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Marechal Entrevista ao O Presente

“Se a lei contra as fake news fosse boa não haveria tanta polêmica”, diz Oscar Nasihgil

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Advogado Oscar Nasihgil: “As pessoas não perderam a capacidade de se comunicar. As pessoas aumentaram a sua capacidade de comunicação. Hoje a internet dá vasão para que você possa se manifestar. Agora, o que não se pode confundir é liberdade de expressão com libertinagem de expressão” (Fotos: Sandro Mesquita/OP)

O Senado Federal aprovou no começo de julho o polêmico projeto de lei de combate às fake news, o qual ainda será discutido na Câmara dos Deputados e, se aprovado, poderá ser vetado pelo presidente Jair Bolsonaro, que demonstra resistência ao projeto, pois entende que vai prejudicar a liberdade de expressão e a privacidade dos brasileiros.

Para o advogado rondonense Oscar Nasihgil, o Congresso está criando uma legislação controversa. “Nós precisamos de uma lei que combata fake news, acho importante, agora, como é que eu vou traçar a logística da lei? Como é que eu vou fazer com que o provedor acima de dois milhões de pessoas, que é o objetivo da lei de fake news, traga quem foi o primeiro que divulgou a matéria?”, questiona. “Não é porque vai vir uma lei contra fake news que a legislação brasileira não vai continuar vigente. Ela está em vigência e se você abusar da liberdade de expressão, se você usar da libertinagem de expressão com fake news, você vai ser punido criminalmente e civilmente”, enaltece.

Na opinião de Nasighil, o maior problema não está nas fake news, mas, sim, nos perfis fakes. “Esse é um problema sério no Brasil. Isso eu acho positivo na lei”, ressalta.

Em entrevista ao O Presente, o advogado faz uma análise da evolução do modo de dialogar e se comunicar das pessoas. Ele também avalia o uso da internet e das redes sociais nos tempos atuais e chama atenção para um detalhe: as pessoas não podem confundir liberdade de expressão com libertinagem de expressão. Opina, ainda, sobre a postura do Supremo Tribunal Federal (STF) e sobre o legado que a pandemia de Covid-19 vai deixar à sociedade. Confira.

 

O Presente (OP): No passado, dificilmente filhos contestavam ou criticavam pais e avós; as crianças e adolescentes em geral tinham receio de questionar os professores. Hoje em dia isso mudou. Filhos discordam e criticam pais e avós; crianças e adolescentes questionam e criticam professores e, quando acham que devem, até mesmo qualquer pessoa, inclusive desconhecidos. Opina-se sobre tudo, mas, muitas vezes, de modo leviano. É uma época diferente, menos repressiva, digamos assim. São novos tempos, em que essas vozes ganham ainda mais força nas redes sociais. Como o senhor avalia essa evolução, essa transformação? O que isso soma de positivo à sociedade?

Oscar Nasihgil (ON): Eu não diria que houve uma transformação, apenas uma evolução do comportamento entre pais e filhos. Dou um exemplo jurídico, o Código Civil brasileiro tratava essa matéria como o quarto poder, o poder do pai sobre o filho. Atualmente, ele chama de poder familiar, ou seja, pai e mãe educam os seus filhos. O que acontece é que naquela época, na minha época, havia um respeito diferenciado: o pai era senhor, a mãe era senhora. Havia também um temor reverencial maior dos filhos para com os pais; o filho tinha medo do pai. Sem sombra de dúvidas, havia menos diálogo entre eles. Com a evolução da informática, a chegada da internet e de um monte de artifícios tecnológicos, os pais passaram a dialogar mais com os filhos, evitando medidas mais drásticas. Agora, a contestação aos pais sempre existiu, os filhos sempre contestaram seus pais, sempre tiveram discussões familiares, só que naquela época havia mais rigor. Hoje continua o rigor, mas com mais liberdade às opiniões dos filhos. É uma relação mais aberta e isso gera um poder contestatório maior.

 

OP: As redes sociais têm se mostrado indispensáveis para o desenvolvimento das relações humanas. Todavia, são as ferramentas que mais permitem a disseminação de notícias falsas, as famosas fake news, um dos atuais problemas sociais. O que o senhor pensa a respeito deste assunto?

ON: A internet tem o lado bom e o lado ruim. Temos a internet normal, que usamos no dia a dia, mas também existe a internet obscura, a dark web, mais pesada e diferenciada. Hoje temos uma discussão no Brasil sobre as fake news. O ponto-chave é: (se aprovada a lei) como é que vai ser a logística para decidir o que é uma fake news? Eu tenho um costume de, ao receber uma matéria, checar se é falsa ou verdadeira. É uma forma de você controlar a informação da internet. É preciso tomar cuidado para não cair na desinformação. Antes de você divulgar ou compartilhar algo no WhatsApp, por exemplo, confira se é verdadeiro, se aconteceu naquele momento ou se é algo de cinco anos atrás. Esse é o tom da informação. Infelizmente a internet está lotada de desinformação e sofremos muito com isso, porque acabamos tomando como verdadeira uma coisa que não é. Por isso, vale a pena pesquisar o assunto, checar a notícia, a informação.

