de todos. “Quando se vê um bar cheio de gente sem usar máscara, perto um do outro e se sentindo dono do pedaço as pessoas não se dão conta de que na verdade estão cultivando um vírus para disseminar aos seus núcleos familiares, onde vai fazer estrago. Sempre que se vê a despreocupação das pessoas que não são do grupo de risco, mas que vão expor as pessoas deste grupo, ou seja, são vetores previsíveis. É preciso seguir as regras, usar máscara, manter isolamento social, higiene das mãos, cuidar e não levar para casa, o que não é novidade nenhuma”, frisa.

Hipi acredita que a pandemia só será resolvida quando for desenvolvida, aplicada e disseminada universalmente uma vacina eficiente. “Fala-se em imunidade de rebanho, quando de 100 pessoas 95 estão vacinadas e as outras cinco não pegam por causa das que estão protegidas. Acho que essa imunidade não se estabelece tão já no coronavírus. Deve levar dois, três ou quatro anos para que possa dizer que a população estará relativamente imune a este vírus”, projeta.

Com 75 anos, o rondonense menciona que mantém sua alimentação nos mesmos moldes de antes da pandemia e eventualmente consume vinho. “Gostaria de ir à academia, mas não posso porque o decreto impõe limitações para a minha idade”, comenta.

Na opinião do médico, o custo social da pandemia é muito alto. “Não só pelo número de mortos, mas pelo que esses mortos custam à sociedade até o desenlace fatal”, evidencia, acrescentando: “Trinta dias de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) custam uma fortuna para depois perder paciente. Ainda há os medicamentos, leitos de hospital e o custo social brasileiro, que é a corrupção (política)”, aponta.

 

NÚMEROS

A Secretaria de Estado da Saúde divulgou ontem (24) mais 1.633 casos confirmados e 36 mortes em decorrência da infecção causada pelo novo coronavírus. Os dados acumulados do monitoramento da Covid-19 mostram que o Paraná soma 168.717 casos e 4.237 mortos.

 

MARECHAL RONDON

Marechal Cândido Rondon conta com 711 casos confirmados de coronavírus. De quarta-feira (23) para ontem, foram 38 confirmações. Casos ativos somam 86 e recuperados 618. No total, são sete óbitos motivados pela doença.

Atualmente, há 575 pessoas em monitoramento e 141 casos suspeitos.

 

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