 

OP: O Senado aprovou no começo de julho o polêmico projeto de lei de combate às fake news. Ele ainda terá que ser discutido na Câmara e, se aprovado, poderá ser vetado pelo presidente Bolsonaro, que não é favorável ao projeto. Qual sua opinião sobre isso?

ON: O Senado e a Câmara estão criando uma legislação controversa e bastante polêmica, que tenta tirar a desinformação ou evitar a desinformação na internet. Acho que a lei tem a sua validade, apesar de já termos o Marco Civil da Internet (lei n° 12.965/2014), que regula o uso da rede no Brasil por meio da previsão de princípios, garantias, direitos e deveres, bem como da determinação de diretrizes para a atuação do Estado. Vemos assim: preciso tirar fake news do ar, mas como é que eu consigo fazer isso? Como é que vai ser a logística para decidir o que é uma fake news? É bastante complexo. Dá para entender claramente a posição do presidente Bolsonaro porque tivemos há dois anos a maior campanha política em cima da mídia social, ou seja, a internet fez a campanha do Bolsonaro. Nós, eleitores do Bolsonaro, fomos quem propagamos a sua candidatura através da internet. O Bolsonaro evidentemente entende que isso é um ataque aos seus seguidores ou àqueles que propagam as informações sobre ele. Então, na verdade, se a lei contra as fake news fosse tão boa assim não haveria tanta polêmica, por que quem não quer ser regulado pela internet? Eu quero ter uma regulação na internet. A minha forma de escrever alguma coisa na internet é extremamente verdadeira, agora, eu não quero desinformação. Nós precisamos de uma lei que combata fake news, acho importante, até porque isso vai refletir em campanhas políticas. O maior perigo das fake news hoje é a campanha política. Agora, como é que eu vou traçar a logística da lei? Como isso vai acontecer? Como é que eu vou fazer com que o provedor acima de dois milhões de pessoas, que é o objetivo da lei de fake news, traga quem foi o primeiro que divulgou a matéria? Como é que você vai buscar isso? O encaminhamento é uma coisa de louco. O combate à desinformação deve acontecer. Aquela matéria mentirosa, caluniosa, que difama e injuria alguém, que traz prejuízos irreparáveis, ela deve ser punida, sim, embora já tenhamos legislação que puna. A legislação federal brasileira é muito clara quando trata da liberdade de expressão, ela trata da privacidade da pessoa, ou seja, intimidade e vida privada devem ser respeitadas. Então, não é porque vai vir uma lei contra fake news que não vai continuar vigente a legislação brasileira. Ela está em vigência e se você abusar da liberdade de expressão, se você usar da libertinagem de expressão com fake news, você vai ser punido criminalmente e civilmente.

 

Advogado Oscar Nasihgil: “Ao difamar e caluniar alguém nas redes sociais você cria um processo criminal contra si mesmo. Pode ter que indenizar por danos morais. Há liberdade de expressão, mas é preciso entender que não estamos escondidos atrás de uma tela de computador para escrever o que bem entendermos. Há limites” (Foto: Sandro Mesquita/OP)

 

OP: A nova versão de lei contra fake news terá restrições a contas anônimas e mais poder a denúncias de usuários. Será a solução para dosar, limitar esses excessos?

ON: Penso que sim. Acho que um dos grandes problemas não está nas fake news, mas nos perfis fakes. Esse é um problema sério no Brasil, porque encontramos vários perfis fakes atacando pessoas. Então, isso eu acho positivo na lei. O que se quer é que você crie uma conta no Facebook ou no Twitter, por exemplo, e se identifique como o dono dessa conta. Agora, eu quero que a minha privacidade seja respeitada também. Se eu precisar colocar a minha identidade, o meu CPF, o meu telefone para ter essa conta, quero também ter a segurança de que aquela página é verdadeira. Infelizmente temos especialistas em desinformação, mas as redes sociais e os aplicativos já estão restringindo muita coisa.

 

OP: A internet e as redes sociais criaram um espaço infinito para a livre circulação de ideias e opiniões. Isso, porém, muitas vezes, cria campanhas de ódio, assédio, exposição da intimidade alheia e gera insultos, agressividade, intolerância… Podemos dizer que as pessoas de um modo geral perderam a capacidade de se comunicar?

ON: Não, as pessoas não perderam a capacidade de se comunicar. As pessoas aumentaram a sua capacidade de comunicação. Hoje a internet dá vasão para que você possa se manifestar. Agora, o que nós não podemos confundir é a liberdade de expressão constitucionalmente assegurada para nós para que possamos manifestar a nossa opinião sem agredir alguém com libertinagem de expressão. Existem pessoas do mal, que não estão efetivamente preocupadas em escrever alguma coisa boa (na internet), mas, sim, falar mal das outras ou criar polêmica. Há muita intolerância religiosa, política… Vivemos em um Brasil hoje que tem um lado A e um lado B, direita ou esquerda. A direita ataca a esquerda e a esquerda ataca a direita, e não existem limites nesses ataques. Isso tem causado muito processo.

 

OP: O que vivemos hoje, entremeio a essa onda de turbulências, questionamentos, intolerâncias, agressividades entre outras posturas similares, representa o diálogo dos tempos atuais?

ON: Absolutamente não. Não vejo dessa forma. Acho que o diálogo hoje é fantástico. As pessoas estão conversando muito, mesmo pelas redes sociais. Você encontra muitas discussões de alto nível nas redes sociais. Infelizmente também há muita porcaria, mas não perdemos o diálogo, não. Estamos apenas vivenciando uma experiência melhor.

 

OP: Muito se fala de uma pretensa tentativa de interferência do STF e outros setores da Justiça na política. Há, inclusive, comentários de que a “ditadura” vem pela “toga”. Qual sua análise neste sentido?

ON: Acho que o Supremo Tribunal Federal tomou algumas atitudes que levaram a esse entendimento, como é o caso desse inquérito que está correndo agora sobre a questão do próprio Supremo. Veja o absurdo que é a violação do Estado de Direito que o STF fez: ele está investigando e ele vai julgar. Esse é o papel da Polícia Federal, do Ministério Público. O ministro Alexandre de Moraes determinou que se fizessem diligências para prender pessoas por decisão do próprio Supremo. Com isso, ele acabou trazendo a antipatia nacional contra o STF, até pelos ataques que fizeram ao presidente Bolsonaro. Cinquenta e sete milhões de brasileiros votaram no Bolsonaro e há uma insatisfação dos bolsonaristas com as atitudes do STF. O Supremo tem que sair da mídia e ficar dentro das prerrogativas constitucionais que lhe são atribuídas.

 

OP: A pandemia de coronavírus afetou o mundo todo. Impactou todas as pessoas de alguma maneira. Na sua opinião, como será o período pós-Covid?

ON: É difícil saber o que vai acontecer. Essa pandemia vai deixar um legado familiar, político, econômico, da saúde. Ela vai deixar muita coisa para refletirmos. Estamos mudando e ainda vamos mudar conceitos. Vamos nos cuidar mais. Eu espero que os países como um todo, não só o Brasil, consigam se recuperar economicamente, porque foi um desastre coletivo. Temos que enfrentar o depois, mas quanto tempo vamos levar para resolver essa coisa toda, isso é uma incógnita. A expectativa é para que logo surjam vacinas.

 

OP: A divergência de opiniões nesse período, misturando questões de saúde com questões políticas, acirrou os ânimos de forma generalizada, tanto nos grandes centros quanto nos municípios do interior. Isso de alguma maneira servirá para um amadurecimento social ou vai dividir ainda mais os brasileiros?

ON: Acho que vai dividir ainda mais. O Brasil teve muitas infelicidades políticas com a pandemia. Cada líder político agiu de uma forma. Por muito tempo ainda vamos procurar culpados para tudo. Vamos procurar culpados porque morreu gente, porque o comércio quebrou, porque a saúde não foi tão bem-sucedida assim. Este é o ponto-chave que vamos buscar depois da pandemia: culpados. É difícil imaginar que depois que tudo terminar todos vão sentar na mesma mesa e dizer a mesma coisa. Vai haver momentos de cobrança e muita crítica.

 

OP: O que esperar de uma campanha eleitoral que se aproxima, com ânimos exaltados e um cenário inédito, que vai limitar o contato direto entre candidatos e eleitores e dar ainda mais força para as redes sociais?

ON: A campanha via mídia social vai ser uma experiência positiva. A eleição de 2016 já utilizou muito a mídia social, a internet como um todo, para essa finalidade. A eleição do Bolsonaro foi uma marca. Digo que o candidato que souber usar a mídia social vai ter o contato direto com os seus eleitores ou com quem ele está buscando conquistar o voto. Do jeito que as coisas estão, essa pandemia não vai terminar tão cedo e a mídia social vai ser o ponto-chave dessa eleição.

 

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